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STJ altera prazo de prescrição de ações indenizatórias de responsabilidade contratual

A necessária modulação dos efeitos de nova jurisprudência, em atenção à segurança jurídica e aos princípios da confiança e da isonomia.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça - de modo equivocado, a nosso ver - inovou na interpretação do texto legal no que diz respeito à definição da prescrição de ações. Ou seja, com o prazo a partir do qual os jurisdicionados perdem o direito de postular em Juízo suas pretensões.

Já havia o lançamento de Súmulas e precedentes vinculantes do Superior Tribunal de Justiça afirmando ser trienal - tal como expressamente consta do Código Civil, no art. 206, §3º, incisos IV e V - a prescrição de pedidos indenizatórios (decorrentes de responsabilidade civil e enriquecimento sem causa) derivados de relações contratuais e extracontratuais. Todavia, em maio de 2019, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.281.594, alterou drasticamente o entendimento consolidado ao longo dos últimos anos: passou a reputar decenal a prescrição para demandas judiciais fundamentadas em responsabilidade civil ou enriquecimento sem causa oriundas de relações contratuais.

E a gravidade disso é tamanha que tem provocado julgados contrários às próprias teses vinculantes fixadas pelo mesmo Superior Tribunal de Justiça.

A nosso sentir, a alteração do entendimento deve seguir sendo questionada, pois contrária a texto expresso de lei e, ademais, contrária à construção e orientação legislativa, doutrinária e jurisprudencial no sentido de que os prazos prescricionais devem ser diminuídos - na mesma medida em que são aumentados o poder de informação, crítica e tomada de decisão dos cidadãos -, em nome da estabilidade e da estabilização das relações jurídicas e negociais.

Mas independentemente dessa discussão, ante cenários como esse, abruptos de impactantes alterações na jurisprudência consolidada, em nome até mesmo do mesmo princípio da estabilidade e da estabilização das relações jurídicas e negociais, juntamente com o da não surpresa, ganha relevo a discussão acerca da modulação dos efeitos da nova orientação jurisprudencial fixada.

E é nesse cenário que surge a teoria do prospective overruling, que se mostra aplicável e mesmo imprescindível às defesas judiciais. Afinal, sem a modulação dos efeitos dessa grave alteração de jurisprudência, prazos prescricionais já implementados a impedir a demanda judicial - à vista do entendimento anterior (prescrição trienal) - serão afastados diante do novo entendimento. E isso causará os mais diversos embaraços judiciais.

Afinal, aquele que há anos passados perdeu o prazo de três anos para demandar em Juízo e, se tivesse demandado no quarto ano, teria como resultado esperado a extinção de seu processo pelo reconhecimento da prescrição - na forma do anterior entendimento do Superior Tribunal de Justiça -, se demandar agora, frente a nova orientação jurisprudencial, no nono ano, terá seu pedido acolhido diante do novel precedente. Isso quando à contraparte já havia surgido o direito a não mais ter de responder judicialmente pela pretensão prescrita, de acordo com orientação jurisprudencial vigente até bem pouco tempo atrás.

Importante destacar, que o precedente referido como exemplo não se reveste de caráter vinculante. Entretanto, foi proferido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que tem como missão a uniformização da jurisprudência dentro do próprio Superior Tribunal de Justiça. E, ao fim e ao cabo, efetivamente, tal novel precedente tem sido replicado em diversas outras decisões do Tribunal Superior e outros ao longo do último ano.

Então, a defesa da teoria do prospective overruling, ou da modulação dos efeitos da nova orientação jurisprudencial, nunca se fez tão relevante, sob pena de verdadeiramente provocar caos tamanho que milite contra a segurança jurídica e aquilo que o jurisdicionado pudesse legitimamente esperar do Poder Judiciário. A estabilidade das relações será abalada gravemente acaso não se modulem os efeitos dessa superação de precedentes. E o momento a partir do qual o novo precedente tem aplicação, como em outras situações de overruling, tem sido avaliado pelos Tribunais caso a caso, processo a processo, a partir das arguições de parte a parte. Até porque, mais do que evidente nesse caso concreto a existência da confiança qualificada, a partir da formulação de teses vinculantes que determinavam a prescrição trienal e imprimiram no jurisdicionado legítima expectativa de estabilização e manutenção desse entendimento.

O Direito brasileiro, como herdeiro do Direito Romano-Germânico, sempre entendeu o papel do Poder Judiciário como de aplicador da legislação positivada pelos Poderes Legislativo e Executivo. Ou seja, relegou ao Poder Judiciário papel bastante diverso daquele que possui nos países vinculados à Common Law, nos quais o precedente jurisprudencial é a principal fonte do Direito.

Todavia, com a proliferação de demandas repetitivas, mesmo o Brasil, pouco a pouco, viu-se diante da necessidade de precedentes jurisprudenciais vinculantes. Ou seja, os Tribunais Superiores passaram a uniformizar a interpretação que deve ser dada a determinada Lei e tornar essa interpretação vinculante para as instâncias julgadoras inferiores, que dela não se podem distanciar. Assim foi que passamos, na prática, a um sistema híbrido que conjuga a mera aplicação da Lei, com a verdadeira vinculação à determinada interpretação dessa Lei.

E foi com o Código de Processo Civil de 2015 que esse chamado sistema de precedentes passou a integrar expressamente o ordenamento jurídico brasileiro (artigos 926 e 927). Ou seja, os Tribunais foram estimulados a uniformizar sua jurisprudência em prol da segurança jurídica e calcados no princípio da confiança, primando pelo equilíbrio e isonomia das decisões e pautados pela previsibilidade e estabilidade das manifestações.

Por esse sistema, se espera que questões semelhantes recebam respostas judiciais equivalentes, fornecendo um modelo de conduta capaz de tornar previsíveis as consequências de cada ato do jurisdicionado, como bem destacou a Ministra Nancy Andrighi no voto lançado no julgamento do Recurso Especial 1.721.716, realizado em dezembro de 2019 no Superior Tribunal de Justiça.

Assim, para o jurisdicionado, exsurge legítima expectativa de direito, a partir daquilo que os Tribunais firmaram convicção como sendo a interpretação do texto legal.

Não queremos dizer que uma orientação jurisprudencial não possa ser alterada. Claro que pode ser. Aliás, é saudável que seja debatida e, diante de novos argumentos ou de novo panorama econômico e social, seja alterada se na medida do necessário. Afinal, a sociedade evolui e o Direito tenta acompanhar - sempre com atraso - essa evolução. Com o passar do tempo, então, natural que os precedentes possam ser superados. Mas como definir os efeitos dessa superação diante do princípio da confiança que motivou a própria valorização dos precedentes no Direito brasileiro?

Pois bem. O direito estadunidense - que, por sua própria natureza, se ocupa dessas questões há muito mais tempo que o Direito brasileiro - desenvolveu a chamada teoria do prospective overruling, que nada mais é do que a modulação dos efeitos de um entendimento jurisprudencial novo, que surja superando entendimento anteriormente consolidado.

Novamente, o Código de Processo Civil de 2015 também destacou a possibilidade de modulação desses efeitos (art. 927, §3º e §4º). E a doutrina, citada até mesmo em decisões do Superior Tribunal de Justiça, tem pontuado, a seu turno, que não é qualquer confiança que deve ser preservada e, sim, somente a confiança “’justificada’, ou seja, confiança qualificada por critérios que façam ver que o precedente racionalmente merecia a credibilidade à época em que os fatos se passaram”¹.

Portanto, no caso concreto objeto dessa abordagem, é justo, correto e esperado que, a se fixar a nova orientação jurisprudencial e o prazo prescricional decenal em substituição ao trienal (o que, sinceramente, esperamos não venha a ocorrer, visto que seria contrário ao desenvolvimento histórico do instituto da prescrição), necessariamente deverão ser modulados os efeitos da nova orientação, para que não atinjam relações jurídicas e sociais já estabilizadas anteriormente e a partir da legítima e importante confiança na orientação jurisprudencial densa e estruturada que vigia.

Daiana Mendes Mallmann

 

¹ MARINONI, Luis Guilherme. In: WANBIER, Tereza Arruda Alvim (et. al.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, pp. 2.171-2.172

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