top of page
Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados - Especialista em Direito Imobiliário

NOTÍCIAS

  • Foto do escritorEichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados

Os mecanismos processuais que anulam a comodidade do devedor na ação de execução

É de conhecimento geral o grande volume de demandas judiciais tramitando junto ao Poder Judiciário brasileiro. Segundo o relatório “Justiça em Números”, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, ao final do ano de 2022 ainda tramitavam na Justiça cerca de 63 milhões de demandas, correspondendo a três por habitante.


Apesar de parecer assustador, o número não causa estranheza ao operador do Direito que não raramente se depara com demandas tramitando há mais uma década. Logo, é de se questionar se a morosidade processual poderia justificar referido volume de demandas, afinal além daquelas controvérsias em trâmite também temos o ajuizamento diário de novas demandas.


Nesse contexto é que se torna necessário enfatizar a importância daqueles dispositivos legais que promovem efetividade ao feito executivo, seja na execução de título extrajudicial originária, seja no cumprimento de sentença. Ainda assim, em diversas ocasiões é possível verificar a comodidade do devedor que figura no polo passivo dessas demandas, porquanto se esquivam reiteradamente da citação e da intimação buscando maneiras de postergar o seu regular prosseguimento.


É neste cenário de comodidade do executado que se vislumbram diversos dispositivos e diligências legais capazes de pressionar o devedor ao comparecimento em juízo e/ou à composição espontânea do débito, quando não levam a própria satisfação integral. Dentre os dispositivos legais em questão temos a previsão legal contida no art. 828 do CPC, que permite ao exequente a averbação da notícia de existência da ação de execução junto às matrículas de imóveis de titularidade do executado.


Aliás, essa medida pode ser realizada de maneira 100% extrajudicial e independente naqueles processos que tramitam eletronicamente, sem que haja a formalização de requerimento ao juízo. O imóvel pode ser localizado por meio de busca junto ao site nacional de registradores[1], a certidão narratória – naqueles processos em trâmite junto ao sistema judicial e-proc – pode ser emitida diretamente da página inicial do processo distribuído (inclusive imediatamente após o ajuizamento) e a sua averbação junto à matrícula formalizada também por meio do Sistema SAEC[2].


A medida, no entanto, depende do pagamento dos respectivos emolumentos junto ao Registro de Imóveis, razão pela qual merece uma análise especifica caso a caso e de acordo com o cenário credor-devedor. Em verdade, a averbação em questão nada mais é do que uma decisão estratégica.


Ocorre que nem sempre o devedor possui imóveis. Apesar disso, outras medidas então podem ser adotadas com a mesma finalidade: anular a posição de comodidade do devedor e atribuir eficácia ao feito.


Nesse sentido, ao contrário do que acontece na fase de conhecimento do processo judicial, em que há instrução e discussão entre as partes envolvidas acerca da controvérsia, a fase executiva é fundada em documento e direito presumidamente sólidos, consubstanciada na sentença ou no título executivo.


Por esta razão é que nesta fase do trâmite processual não se faz necessária longa jornada em busca da localização do executado/devedor para que se iniciem os atos expropriatórios, que independem, inclusive, da concretização da citação e/ou da intimação. Então quer dizer que o exequente pode, por exemplo, realizar um bloqueio junto às contas de titularidade do executado sem que ele tenha sido intimado para cumprimento espontâneo? Sim!


Não se trata de regra geral, a citação e a intimação pessoal visam garantir o direito do devedor. No entanto, a fim de promover a efetividade quele direito sólido e coibir até mesmo a ocultação do executado, o CPC trás duas possibilidades em que a expropriação pode ser iniciada antes da angularização da lide.


Veja-se que na Ação de Execução a previsão normativa está insculpida no art. 830 do CPC:


Art. 830. Se o oficial de justiça não encontrar o executado, arrestar-lhe-á tantos bens quantos bastem para garantir a execução.

§ 1º Nos 10 (dez) dias seguintes à efetivação do arresto, o oficial de justiça procurará o executado 2 (duas) vezes em dias distintos e, havendo suspeita de ocultação, realizará a citação com hora certa, certificando pormenorizadamente o ocorrido.

§ 2º Incumbe ao exequente requerer a citação por edital, uma vez frustradas a pessoal e a com hora certa.

§ 3º Aperfeiçoada a citação e transcorrido o prazo de pagamento, o arresto converter-se-á em penhora, independentemente de termo.


Assim, basta a tentativa infrutífera de citação do executado para que se realize a penhora de bens, incluindo o bloqueio de valores. No entanto, é de extrema importância esclarecer que esse arresto executivo é realizado de forma acautelatória, no objetivo de garantir o direito do exequente, e motivar o executado, que ante a constrição de valores junto às suas contas bancárias, compareça no processo, suprindo o ato citatório pendente.


Outrossim, imperioso frisar que a aplicação do dispositivo não é tão simples, sendo que constantemente o pleito é indeferido sob o fundamento de necessidade de esgotamento das diligências no objetivo de encontrar o devedor. Todavia, este argumento restou superado pelo Superior Tribunal de Justiça, que firmou entendimento no sentido de que basta a realização de diligências suficientes à tentativa de localização de executado para que haja o deferimento da medida:


PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. DECISÃO QUE DEFERIU ARRESTO ONLINE EM CONTA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. ARRESTO EXECUTIVO ELETRÔNICO. TENTATIVA DE LOCALIZAÇÃO DO EXECUTADO FRUSTRADA. ADMISSIBILIDADE. EXAURIMENTO DAS TENTATIVAS DE CITAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

1. Execução de título extrajudicial fundada em cédula de crédito bancário, no bojo da qual foi proferida decisão deferindo arresto online em conta.

2. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial.

3. Frustrada a tentativa de localização do devedor para citação, é possível o arresto de seus bens na modalidade on-line, com base na aplicação analógica do art. 854 do CPC/15, sendo prescindível que haja o exaurimento das tentativas. Precedentes.

4. Agravo interno no agravo em recurso especial não provido.

(AgInt no AREsp n. 1.956.886/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/5/2022, DJe de 4/5/2022.) (grifei)


No cumprimento de sentença, por sua vez, a realização de penhora online sem a intimação pessoal do devedor tem por base legal a previsão contida no art. 274, parágrafo único do CPC:


Art. 274. Não dispondo a lei de outro modo, as intimações serão feitas às partes, aos seus representantes legais, aos advogados e aos demais sujeitos do processo pelo correio ou, se presentes em cartório, diretamente pelo escrivão ou chefe de secretaria.


Parágrafo único. Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao juízo, fluindo os prazos a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço.


Dessa forma, a carta de intimação remetida ao endereço em que citado o executado, se negativa pelo motivo “mudou-se”, é suficiente para que se considere intimado o devedor e, consequentemente, se iniciem os atos expropriatórios. A tentativa de intimação por meio de Oficial de Justiça, naquele endereço em que citado o réu, e infrutífera também pela mudança de endereço certificada, igualmente se enquadra na hipótese do art. 274, parágrafo único, do CPC.


Ainda, cumpre salientar que o dispositivo também vale para o autor, executado na fase de cumprimento de sentença, que mudou de endereço, mas não informou ao juízo! Aliás, é de se destacar que, ao contrário do arresto executivo antes mencionado, o bloqueio de valores baseado no art. 274, parágrafo único, do CPC, não tem natureza acautelatória, podendo ser convertido em penhora na persistente inércia do devedor e, também, liberado em favor do credor com base na mesma normativa.


Nesse sentido é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:


AGRAVO DE INSTRUMENTO. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALIMENTOS. LEVANTAMENTO DOS VALORES PENHORADOS VIA SISBAJUD. CABIMENTO, NO CASO. 1. CASO EM QUE A EXECUTADA NÃO CONSTITUIU ADVOGADO, DEVENDO SUA INTIMAÇÃO ACERCA DA PENHORA OCORRER PESSOALMENTE (ART. 841, § 2º, DO CPC). 2. CONTUDO, A INTIMAÇÃO PESSOAL DA EXECUTADA ACERCA DA PENHORA, NÃO OBSTANTE A DILIGÊNCIA REALIZADA POR OFICIAL DE JUSTIÇA, NÃO SE EFETIVOU JUSTAMENTE DEVIDO A SUA PRÓPRIA DESÍDIA, JÁ QUE NÃO MANTEVE NOS AUTOS SEU ENDEREÇO ATUALIZADO, O QUE ERA DE RIGOR, A TEOR DO DISPOSTO NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 274 DO CPC. 3. CONSIDERANDO A PREVISÃO DO § 4º DO ART. 841 DO CPC, DE QUE SE CONSIDERA REALIZADA A INTIMAÇÃO PESSOAL A QUE SE REFERE O § 2º DO MESMO DISPOSITIVO QUANDO O EXECUTADO HOUVER MUDADO DE ENDEREÇO SEM PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO JUÍZO, É VIÁVEL O ACOLHIMENTO DO PEDIDO DO EXEQUENTE DE LEVANTAMENTO DOS VALORES BLOQUEADOS VIA SISTEMA SISBAJUD. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 51186925720238217000, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em: 06-07-2023)


Além disso, outras medidas podem ser requeridas ao juízo no objetivo de impedir o executado de se desfazer de seus bens, tais como a utilização do sistema CNIB[3], em que se permite a localização nacional de imóveis do devedor e a inclusão de anotação da sua indisponibilidade. A mesma restrição é inclusa junto ao prontuário de veículos por meio do sistema Renajud, também dependendo de requerimento ao juiz.


Por fim, tem-se ainda o aprimoramento constante da criação de sistemas de pesquisa patrimonial que tem por objetivo a identificação de eventuais fraudes, tais como a sucessão empresarial irregular/familiar e a existência de grupo econômico de fato. Por essa acepção tem-se o sistema SNIPER[4], iniciativa do CNJ, que permite a localização de relacionamentos financeiros do executado e de patrimônio móvel (embarcações e aeronaves por exemplo).


Desta forma, o que se observa é que, na condição de exequente/credor, a estratégia adotada e a adequada utilização das ferramentas e especificidades do rito executivo são capazes de retirar o devedor da condição de comodidade ante o inadimplemento, fazendo assim, jus à efetividade garantida ao procedimento e minimizando custas e despesas na longa jornada pela localização do devedor e pela satisfação do débito.

 

Franciele Guimarães




[2] Serviço de Atendimento Eletrônico Compartilhado do site registradores.


[3] Central Nacional de Indisponibilidade de Bens.


Posts recentes

Ver tudo
bottom of page