Atualmente, com o advento e consolidação das novas plataformas online de aluguel de imóveis, a relação da locação por temporada ganhou contornos de maior praticidade, segurança, velocidade, flexibilidade, além de uma maior quantidade de opções centralizadas na mesma plataforma.
Com esse rompimento da forma tradicional de locar imóveis por curtos períodos, novas e complexas questões jurídicas surgem com frequência, as quais demandam respostas e soluções ágeis e inovadoras por parte dos operadores do direito. Nesse panorama, um dos principais questionamentos levantados diz respeito à responsabilização civil das intermediadoras na ocorrência de problemas relacionados à locação.
A responsabilidade civil advém da ideia de restabelecimento do equilíbrio de uma relação, na qual tenha ocorrido dano (ilicitamente) causado a alguém. No caso de aluguéis, os locatários estão expostos a diversos problemas que decorrem de atitudes do locador, a exemplo do cancelamento repentino no dia da reserva, vícios ou diferenças no imóvel em relação ao que havia sido anunciado ou até mesmo dificuldades de comunicação com o responsável.
Os exemplos acima listados decorrem, sem dúvidas, de dolo ou culpa do locador e ensejariam a aplicação da responsabilidade civil subjetiva, tendo em vista que somente ele teria concorrido diretamente para a ocorrência do ilícito. Mas será esse o entendimento atual dos Tribunais brasileiros?
Para buscar essa resposta, é necessário compreender como o ordenamento jurídico brasileiro está interpretando o contrato de locação por meio de plataformas digitais. Atualmente, tanto a Lei de Locações, quanto o Código de Defesa do Consumidor (CDC), mostram-se insuficientes para enquadrar de forma adequada a relação entre locatário, locador e plataforma digital, pois ambos os diplomas não versam especificamente a respeito da locação de imóveis em curtos períodos por meio da utilização de dispositivos eletrônicos, ficando a cargo da doutrina e da jurisprudência o desenvolvimento de soluções para o caso.
Embora, até o momento, não exista unificação de jurisprudência por parte das cortes superiores acerca da responsabilização civil no caso de imóvel locado por meio de plataforma digital intermediadora, os Tribunais de Justiça dos Estados vêm apresentando entendimento no sentido da aplicação do CDC, em detrimento da Lei de Locações, para resolver as lides que lhes são apresentadas.
A resolução dos casos pelo viés do CDC acarreta o alargamento da responsabilidade, diante da responsabilização solidária entre a plataforma e o locador que a utiliza para anunciar o seu bem, afastando a alegação de ilegitimidade passiva do intermediador. Diversos julgados entendem pelo enquadramento das plataformas como prestadoras de serviço, por meio do artigo 3º do CDC[1], entendendo que elas integrariam a cadeia de consumo, enquadrando o locatário como consumidor com base no artigo 17 do mesmo diploma[2] e aplicando a responsabilidade solidária prevista no parágrafo único do artigo 7º do Código[3].
Não são raros os julgados nos quais a plataforma não tenha participado diretamente do nexo causal que originou o ato ilícito ao usuário-locatário, porém foi responsabilizada pelos danos por ele enfrentados, afastando-se o entendimento de que seria fato exclusivo de terceiro (usuário-locador) e entendendo por caracterizar falha na prestação de serviços por parte da intermediadora, aplicando-se a responsabilidade civil objetiva aos casos, a qual independente da ocorrência de dolo ou culpa.
Tome-se, por exemplo, o julgado de número 50011498720218210150[4], advindo da 1ª Turma Recursal Cível do TJ-RS, datado de maio de 2023. Nele, o locador cancelou a locação no dia da reserva, de forma que os autores precisaram pagar, de forma emergencial, a diária de um hotel na cidade de Bento Gonçalves. No caso, a intermediadora, mesmo já tendo ressarcido extrajudicialmente o valor originalmente pago pela locação feita em sua plataforma, foi obrigada a pagar a diferença despendida pelo autor em relação ao valor da diária do hotel onde se hospedou e o valor originalmente previsto para a locação cancelada.
O voto foi claro no sentido da responsabilidade objetiva da intermediadora: “Ora, configurada a falha na prestação do serviço, impõe-se a responsabilidade solidária e objetiva entre os prestadores do serviço, nos termos do artigo 14 do CDC, prescindindo da comprovação de culpa da plataforma recorrente”.
Destaca-se, nesse caso, que, em primeiro grau, o juiz havia arbitrado a quantia de R$ 5.000,00 em indenização de danos morais, a qual foi afastada em segundo grau, restando devido somente o valor relativo ao dano material. Contudo, existem julgados nos quais a condenação por danos morais foi mantida, a exemplo do número 51054958520208210001[5], da Quinta Câmara Cível do TJ-RS, datado de novembro de 2022, que apresentou contexto fático bastante semelhante ao anteriormente narrado, porém houve a manutenção do valor de R$ 5.000,00 como ressarcimento ao dano extrapatrimonial sofrido.
Esse movimento do judiciário brasileiro reforça a necessidade de que as plataformas intermediadoras estejam cada vez mais atentas à qualificação dos usuários-locadores e os respectivos imóveis que admitem em seus ambientes digitais, por meio da realização de uma análise prévia detalhada. Por fim, considerando o alto volume de ações ajuizadas recentemente, em todo o território nacional, destaca-se também a importância de que haja um contingenciamento dos gastos para cobrir as demandas judiciais e eventuais responsabilizações que venham a ocorrer, principalmente no caso de consolidação da tendência atualmente verificada.
Ainda, acreditamos que mecanismos contratuais devam estar atualizados de forma sincronizada com esse movimento jurisprudencial, para que a atividade empresarial das plataformas não seja impactada de forma a prejudicar, ao final, este novo mercado, que inegavelmente traz benefícios aos seus usuários, tanto aos locadores quanto aos locatários.
O ELA Advogado está à disposição para enfrentamento de questões como essas, visando a preservar os interesses dos envolvidos e buscar tanto uma adequada relação contratual, quanto uma prestação jurisdicional apropriada.
Johann Kraetzig
[1] Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
[2] Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
[3] Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.
[4] RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. LOCAÇÃO PELO SITE AIRBNB. LEGITIMIDADE ATIVA VERIFICADA. AUTOR QUE SERIA HÓSPEDE JUNTAMENTE COM A FILHA USUÁRIA DA PLATAFORMA. CONSUMIDOR EQUIPARADO. ARTIGO 17 DO CDC. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO SITE INTERMEDIADOR DAS LOCAÇÕES. LOCADOR QUE NÃO ATENDE ÀS MENSAGENS DOS LOCATÁRIOS. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO IMÓVEL. ESTORNO REALIZADO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO VERIFICADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ARTIGO 14 DO CDC. DESPESAS COM NOVA LOCAÇÃO EM VALOR SUPERIOR, EM RAZÃO DA CONTRATAÇÃO NO CURSO DO FERIADO DE CORPUS CHRISTI. REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS DEVIDA. REDUÇÃO DO RESSARCIMENTO À DIFERENÇA ENTRE A LOCAÇÃO CONTRATADA E A NOVA ESTADIA DE VALOR SUPERIOR, ABATENDO O ESTORNO ADMINISTRATIVO, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO INDEVIDO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AFASTADA. MERO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE REFLEXOS NO PASSEIO OU COMPROVAÇÃO DE TRANSTORNO EXCESSIVO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.(Recurso Inominado, Nº 50011498720218210150, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Mara Lúcia Coccaro Martins Facchini, Julgado em: 16-05-2023)
[5] APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PRELIMINARES RECURSAIS REJEITADAS. LOCAÇÃO DE IMÓVEL VIA PLATAFORMA VIRTUAL (AIRBNB). CANCELAMENTO IMOTIVADO DA RESERVA PELO ANFITRIÃO NO DIA DO CHECK-IN. DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. 1. Prefacial de nulidade da sentença por fundamentação genérica não deve ser acolhida, eis que cumpridos os requisitos do art. 489 do CPC. 2. Rejeitada a arguição de ilegitimidade ativa de um dos autores, uma vez que, em que pese não seja o titular do perfil junto á plataforma da demandada, ambos os demandantes iriam usufruir do imóvel locado, que, inadvertidamente, foi cancelado no dia do check-in. E, de acordo com o que estabelece o artigo 17 da norma consumerista, todas as vítimas pela falha na prestação de serviço equiparam-se aos consumidores, sendo, portanto, legítimas para buscar eventual indenização. 3. Afastada a a preliminar de ilegitimidade passiva, tendo em vista que, a despeito da reserva do imóvel ser feita diretamente com o proprietário, a aludida reserva ocorre através da plataforma digital da demandada, a qual, inclusive, cobra taxa pelo serviço prestado. Assim, a ré assumiu responsabilidade em conjunto pelos serviços prestados aos seus consumidores (por conta do termo de serviço celebrado com o "anfitrião"), devendo, pois, zelar pela adequação desse serviço. 4. No mérito, tem-se que se trata de pretensão indenizatória por danos morais em decorrência de alegado cancelamento de reserva de acomodação no dia do check-in. 5. A despeito do esforço argumentativo da parte demandada, bem como observando-se que, de fato, há previsão nos "Termos de Serviço" da possibilidade de cancelamento de reserva por parte do anfitrião, no caso concreto, entendo que resta configurado o dever de indenizar por danos extrapatrimoniais, especialmente porque a notícia do cancelamento na data do check-in evidencia falha na prestação de serviços que extrapola o mero dissabor e a esfera do dano material. 6. É o caso de manter-se o valor do dano extrapatrimonial, haja vista que a quantia estabelecida pelo Juízo de Origem atendeu de modo integral às balizadoras utilizadas na mensuração desse tipo de indenização, quais sejam, a capacidade econômica das partes e o dúplice caráter da medida (compensatório e pedagógico), bem como observou o o entendimento jurisprudencial desta e. Corte de Justiça em casos análogos. 7. De acordo com o art. 85, §11, do CPC, restam majorados os honorários advocatícios arbitrados em favor dos procuradores da parte autora. PRELIMINARES RECURSAIS REJEITADAS E, NO MÉRITO, APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação / Remessa Necessária, Nº 51054958520208210001, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lusmary Fatima Turelly da Silva, Julgado em: 30-11-2022)