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Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados - Especialista em Direito Imobiliário

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Perse, Reforma Tributária, Desoneração da Folha: não há tédio no Direito Tributário brasileiro

O último mês de abril exigiu de todos os operadores do Direito Tributário, advogados, contadores, controllers e, especialmente, contribuintes, bastante dedicação na compreensão das inovações trazidos ao nosso sistema. Não que sejam incomuns alterações significativas nos regramentos tributários brasileiros, mas a intensidade e a repercussão daquelas geradas nos últimos 30 dias são dignas da nossa pouco louvável posição de país com regras tributárias que demandam mais horas de acompanhamento no mundo, conforme levantamento do Banco Mundial. (https://archive.doingbusiness.org/en/data/exploretopics/paying-taxes)


Desde o primeiro dia do mês, já entrou em vigor a revogação do benefício fiscal do Programa Especial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), em relação à previsão de alíquota zero para a CSLL, a COFINS e a PIS, das empresas alcançadas por esse regime, conforme previsto no art. 6º, inciso I, alínea “b”, itens 1 a 3, da Medida Provisória nº 1.202, de 28 de dezembro de 2023. A revogação da alíquota zero do IRPJ ainda aguarda a virada do ano, segundo a MP. Até março, as alíquotas desses tributos estavam zeradas, pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contados da publicação da derrubada do veto presencial ao art. 4º da Lei nº 14.148/2021, ocorrida em 18 de março de 2022. Porém, é bastante provável que a referida medida provisória perca seus efeitos, não sendo convertida em lei até 31 de maio de 2024, seu prazo máximo de vigência, se não aprovada pelo Congresso Nacional. O próprio Governo Federal apresentou projeto de lei para tratar das alterações do Perse, em tramitação como o PL nº 1.026/2024, ainda em 27 de março, em demonstração praticamente inequívoca de abandono da MP nº 1.202/2023, sobre esse tema. No último dia 23 de abril, a Câmara dos Deputados aprovou uma Subemenda Substitutiva Global ao PL nº 1.026/2024, reduzindo as atividades alcançadas pelo incentivo fiscal, criando a exigência de habilitação prévia a todos os beneficiados e limitando a desoneração de empresas tributadas pelo lucro real ou lucro arbitrado ao PIS e à COFINS, nos anos de 2025 e 2026. Mas a revogação, pura e simples, do benefício fiscal do Perse, prevista na MP nº 1.202/2023, já estaria completamente fora de cogitação, de acordo com o PL nº 1.026/2024. Consequentemente, os fatos geradores de CSLL, COFINS e PIS, verificados a partir de abril de 2024, com base na MP nº 1.202/2023, conduziriam a pagamentos indevidos, passíveis de restituição ou compensação, conforme, inclusive, expressa previsão no próprio PL nº 1.026/2024 (art. 3º). O projeto de lei segue para votação no Senado Federal. Enquanto aguarda a tramitação, contribuintes já estão sofrendo a exigência de retenções em faturamentos emitidos neste mês (quanto à CSLL, à COFINS e ao PIS), devem programar o recolhimento no seu vencimento, em maio, e ainda podem torcer pela possibilidade de compensação ou restituição dos tributos exigidos, se aprovado o PL nº 1.026/2024. Tudo muito simples, se não fosse por demais complicado.


Outro evento de enorme importância no Direito Tributário brasileiro, ao longo do mês de abril, foi a divulgação do Projeto de Lei Complementar PLP nº 68/2024, no último dia 24. Referido projeto é destinado à regulamentação da Reforma Tributária aprovada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023. Trata da instituição do Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, da Contribuição Social sobre Bens e Serviços – CBS, e do Imposto Seletivo. São tributos que substituirão o atual Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, de competência dos Estados e do Distrito Federal, o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, de competência dos Municípios, a COFINS, o PIS e o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, esses últimos de competência da União Federal. Com a aglutinação de todos esses tributos sobre transações/consumo em dois (IBS, dos Estados e Municípios; CBS, da União Federal), teremos possivelmente a confirmação daquilo que as múltiplas incidências até então mascaravam: a maior tributação sobre o consumo do mundo. As alíquotas somadas do IBS e da CBS estão sendo estimadas em 26,5%, contra uma média mundial de imposto sobre valor agregado (IVA) de 15%, e uma média entre os 28 países membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 19,2%. Sempre se pode apontar a Hungria como uma competidora notável, com seu IVA com alíquota de 27%. No mínimo, porém, o Brasil estará na ponta de cima, em posição pouco desejável.


O PLP nº 68/2024 tem mais de 350 páginas, com 499 artigos, além de 24 anexos. A coletiva técnica do Ministério da Fazenda, para a divulgação do conteúdo do projeto, tomou mais de 8 horas no último dia 25, com audiência obrigatória por todos aqueles que militam na área tributária (https://www.youtube.com/watch?v=fwolw2TDjv0). A tramitação do projeto no Congresso Nacional certamente será acompanhada de perto por praticamente todos os setores da economia, tamanha a repercussão do novo regime tributário no país. Apenas a título exemplificativo, a tributação de operações imobiliárias, se aprovadas as regras propostas pelo Ministério da Fazenda (arts. 234 a 255), será completamente diferente do regramento hoje vigente. Não há nenhuma previsão de manutenção do atual Regime Especial de Tributação para Incorporações Imobiliárias – RET, diferentemente do que constava do projeto de lei que instituía a Contribuição sobre Bens e Serviços, apresentado em 2020 (PL nº 3.887/2020, com comentários em https://www.elaadvogados.com.br/post/a-reforma-tributaria-e-as-operacoes-imobiliarias). A tributação do setor imobiliário, seja na alienação, na locação ou no arrendamento de bens, também seguirá a sistemática da não cumulatividade do IBS e da CBS, com o emprego de um redutor de base de cálculo (“redutor de ajuste”, ou “redutor social”, conforme o caso), como atenuador da ausência de recolhimento do IBS e da CBS, na operação anterior, sobre o próprio imóvel. A alíquota será reduzida em 20%. Admitindo-se uma alíquota básica de 26,5%, a redução em 20% implicaria em uma alíquota final de 21,2%, entre IBS e CBS. Essa última alíquota substituiria a atual incidência de PIS e COFINS sobre alienações, locações ou arrendamentos, correspondente a 3,65%, no lucro presumido, ou a 2,08%, no RET, já que essas operações imobiliárias não estão sujeitas ao ICMS, ao ISSQN ou ao IPI. Dificilmente se evitará um aumento relevante de carga tributária, por maior que seja o efeito atenuador do “redutor de ajuste” ou do “redutor social”, diante de uma elevação em até 1000% da alíquota aplicável. Paralelamente, o projeto de lei complementar prevê a não incidência do IBS e do CBS nas operações imobiliárias em que o proprietário seja pessoa física e não as realize de forma preponderante em suas atividades econômicas. Se aprovado, diversas estruturas societárias envolvendo as chamadas “holdings imobiliárias”, pessoas jurídicas dedicadas exclusivamente à exploração de compra e venda e locação de bens imóveis, possivelmente precisarão ser repensadas.


O IBS e a CBS ainda contam com um período de transição. Começam a ser exigidos apenas em 2026, mas ainda com alíquotas teste (0,9% de CBS, e 0,1% de IBS). A extinção do PIS e da COFINS ocorrerá em 2027, e a extinção gradual do ICMS e do ISSQN será realizada ao longo dos anos de 2029 a 2032. De qualquer forma, a preocupação com o formato das novas regras, agora que foram efetivamente apresentadas, é enorme, para todos os setores econômicos.


Para completar o agitado mês de abril, os contribuintes foram ainda surpreendidos, no dia 25, com a concessão da medida liminar proferida pelo Ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7633, suspendendo o regime de desoneração da folha de pagamento, em vigor desde 2011. A Lei nº 12.546/2011 prevê a possibilidade de diversos segmentos recolherem a contribuição previdenciária patronal não sobre a folha de pagamento, mas sobre a sua receita bruta (Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta - CPRB). Segundo a decisão do Min. Zanin, a Lei nº 14.784, de 27 de dezembro de 2023, que havia aprovado a prorrogação da CPRB até o ano de 2027, não contaria com a demonstração do seu impacto orçamentário e financeiro, o que estaria em desacordo com o art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988. Atualmente, são 17 setores da economia alcançados pelo regime de desoneração, incluindo confecção e vestuários, calçados, construção civil, construção e obras de infraestrutura, call center, comunicação, couro, tecnologia da informação, têxtil, transporte rodoviário, entre outros. Em razão da decisão liminar proferida, todos esses contribuintes deverão, desde já, passar a recolher as contribuições previdenciárias sobre a folha de salários, em uma mudança de rumos realmente inesperada. Cabe lembrar que, por meio da antes mencionada MP nº 1.202, de dezembro de 2023, que revogou o Perse, publicada no dia seguinte à publicação da Lei nº 14.784/2023, o Governo Federal pretendeu também encerrar o regime de desoneração da folha, ainda que de forma gradativa, ao longo dos anos de 2024 a 2027. Essas regras da MP nº 1.202/2023 foram, porém, revogadas por nova medida provisória, publicada em 28.02.2024 (MP nº 1.208/2024), quando foi apresentado pelo Planalto um projeto de lei para tratar do mesmo tema (PL nº 493/2024, da Presidência da República, de 28.02.2024). Esse projeto de lei segue em tramitação na Câmara dos Deputados, mas, aparentemente, está superado pela decisão do Min. Zanin. A decisão foi referendada, no plenário virtual do STF, por outros quatro ministros (Flávio Dino, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin). O julgamento foi suspenso, pelo pedido de vista do Min. Luiz Fux, ainda no dia 26.04.2024. O Senado Federal já interpôs recurso contra a decisão, insistindo que não houve qualquer violação à exigência constitucional de demonstração do impacto orçamentário e financeiro da medida, por se tratar, inclusive, de medida inaplicável à mera prorrogação de benefícios fiscais já em vigor, conforme precedentes do próprio STF (ADI 6.632, relator Min. Ricardo Lewandowski, que tratava, justamente, da prorrogação de desoneração da folha de pagamento). Não há prazo para o exame do recurso.


Os três temas apontados (revogação do Perse, regulamentação da Reforma Tributária do IBS e da CBS, fim da desoneração da folha de pagamento, por medida liminar do STF) são simbólicos do grau de complexidade e da constante inovação do Direito Tributário no Brasil. De tédio, nessa área, não haveremos de perecer.

 

Edmundo Cavalcanti Eichenberg

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