A dispensa discriminatória é um tema presente diariamente na Justiça do Trabalho, possuindo grande relevância, social e econômica, tanto aos empregados, quanto aos empregadores.
Embora no direito do trabalho brasileiro, via de regra, o empregador não necessite de justificativa prévia para a rescisão contratual, é importante ressaltar que este direito potestativo não é absoluto.
Além das hipóteses legalmente previstas de estabilidades e que impedem uma dispensa sem justo motivo (estabilidade do Cipeiro, por exemplo), existe uma questão que, ainda nos dias de hoje, é enfrentada com certa subjetividade, qual seja a aplicação da Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho.
É evidente, e não se discute, que existem trabalhadores que necessitam da proteção do judiciário de abusos cometidos por determinados empregadores, em situações notadamente discriminatórias.
No entanto, a edição da Súmula 443 pelo Tribunal Superior do Trabalho (datada de setembro de 2012, portanto, há quase doze anos) trouxe uma situação jurídica peculiar e que ainda traz grandes discussões.
A referida Súmula dispõe que “Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”.
Note-se, portanto, que a Súmula possui dois grandes pontos de enfrentamento: i) presunção de que a dispensa é discriminatória ao portador do vírus HIV; ii) caracterização também como discriminatória de “outra doença grave que suscite estigma ou preconceito”.
Em relação ao primeiro ponto, é possível dizer que a Súmula trata de uma questão processual, vez que esta presunção fará com que o ônus da prova de que a dispensa não se deu de forma discriminatória seja imputado ao empregador, o qual deverá comprovar através da prova oral e documental o motivo do desligamento daquele empregado.
Ressalta-se que a Súmula não deve ser interpretada a fim de que se crie uma outra modalidade de estabilidade no emprego, pois não é disto que se trata o entendimento sumulado. Caso contrário, admitir que se trata de uma nova estabilidade é admitir que aquele empregado portador daquela doença nunca poderá ser dispensado, o que não se coaduna com a legislação e nem com a jurisprudência pátria.
Assim, a presunção de dispensa discriminatória deve ser vista como um ônus processual, devendo ser analisado caso a caso se o empregador se desincumbiu do ônus que lhe competia de demonstrar a ausência de discriminação para o ato rescisório.
O segundo ponto de enfrentamento, atraindo também a subjetividade na análise dos casos, é o que se enquadraria como “outra doença grave que suscite estigma ou preconceito”.
O fato de não haver um rol taxativo acerca das doenças enquadradas como estigmatizantes e que suscitem preconceito impõe ao próprio julgador definir este enquadramento.
Por este motivo, não é difícil encontrar uma pluralidade de decisões conflitantes sobre a aplicação da Súmula, mesmo que tratem da mesma moléstia, com a mesma gravidade e mesmas repercussões, em razão da subjetividade trazida pela Súmula 443 do TST.
Além disso, é certo que a doença não basta ser dotada de gravidade, devendo também gerar estigma ou preconceito para que possa falar em presunção de dispensa discriminatória.
Um exemplo disto é a cardiopatia grave, a qual é uma doença de alta gravidade, com risco de vida, mas que o entendimento majoritário jurisprudencial (ainda que existente decisões em sentido contrário) é de que a referida moléstia não se enquadra na Súmula 443 do TST, pois não implica em qualquer estigma ou preconceito.
Veja, portanto, que estamos diante de uma situação complexa, que exigirá a análise subjetiva de cada caso.
Neste sentido, é de suma importância que as empresas adotem cautela na dispensa de seus funcionários, sempre pautados pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da não discriminação, em especial aqueles que possuam alguma enfermidade já conhecida, a fim de que possam, futuramente, justificar e demonstrar os motivos para o desligamento.
Para tanto, devem as empresas apresentar em juízo documentos que tenham fundado aquela decisão, tais como: avaliações de desempenho que demonstrem baixa produtividade; balanços financeiros que demonstrem insuficiência econômica e necessidade de redução do quadro de funcionários; documentos internos que demonstrem a extinção do cargo exercido pelo empregado; entre outros.
Diante disto, vemos que a dispensa do funcionário portador de alguma doença grave não é vedada pela legislação, contudo, deve ser acompanhada, necessariamente, de processos bem definidos, com acompanhamento das lideranças e do setor de recurso humanos, a fim de que não haja a caracterização da dispensa como discriminatória e, consequentemente, enfrentem uma reintegração não desejada e demais consequências econômicas, como o pagamento de salários vencidos desde a dispensa, bem como eventuais indenizações por danos morais ou até mesmo materiais.
A Equipe Trabalhista do Eichenberg, Lobato e Abreu Advogados Associados está preparada e à disposição para auxiliar as empresas em caso de dúvidas em relação ao tema.
Gustavo Akira Sato