Geração Z não tem medo do 'revenge quitting': o que é demissão por vingança
- Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados
- há 11 minutos
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Um funcionário pede demissão e vai às redes sociais para fazer longos desabafos ou passa a expor os chefes nos corredores da empresa. Este é revenge quitting (demissão por vingança, na tradução livre), um fenômeno que tem se tornado mais comum.
Segundo especialistas, os motivos individuais diferem, mas é possível perceber que, depois da pandemia, as relações de trabalho passaram por mudanças.
"Para alguns, esse ato têm o sentimento de poder colocar um ponto final de uma forma que a pessoa se sinta também vingada por um comportamento que foi inadequado", avalia Lucas Oggiam, diretor-executivo de consultoria de RH da Michael Page.
Em uma postagem que viralizou no LinkedIn, funcionários decidiram expor situações em que se sentiram desacatados ou ofendidos pela chefia ou organização.
“A gente tem de estar onde a gente merece estar. Pedi demissão e disse a ele que não me adaptei ao estilo de liderança dele, que era aos gritos. Se o respeito não está sendo servido, levante da mesa.” relato do LinkedIn
Na prática, o revenge quitting sempre existiu: trabalhadores dividem experiências em seus grupos de amigos e se recomendam, ou não, para vagas de emprego.
A diferença é que, com as redes sociais, o discurso fica mais inflamado. E a geração Z "perdeu o medo" de se vingar e pedir para sair.
Por que isso acontece?
Muitas vezes, o funcionário já está suportando uma série de pequenos acontecimentos, até que uma situação vira a cereja do bolo para o pedido de demissão acontecer.
Se, antes, o ato de pedir demissão sem ter outro emprego em vista era impensável, hoje ele já não é visto mais com tanto estranhamento.
Ao observar outras pessoas tomando esta decisão, vem o impulso: se os outros estão fazendo, isso dá liberdade para fazer também. Funciona como um efeito manada.
Oggiam avalia que uma das principais dificuldades das empresas hoje é lidar com a diversidade de gerações ao mesmo tempo no mercado. Baby boomers, geração X, millenials e geração Z estão trabalhando juntos, mas com ambições diferentes.
“Como lidar com um cara que tem 19 anos e está entrando no mercado de trabalho e com a pessoa que está a um ano de se aposentar e só quer paz? Tem empresas que estão fazendo um ótimo trabalho, outras estão sofrendo para conseguir equilibrar.” Lucas Oggiam
"De um lado, você tem trabalhadores que estão dispostos a trabalhar 12 horas por dia para crescer na empresa. Do outro, uma geração que não quer isso: quanto menos trabalhar, melhor. E todos têm os mesmos benefícios", complementa o especialista.
Transparência de objetivos
A saída para evitar demissões deste tipo é a transparência, acredita Oggiam. A empresa precisa ser clara quanto as políticas de crescimento, modelo de trabalho e benefícios.
Isso possibilita que ela atraia trabalhadores adequados ao seu "fit cultural" (ou seja, compatíveis com seus valores), o que minimiza frustrações para ambos os lados. Com tantas possibilidades, é preciso entender que nenhuma empresa é adequada para todo o tipo de pessoa.
"Uma vez que isso está bem estabelecido, você consegue respirar e ter troca entre as pessoas de forma adulta", acrescenta. Segundo ele, não se adequar a um modelo de trabalho faz parte da vida, e as críticas não podem ser levadas para o lado pessoal.
“Mesmo quando a demissão é feita de forma normal, às vezes as pessoas se ofendem. Se o erro não foi da empresa em comunicar de uma forma esdrúxula, sinta que você está sendo tratado como adulto.” Lucas Oggiam
Segundo advogados, é importante ter clareza de que nem todo comportamento ruim ou desconfortável no ambiente de trabalho configura, por si só, uma ilegalidade.
Zele pela reputação
É esperado do empregado que ele também haja de forma profissional após o desligamento. E, a depender do discurso, as redes sociais podem ser grandes vilãs na tentativa de se recolocar no mercado de trabalho.
"Se você usa para fazer algum discurso inflamado de repúdio ou de revenge quitting, estando certo ou errado, a chance é de que as empresas tenham cautela na hora de contratar. É um teto de vidro", alerta ele.
A recomendação de Oggiam, para quem pensa em uma carreira a longo prazo no mundo corporativo, é que o funcionário sempre zele pela própria reputação.
"Tente sair de todos os lugares de uma forma extremamente profissional." Situações extremas, como de assédio, devem ser tratadas com as medidas legais cabíveis, não com "exposed".
O especialista em direito do trabalho Bruno Minoru Okajima, sócio do escritório Autuori Burmann Sociedade de Advogados, destaca que os empregados devem tomar cuidado para relatar os fatos de forma objetiva e responsável, além de evitar linguagem agressiva, generalizações ou acusações graves sem provas.
"Ocultar nomes de gestores ou da própria empresa pode reduzir a exposição ao risco, mas não elimina totalmente a chance de responsabilização, principalmente se for fácil identificar quem está sendo criticado", diz ele.
Liberdade de expressão x difamação
Do ponto de vista jurídico, o revenge quitting também pode trazer consequências para o trabalhador. Não é uma prática inocente, afirmam advogados, e pode configurar difamação.
"Embora o contrato de trabalho já tenha sido encerrado, estamos diante de uma situação em que se espera de ambas as partes o dever da boa-fé", avalia a advogada Gabriela Tavares Brito, do Eichenberg, Lobato e Abreu Advogados.
"A liberdade de expressão está assegurada constitucionalmente, mas ela encontra limites no respeito à honra, imagem e reputação de outras pessoas e empresas", complementa Okajima.
As consequências jurídicas podem ser sérias: a própria CLT reconhece que empresas também têm direito à indenização por danos morais, especialmente quando são atingidas em sua imagem, marca, nome, segredos comerciais ou informações confidenciais.
“Se o trabalhador causar algum tipo de prejuízo à reputação da empresa, ele poderá ser responsabilizado por isso, incluindo também prejuízos materiais que a empresa eventualmente possa ter sofrido em razão da exposição negativa.”
Gabriela Tavares Brito
Publicado por UOL.