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Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados - Especialista em Direito Imobiliário

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Os cuidados nos contratos de locação e a importância da atualização com a jurisprudência: renúncia a benfeitorias não se estende a acessões

Em decisão publicada em 26 de outubro de 2023, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a cláusula de contrato de locação imobiliária que prevê renúncia à indenização por benfeitorias e adaptações não pode ser estendida à hipótese de acessão, vez que os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente (REsp 1.931.087/SP).


Para adequada análise do caso, faz-se necessária a conceituação dos institutos das benfeitorias e acessões, para posterior avaliação da extensão da cláusula de renúncia à indenização prevista em contrato.


Benfeitorias são obras de conservação, melhoria e embelezamento do imóvel preexistente; as acessões, por sua vez, são incorporações introduzidas em um bem imóvel, pelo proprietário, possuidor ou detentor (TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014, p. 180).


Nos pormenores, as benfeitorias se subdividem em três espécies: necessárias, úteis e voluptuárias. De acordo com os artigos 96 e 97 do Código Civil, assim como nos artigos 35 e 36 da Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato), as responsabilidades do locador pelo ressarcimento das despesas assumidas pelo locatário variam de acordo com a espécie de benfeitoria realizada. Mas, o que de mais importante se pode extrair do texto da Lei é que o legislador autorizou a livre pactuação entre locador e locatário quanto à indenização das benfeitorias realizadas nos imóveis locados, podendo as partes disporem de forma diversa daquela prevista nos artigos supracitados.


Diante da disponibilidade do direito, é plenamente autorizada a inclusão, nos contratos de locação, de cláusula de renúncia de benfeitorias por parte do locatário. Ou seja, pode-se dispor, expressa e previamente, em contrato, sobre a renúncia do direito do locatário à indenização pelas benfeitorias realizadas, independentemente da espécie.


Consonante está o Colendo STJ, que firmou o entendimento, a partir da edição da Súmula 335, de que “Nos contratos de locação é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção”.


Nesse cenário, então, locador e locatário recobrem-se de segurança em relação aos seus prévios combinados e ajustes ---- porque um contrato nada mais é do que um regramento prévio entre as partes para prevenir conflitos futuros ---- até que um pequeno detalhe jurídico revista de subjetividade o que antes se pensava ser objetivo.

 

Afinal, pelo instituto da acessão, passa a pertencer ao proprietário tudo aquilo que for incorporado de forma artificial ao imóvel. Ou seja, a acessão se dá com o aumento – de tamanho ou de valor -- de um imóvel pela incorporação de um outro bem, móvel ou imóvel. E, conforme destaca a decisão do STJ em comento, esta é verdadeira forma de aquisição originária de propriedade imóvel, prevista no artigo 1.248, inciso V, do Código Civil.


E as acessões, muito embora não estejam previstas na Lei do Inquilinato, também são passíveis de indenização por parte do locador, acaso realizadas de boa-fé pelo locatário.


No recente julgamento aqui abordado, o locatário buscava ressarcimento diante da construção de uma academia na propriedade alugada da qual foi despejado sem qualquer indenização, justamente porque o contrato previa a renúncia à indenização por adaptações ou benfeitorias que fossem realizadas no imóvel.


A controvérsia, no entanto, consistia não na validade da cláusula contratual de renúncia às benfeitorias e adaptações, vez que pacífico o entendimento que a considera válida, mas em saber se a obra realizada pelo locatário era considerada benfeitoria ou acessão, excluindo ou amparando – a depender das conclusões – o direito ao ressarcimento.


A Corte Superior considerou, então, para fins de conclusão, que a construção realizada pelo locatário era de alta vulta, e que constituía verdadeiro acréscimo ao solo, e não simples melhoramento em coisa já existente. Ademais, verificou que o locatário agiu de boa-fé, inclusive mediante autorização da locadora, o que conduziria ao quanto disposto nos artigos 1.255 e 1.256, parágrafo único, do Código Civil.

 

Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes plantas e construções; se procedeu de boa-fé, tem direito à indenização.


Art. 1256. .............


Parágrafo único. Presume-se má-fé no proprietário, quando o trabalho de construção, ou lavoura, se faz em sua presença e sem impugnação sua.

 

Assim, e por fim, o STJ entendeu que a renúncia à indenização pelas benfeitorias não poderia se estender à acessão sem que houvesse expressa renúncia em contrato quanto a esta. Igualmente, destacou que houve verdadeiro aproveitamento da estrutura construída pelo locatário em ulterior locação realizada pelo proprietário, pelo que excluir a indenização devida seria chancelar um enriquecimento ilícito ao locador.


Ou seja, a acessão de um imóvel, nos termos da decisão, não poderia receber o mesmo tratamento de uma benfeitoria, mostrando-se inviável a extensão da previsão contratual de renúncia à indenização por benfeitoria também à acessão, inclusive em atenção à interpretação estrita do instituto da renúncia, nos termos do artigo 114 do Código Civil.


A decisão põe luz sobre os contratos de locação comercial e sobre o necessário cuidado com a inserção de cláusulas que versem sobre a renúncia de direitos – e, consequentemente, sobre a abstenção de obrigações –, que deverão ser adequadamente estruturadas para que garantam a segurança jurídica esperada. Ainda, traz ciência sobre os limites dessas cláusulas que, como visto no presente caso, escusariam o locador da indenização pelas benfeitorias, mas permitiram a cobrança de indenização pelas acessões.


Cada vez mais relevante se mostra, na elaboração dos contratos, uma análise prévia e atualizada dos institutos jurídicos e de sua interpretação a partir da jurisprudência, buscando sempre trazer objetividade a relações subjetivas, prevenindo conflitos e alinhando expectativas de parte a parte.

 

Luísa Scherer Beier

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