STJ confirma que a prescrição intercorrente é aplicável a infrações aduaneiras
- Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados
- 30 de mai.
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A materialização da prescrição – perda do direito de ação – tem sido um tema amplamente debatido nos tribunais administrativos e judiciais nos últimos anos, particularmente no contexto do artigo 1º, §1º, da Lei 9.873/99.
Essa normativa define uma regra de prescrição intercorrente, impondo a perda do direito de ação da Administração Pública quando o processo administrativo permanecer parado - isto é, à espera de decisão ou despacho – por mais de três anos.
Em se tratando de direito tributário, a celeuma sobre a prescrição intercorrente adquire especificidades, uma vez que a prescrição é um dos métodos de extinção do crédito tributário, conforme estabelecido no artigo 156, inciso V, do Código Tributário Nacional (CTN).
Ao longo dos anos, o Carf emitiu várias decisões, afirmando que a prescrição intercorrente do parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 9.873/99 não se aplicaria aos processos administrativos de cobrança de crédito tributário, mesmo que não haja movimentação por um período superior a três anos.
Esta posição está consolidada na Súmula Carf 11, aprovada pelo Pleno em 2006, que afirma pela inaplicabilidade do instituto da prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal regido pelo Decreto 70.235/72.
O racional do enunciado é que, como a prescrição tributária é um assunto reservado à lei complementar (conforme o artigo 146, III, b, da Constituição Federal), a norma da Lei 9.873/99, lei ordinária que é, não se aplicaria ao regime tributário. O fato de ser um posicionamento sumulado – obrigatório para todos os integrantes dos colegiados da entidade – possibilitou que vários casos fossem analisados sem maiores discussões.
Já em matéria aduaneira, a aplicabilidade da Súmula Carf 11 foi bastante contestada. O argumento é que a exigência do CTN para que a prescrição seja regulamentada por lei complementar não atinge matéria aduaneira, que obedece a regime jurídico próprio, apesar de seguir as mesmas regras de cobrança do Decreto 70.235/72.
Além disso, a origem da Súmula 11 está diretamente relacionada a casos tributários, na medida em que os precedentes do antigo Conselho de Contribuintes que levaram ao enunciado abarcam exclusivamente créditos dessa natureza, ao que não se verificaria obrigatoriedade de aplicação para outros temas.
De fato, recentemente, no dia 12 de março, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou os recursos especiais 2.147.578/SP e 2.147.583/SP, sob a sistemática de recursos repetitivos (Tema 1.293), concedendo provimento ao recurso especial do contribuinte para declarar a ocorrência de prescrição intercorrente quando o processo administrativo de penalidade aduaneira permanecer parado por mais de três anos. A regra de prescrição estabelecida no artigo 1o, parágrafo 1o, da Lei 9.873/99 foi utilizada como referência.
No entendimento do relator, o ministro Paulo Sérgio Domingues, é a “natureza jurídica da norma de conduta violada, portanto, o critério legal que deve ser observado para dizer se tal ou qual infração à lei deve ou não obediência aos ditames da Lei 9.873/99, e não o procedimento que tenha sido escolhido pelo legislador para se promover a apuração ou constituição definitiva do crédito correspondente à sanção pela infração praticada”.
O voto do ministro destaca que a implementação da Lei 9.873/99 será determinada pela natureza da infração, independentemente do método de cobrança. Assim, o crédito resultante da infração à legislação aduaneira tem natureza administrativa, e não tributária, quando a norma infringida tem como principal objetivo o controle do trânsito internacional de mercadorias ou a regularidade do serviço aduaneiro, mesmo que esteja sendo cobrado conforme as diretrizes do Decreto 70.235/72.
A Primeira Seção do STJ concluiu que as multas estabelecidas por infração à legislação aduaneira têm natureza jurídica administrativo-aduaneira (não tributária). Dessa forma, deve ser submetida à prescrição intercorrente prevista no artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 9.873/99.
O julgamento em questão é relevante porque consolida a jurisprudência de que a prescrição intercorrente pode ser aplicada aos procedimentos regidos pelo Decreto 70.235/72, desde que o litígio trate de matéria não tributária. E por disposição expressa do artigo 99 do Regimento Interno do Carf (Ricarf), a partir do trânsito em julgado, é decisão também vinculante ao Carf.
Vale destacar que, em sessão de julgamento realizada em 15 de abril, a 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), por unanimidade de votos, suspendeu o julgamento de processo administrativo até o trânsito em julgado do Tema 1.293 do STJ, como dispõe o artigo 100, parágrafo único do RICarf.
O caso em questão tratava de aplicação de multa aduaneira devido à conclusão de um despacho de exportação posterior à saída dos bens para o exterior – matéria que tem natureza aduaneira. Entretanto, com a pendência de julgamentos dos embargos de declaração da Fazenda Nacional contra a decisão relativa ao Tema 1.293 do STJ, a CSRF decidiu aguardar que esses julgamentos fossem encerrados para se posicionar.
Ressalta-se também que a 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção do Carf, em sessão realizada em 17 de março, proferiu decisão no mesmo sentido em caso que discute a aplicação de penalidade por suposta interposição fraudulenta em operações de importação (processo administrativo 10907.721161/2013-11). Esse foi o primeiro caso julgado após a decisão proferida pelo STJ no Tema 1.293.
O relator, conselheiro Mateus Soares de Oliveira, enfatizou que identificou duas paralisações no decorrer do caso: entre a apresentação da impugnação pelo contribuinte em 2013 e uma petição protocolada pelo contribuinte em 2018, além de uma paralisação adicional entre 2021 e 2025, até que o processo fosse distribuído no Carf.
Nesse sentido, o Carf tem entendido pela aplicação da suspensão temporária dos julgamentos de casos relacionados ao Tema 1.293 do STJ, com base na aplicação do artigo 100 do RICarf mencionado acima.
Entretanto, o parágrafo único desse dispositivo é expresso ao estabelecer que o sobrestamento mencionado “não se aplica na hipótese em que o julgamento do recurso puder ser concluído independentemente de manifestação quanto ao tema afetado”.
Nesse passo, cabe destacar que os embargos de declaração da Fazenda Nacional apresentados contra a decisão relativa ao Tema 1.293 do STJ apontam uma suposta omissão do acórdão em relação ao marco inicial da prescrição intercorrente (após o término do prazo de 360 dias estabelecido no artigo 24 da Lei 11.457/07). Em termos práticos, isso significa dizer que, se acolhido, o prazo da prescrição intercorrente seria de quatro anos, e não somente de três (360 dias + três anos).
Nesse cenário, a depender do caso e em observância expressa do parágrafo único do artigo 100 do RICarf, entendemos ser possível contestar o sobrestamento dos casos pelo Carf quando a decisão proferida no Tema 1.293 do STJ resultar no reconhecimento da prescrição ainda que acolhidos os embargos de declaração da Fazenda, ou seja, naqueles casos em que o período de suspensão da tramitação superar 4 anos.
De qualquer forma, é essencial monitorar a continuidade do julgamento no Carf acerca do caso mencionado, para que se possa compreender os reflexos da decisão do STJ no Carf em matéria aduaneira, que são de extrema relevância para os contribuintes.
Nossa equipe Tributária de Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados segue acompanhando o tema e se coloca à disposição para esclarecer eventuais dúvidas.
Paula Beatriz Loureiro Pires
Rafael Figueiredo