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Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados - Especialista em Direito Imobiliário

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Inaplicabilidade do Tema 677/STJ às Execuções Fiscais

O julgamento do Tema 677 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) há tempos se tornou o que popularmente chamamos de “novela” e recentemente veio à tona mais um capítulo – mas o fim ainda está distante, ao menos para as ações de natureza fiscal. Veja-se:

 

A questão fática então colocada à análise tratava de decidir – no âmbito de cumprimento de sentença apresentado nos autos de uma ação indenizatória ajuizada em função da denúncia de um contrato de concessão comercial de revenda de veículos – se o depósito judicial integral do valor da condenação isentaria o devedor dos encargos moratórios previstos no título executivo (nesse caso, judicial), porquanto substituídos pela remuneração paga pela instituição financeira depositária.

 

Resumidamente, em maio de 2014 fixou-se a seguinte tese, interpretada por todos como favorável aos devedores:

 

“Na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada.”

 

Não obstante a decisão ter sido tomada em sede de recursos repetitivos, passou-se a questionar sua aplicabilidade indiscriminada, diferenciando-se os depósitos realizados para fins de pagamento e extinção da dívida (aos quais seria aplicável a tese) dos depósitos em mera garantia para impugnação do cumprimento de sentença.

 

Com isso, em 2020 foi suscitada uma Questão de Ordem no próprio STJ, vindo a ser julgada em outubro de 2022 com a fixação de nova tese, mais tendente aos credores:

 

“Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.”

 

Para todos os intérpretes restou clara a alteração de posicionamento do STJ, razão pela qual foram opostos embargos de declaração requerendo-se a modulação dos efeitos da referida decisão, para não atingir valores de depósitos realizados ou levantados no passado. Não obstante, os embargos foram julgados e rejeitados em sessão de julgamento realizada em abril de 2024, entendendo o STJ que havia simplesmente esclarecido, sem alterar, seu posicionamento anterior.

 

Vale lembrar que ainda há Recurso Extraordinário pendente de julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, de forma que não há se falar em trânsito em julgado.

 

Pois bem. Desenhado o cenário fático e jurisprudencial acima, voltemos nossa atenção à sua inaplicabilidade na esfera fiscal, verdadeiro objetivo deste artigo.

 

Ora, as decisões acima foram adotadas no âmbito de discussões de natureza cível, para solução de conflitos entre particulares, conflitos esses regidos por disposições contratuais específicas ou, genericamente, pelo Código Civil brasileiro. Além disso, sequer há que se falar em definitividade, pendente de julgamento Recurso Extraordinário.

 

Não obstante, desde a publicação em 16/12/2022 da tese revisitada, o referido posicionamento vem sendo aplicado indiscriminadamente por juízes e tribunais não apenas às causas de natureza cível, mas também – e equivocadamente – às ações de natureza fiscal-tributária, para negar aos depósitos judiciais realizados em garantia de créditos tributários a amplitude de efeitos que lhes é inerente, não por qualquer previsão contratual ou do Código Civil, mas sim por expressa disposição do Código Tributário Nacional (CTN) e da Lei de Execuções Fiscais (LEF – Lei nº 6.380/1980).

 

Com efeito, o CTN assim dispõe:

 

Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (...)

II - o depósito do seu montante integral; (...)

 

Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido.

Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição.

 

Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.

 

Não fosse suficiente, a Lei de Execuções Fiscais – lei especial, à qual se aplica apenas subsidiariamente a legislação geral – expressamente prevê que o depósito faz cessar a responsabilidade do devedor pelos consectários da mora:

 

Art. 9º. (...)

§ 4º - Somente o depósito em dinheiro, na forma do artigo 32, faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora.

 

Art. 32 - Os depósitos judiciais em dinheiro serão obrigatoriamente feitos:

I - na Caixa Econômica Federal, de acordo com o Decreto-lei nº 1.737, de 20 de dezembro de 1979, quando relacionados com a execução fiscal proposta pela União ou suas autarquias;

II - na Caixa Econômica ou no banco oficial da unidade federativa ou, à sua falta, na Caixa Econômica Federal, quando relacionados com execução fiscal proposta pelo Estado, Distrito Federal, Municípios e suas autarquias.

§ 1º - Os depósitos de que trata este artigo estão sujeitos à atualização monetária, segundo os índices estabelecidos para os débitos tributários federais.

§ 2º - Após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública[1], mediante ordem do Juízo competente.

 

As previsões legais material (CTN) e processual (LEF) relacionadas à cobrança do crédito tributário são de natureza específica, jamais podendo ser afastadas para atrair a aplicação de legislação genérica. E isso se dá em homenagem à segurança dos contribuintes, mas especialmente da Fazenda Pública, respeitando o princípio da indisponibilidade do interesse público, de forma que não há como defender sua flexibilização, em especial por força de uma jurisprudência construída sobre base de caráter eminentemente privado.

 

Além disso, mesmo que se aventasse a questão da disponibilização dos valores ao credor na tentativa de atrair a aplicação daquela tese às ações de natureza fiscal, é de se atentar para a previsão encontrada na Lei nº 9.703/1998, posteriormente complementada pela Lei Complementar nº 151/2015, por meio das quais passaram Tesouros Nacional, Estaduais, Distrital e Municipais a imediatamente dispor (integral ou parcialmente) dos recursos de depósitos judiciais e extrajudiciais, ainda que passíveis de futura devolução:

 

Lei nº 9.703/1998

Art. 1o Os depósitos judiciais e extrajudiciais, em dinheiro, de valores referentes a tributos e contribuições federais, inclusive seus acessórios, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, serão efetuados na Caixa Econômica Federal, mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais - DARF, específico para essa finalidade.

§ 1o O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, aos débitos provenientes de tributos e contribuições inscritos em Dívida Ativa da União.

§ 2o Os depósitos serão repassados pela Caixa Econômica Federal para a Conta Única do Tesouro Nacional, independentemente de qualquer formalidade, no mesmo prazo fixado para recolhimento dos tributos e das contribuições federais.

§ 3o Mediante ordem da autoridade judicial ou, no caso de depósito extrajudicial, da autoridade administrativa competente, o valor do depósito, após o encerramento da lide ou do processo litigioso, será:

I - devolvido ao depositante pela Caixa Econômica Federal, no prazo máximo de vinte e quatro horas, quando a sentença lhe for favorável ou na proporção em que o for, acrescido de juros, na forma estabelecida pelo § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e alterações posteriores; ou

II - transformado em pagamento definitivo, proporcionalmente à exigência do correspondente tributo ou contribuição, inclusive seus acessórios, quando se tratar de sentença ou decisão favorável à Fazenda Nacional.

§ 4o Os valores devolvidos pela Caixa Econômica Federal serão debitados à Conta Única do Tesouro Nacional, em subconta de restituição.

§ 5o A Caixa Econômica Federal manterá controle dos valores depositados ou devolvidos.

Art. 2o Observada a legislação própria, o disposto nesta Lei aplica-se aos depósitos judiciais e extrajudiciais referentes às contribuições administradas pelo Instituto Nacional do Seguro Social.

 

Lei Complementar nº 151/2015

Art. 2o Os depósitos judiciais e administrativos em dinheiro referentes a processos judiciais ou administrativos, tributários ou não tributários, nos quais o Estado, o Distrito Federal ou os Municípios sejam parte, deverão ser efetuados em instituição financeira oficial federal, estadual ou distrital.

Art. 3o A instituição financeira oficial transferirá para a conta única do Tesouro do Estado, do Distrito Federal ou do Município 70% (setenta por cento) do valor atualizado dos depósitos referentes aos processos judiciais e administrativos de que trata o art. 2o, bem como os respectivos acessórios. (...)

 

Art. 8o Encerrado o processo litigioso com ganho de causa para o depositante, mediante ordem judicial ou administrativa, o valor do depósito efetuado nos termos desta Lei Complementar acrescido da remuneração que lhe foi originalmente atribuída será colocado à disposição do depositante pela instituição financeira responsável, no prazo de 3 (três) dias úteis (...)

 

Art. 10. Encerrado o processo litigioso com ganho de causa para o ente federado, ser-lhe-á transferida a parcela do depósito mantida na instituição financeira nos termos do § 3o do art. 3o acrescida da remuneração que lhe foi originalmente atribuída. 

 

E vale destacar que em todos os casos há expressa disposição a respeito da forma de remuneração dos depósitos pela instituição depositária, bem como orientação específica de levantamento pelo contribuinte e/ou conversão em renda da Fazenda Pública dos depósitos realizados acrescidos dessa remuneração.

 

Como se verifica, nada há no ordenamento tributário pátrio que permita a atração da Tese 677 às causas de natureza fiscal-tributária, cujo regramento é específico e restritivo – muito pelo contrário, há diversas e expressas disposições regulando a forma de atualização dos depósitos pelas instituições depositantes, de forma a garantir sua plena suficiência para fazer frente à atualização dos créditos tributários que tais depósitos pretendem garantir. E em última instância, obrigar o contribuinte à nova complementação se e quando da conversão em renda dos depósitos seria ato atentatório ao princípio da capacidade contributiva, em claro enriquecimento ilícito do ente tributante.

 

E se assim é, em homenagem à necessária busca por estabilidade, congruência e coerência da jurisprudência, sem, porém, se desatentar da necessária integridade e segurança do sistema jurídico[2], tornam-se descabidas as recentes decisões de juízes e tribunais na tentativa de aplicar referida tese às discussões fiscais – do que certamente decorrerá nova enxurrada de questionamentos e litígios, em mais um capítulo dessa novela, que não parece ter fim.


Paula Beatriz Loureiro Pires

 

[1] Extinguindo-se assim o crédito tributário, conforme previsão do artigo 156, VI, do CTN: “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (...) VI - a conversão de depósito em renda; (...)”.


[2] Enunciado 455. Uma das dimensões do dever de coerência significa o dever de não-contradição, ou seja, o dever de os tribunais não decidirem casos análogos contrariamente às decisões anteriores, salvo distinção ou superação.

Enunciado 456. Uma das dimensões do dever de integridade consiste em os tribunais decidirem em conformidade com a unidade do ordenamento jurídico.

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