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Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados - Especialista em Direito Imobiliário

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STJ | Cláusula de restituição de 50% prevista em contrato de compra e venda de Unidade Imobiliária

O Superior Tribunal de Justiça, em recente – e acertada! – decisão, deu provimento a Recurso interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, em ação de rescisão de contrato de compra e venda de unidade imobiliária, determinou a restituição de 75% dos valores pagos, declarando, com base no Código de Defesa do Consumidor, a nulidade da cláusula contratual que determinava a restituição de 50% dos valores pagos.


A Corte Cidadã, no entanto, reformou o acórdão e reputou válida a questionada cláusula, à luz das disposições da lei 13.786/2018, chamada de “Lei dos Distratos”, que regulamentou a rescisão contratual dos contratos de aquisição de unidade imobiliária, estabelecendo o limite de até 25%, podendo chegar a 50% quando o empreendimento estiver sujeito ao regime do patrimônio de afetação, como era o caso julgado.


Os casos de rescisão de contratos dessa natureza, por incapacidade financeira, não são novidade, nem mesmo raros, embora seja, do ponto de vista social, provavelmente um dos negócios jurídicos mais importantes realizados, pois diretamente ligado ao direito de moradia.


Até o final do ano de 2018 a jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça se sedimentou no sentido de que a retenção de até 25% dos valores pagos era razoável. Este entendimento, é verdade, foi reproduzido nos demais Tribunais, mas não se pode olvidar que ele se formou em momento de lacuna legislativa sobre o tema.


A relevância do tema aliada à miríade de processos ajuizados questionando a retenção promovida pelas promitentes-vendedoras, que na maioria esmagadora dos casos são grandes construtoras, estabelecendo-se uma relação de consumo com os compradores, fez com que fosse editada a Lei nº 13.786/2018, regulamentando, finalmente, a matéria.


Como antecipado, o limite definido na legislação foi de 25% dos valores pagos, podendo chegar a 50% quando o empreendimento está submetido ao regime do patrimônio de afetação, o que é justificável, dado ao que materialmente representa aos compradores esse regime.


A regulamentação promovida tem sua validade reforçada pela posição adotada do STJ, que demonstrou cumprir de forma escorreita e irretocável sua função precípua de unificar a jurisprudência nacional acerca da legislação federal.


Não há mais como se sustentar o entendimento reproduzido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo no acórdão reformado para os contratos firmados sob a vigência da lei dos distrato. O principal fundamento invocado para esse entendimento é o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, que trata das cláusulas abusivas.


Seria um devaneio negar a existência de uma relação de consumo entre um promitente-comprador, pessoa física, adquirindo o imóvel para fins de moradia, e uma construtora, que coloca o bem no mercado de consumo. O reconhecimento da natureza jurídica consumerista concatena alguns princípios e postulados aplicáveis, dentre os quais vale citar a vulnerabilidade do consumidor.


Entretanto, não obstante a esse regime jurídico, a simples configuração de uma relação de consumo não leva, inexoravelmente, a existência de uma nulidade contratual. A vulnerabilidade do consumidor é uma presunção legal, mas a existência de uma abusividade não o é e não prescinde da demonstração concreta.


O que se percebe muitas vezes é que, no enfrentamento de um conflito consumerista, há uma inclinação de proteção à parte vulnerável, o que, por si só, não seria incorreto, porém, passa a ser ilegítimo quando essa presunção de vulnerabilidade leva automaticamente ao reconhecimento de uma nulidade sem qualquer subsunção do caso concreto à norma jurídica.


Não se pode perder de vista que o artigo 51 do CDC não é uma norma de alta densidade, porque estabelece princípios gerais e elenca rol exemplificativo do que se poderia considerar uma prática (ou cláusula) abusiva, o que dá um norte ao aplicador do direito.


Retornando aos casos de rescisão contratual e restituição de valores, tem-se, inegavelmente, que a partir da vigência da Lei dos Distratos, há um permissivo legal de retenção de até 50% dos valores. O enunciado normativo é de clareza inelutável, pois, até o limite de 50% de retenção (havendo patrimônio de afetação) se está dentro do que permite a lei e, portanto, não há qualquer abusividade.


A redução desse percentual com base no diploma consumerista, em especial seu artigo 51, não encontra respaldo jurídico, com o devido o respeito a quem eventualmente possa pensar diferente. Em primeiro lugar porque ao se afirmar que o percentual definido em lei é abusivo à luz do CDC, o que faz o órgão julgador é, sem qualquer margem para dúvida, afirmar que uma lei contraria a outra e passa, o judiciário, a invadir a competência do legislativo que decidiu regular a matéria, o que não nos parece um caminho adequado.


Se anteriormente 50% era abusivo, conforme o próprio STJ orientava, era porque inexistia lei nesse sentido, tanto que a corte Superior assim reconheceu. Se antes, então, havia lacuna que permitia integração por esse entendimento, ela foi suprida por lei, que não pode ser ignorada. Destarte, não se sustenta a alegação, genérica e abstrata, de abusividade do percentual de 50%, pois, quem legitimamente regulamenta a matéria, geral e abstratamente, é o legislativo, que o fez por meio da lei 13.786.


É verdade também que a lei é, por excelência, geral e abstrata, cabendo ao julgador concretizar a norma no caso em concreto. O que a lei estabelece são limites de possíveis interpretações às lides que serão julgadas pelo caso em concreto, daí porque o legislador produz a norma e o judiciário a reproduz, diferença essa que, nos casos em que se adota o entendimento acima contestado, é ignorada.


É por essa razão que entendemos que há compatibilidade entre o CDC e o percentual fixado da lei dos distratos, pois não se tratam de normas excludentes, uma vez que o CDC estabelece abstratamente o que se pode ser uma cláusula abusiva, enquanto a lei dos distratos estabelece um limite de retenção de valores.


A redação da lei, aliás, deve ser ressaltada, pois afirma que até 50% é possível a retenção. Em que pese o sentido da preposição venha sendo utilizado para reduzir esse percentual, em verdade, o que ele faz é não tornar hermético esse percentual, permitindo uma avaliação em concreto de um percentual razoável. Esse é o entendimento sistêmico que melhor atende à harmonização dos dispositivos em comento, o que inclusive abarca a redação do artigo 413 do Código Civil.


É possível que haja essa redução da penalidade, mas ela não prescinde de demonstração, casuística, específica e legitima, para sustentar que se abrande os limites legais abstratamente considerados. A hipossuficiência financeira não é essa causa, porque, embora indesejada, é risco comum que assume qualquer parte contratante, bem como é a própria causa da edição da norma que definiu o percentual de 50%.


Conclui-se, portanto, que o Superior Tribunal de Justiça acerta ao reconhecer a validade do percentual da lei dos distrato em caso concreto em que o contrato fora firmado sob sua vigência, afastando seu próprio entendimento reproduzido pelo TJSP, da possibilidade de retenção de no máximo 25%, em razão da edição de lei que define os percentuais de retenção a serem aplicados a cada situação.


Se havia lacuna e sobreveio lei para regulamentar a matéria, é porque havia necessidade disso, necessidade de não só estabilizar as relações contratuais, como, também, dar segurança jurídica à situação. Deixar de reconhecer, ou melhor, reputar abusivo aquilo que a lei permitiu é, a toda evidência, uma violação da segurança jurídica que se intentou promover, e, também, clara negativa de vigência à lei federal, para cuja competência de reforma é do STJ, que o fez, nesse caso, brilhantemente.


Dessa forma, seguiremos acompanhando os desdobramentos dos casos e buscando, quando atuarmos, fazer valer a lei dos distratos, eis que norma relevante que deve ser aplicada pelo judiciário.


Arthur Atavila Casadei

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