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Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados - Especialista em Direito Imobiliário

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  • Foto do escritorEichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados

O pacto federativo e as competências para a decretação das medidas de quarentena

A Suspensão das atividades da Construção Civil em Porto Alegre a partir de hoje


Nunca foi tão relevante e tão estudado o pacto federativo e as competências constitucionais exclusivas e concorrentes dos entes federados. Este momento peculiar de enfrentamento da pandemia mundial provoca as mais diversas reações - e, por consequência, conflitos - entre União, Estados e Municípios.

Certamente todos os entes federados têm a melhor intenção de preservar e primar pela saúde da população. Todavia, o Colendo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já destacou, em hodierno julgado, a necessidade de ações coordenadas entre União, Estados e Municípios para que, ao fim e ao cabo, a população seja atendida da melhor forma possível, com respeito ao estado democrático de direito. Entretanto, diante da premência e necessidade de regular as situações nunca antes experimentadas que se apresentam, os conflitos inevitavelmente surgem entre os entes federados e devem, assim, ser dirimidos pelo diálogo e, no limite, pelo Poder Judiciário, o qual assume relevantíssimo papel de controle dos excessos e das dissonâncias. Pois bem. Essa é justamente a situação que se pretende enfrentar na presente abordagem, considerando a situação pontual da cidade de Porto Alegre, na qual, a partir de hoje (26/06/2020), estão suspensas por prazo indeterminado as atividades da construção civil. Relevante notar, nessa análise que se propõe, que o Decreto Federal 10.282/2020, com as alterações do Decreto Federal 10.344/2020, no plano federal, ao regulamentar a Lei Federal 13.979/2020, que autoriza a adoção das medidas de quarentena (dentro de cujo conceito está incluída a suspensão de atividades econômicas), desde 08/05/2020, atribuí à construção civil o status de atividade essencial: "Art. 3º As medidas previstas na Lei nº 13.979, de 2020, deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais a que se refere o § 1º.

§ 1º São serviços públicos e atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, tais como:

......................... LIV – atividades de construção civil, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde; "

Com efeito, já antes de 08/05/2020 (e, assim, antes de ostentar o status de atividade essencial) o setor da construção civil permaneceu com suas atividades integralmente interrompidas na Cidade de Porto Alegre, de 25/03/2020 até 22/04/2020. Passados esses primeiros 30 dias, com apoio em nova regulamentação a nível municipal, iniciou-se uma lenta e gradativa abertura, agregada a todos os protocolos de segurança; tudo decorrente de maior conhecimento sobre a evolução da doença.

Em 10/05/2020, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul publicou o Decreto 55.322, que estabeleceu o modelo de distanciamento controlado prevendo a identificação das regiões do estado por bandeiras (amarela, laranja, vermelha e preta), de acordo com a gravidade e a evolução ou involução de 11 indicadores objetivos, tais como número de contaminados, de falecimentos e de ocupação de UTIs. Tratou-se de um plano estruturado cientificamente reconhecido e elogiado nacionalmente.

Esse mesmo Decreto Estadual previu o impacto de cada uma das bandeiras nas mais diversas atividades, dentre elas a construção civil. Atualmente, no Estado do Rio Grande do Sul e na Região de Porto Alegre, está-se com bandeira vermelha. E o Decreto Estadual, em relação a construção civil, permite a atividade da construção civil na bandeira vermelha desde que atendidos protocolos de segurança e observada a restrição a 75% dos trabalhadores.

Ressalta-se, aqui, por importante, que estamos a tratar de atividade que – afora ser tipificada como atividade essencial de acordo com a normativa federal - não conta com atendimento ao público e é desenvolvida, nos mais das vezes, ao ar livre ou em espaços abertos e/ou não confinados, permitindo garantir amplo distanciamento entre os trabalhadores. Não se tem registro, seguramente por isso, de que a construção civil seja um foco de disseminação da Covid-19. Ao revés, contudo e com relevância exponencial para o momento, é ela uma atividade altamente empregadora e, assim, alicerce importante da preservação da economia.

A Prefeitura de Porto Alegre, no entanto e surpreendentemente, alguns dias após ter suprimido as restrições que havia aos horários de funcionamento das atividades da construção civil, publicou, em 23/06/2020, o Decreto 20.625, que, em seus artigos 8 e 10, suspendeu as atividades do setor da construção civil por prazo indeterminado, salvo exceções.

Veja-se:

"Art. 8. Fica proibido o funcionamento dos estabelecimentos comerciais, de prestação de serviços e industriais, bem como as atividades de construção civil.

Art. 10. Ficam autorizadas as atividades de construção civil exclusivamente para atender a serviços de saúde, segurança, educação e assistência social."

Destaca-se que as obras públicas permanecem permitidas, o que, de per si, evidencia o pouco risco que a atividade em si representa para a sociedade, afora representar uma evidente quebra ao princípio da isonomia[1]. Diga-se mais uma vez, por relevante, que se trata de atividade desempenhada ao ar livre, com restrição do número de trabalhadores por metro quadrado e que não teve qualquer incidente negativo durante esses últimos dois meses de atividade desenvolvida com a observância dos protocolos de segurança.


Considerando que no âmbito Estadual a atividade é plenamente permitida, mesmo sob bandeira vermelha - como visto -, e porque no âmbito Federal é, inclusive, tomada como atividade essencial, entende-se, com o devido respeito e sem deixar de louvar a boa intenção das medidas do executivo municipal de Porto Alegre, imprópria a suspensão total das atividades da construção civil, a partir de hoje, 26/06/2020.

Diante desses conflitos existentes entre as iniciativas dos entes federados, entende-se há dois caminhos perfeitamente legítimos: (a) o diálogo construtivo entre setor público e privado, para o atingimento de um cenário de consenso; ou (b) a busca do Poder Judiciário para que avalie a questão e, se entender seja o caso, pelo sistema de freios e contrapesos, limite os eventuais excessos de algum dos Poderes frente suas competências.

Não há dúvida da seriedade do momento e de sua atipicidade peculiar. Todavia, necessariamente há que se buscar uma atuação harmônica e coordenada da União, Estados e Municípios, juntamente e em diálogo com o setor privado.

O Colendo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL tem sido cada vez mais provocado a interferir para restabelecer a ordem Constitucional e alijar do ordenamento jurídico aquelas medidas, Decretos e atos que não representem a harmonia e a cooperação entre os Poderes, esperadas de União, Estados e Municípios. Veja-se que a competência constitucional concorrente - como é o caso da saúde - não concede aos Municípios, no caso em comento, amplos poderes de atuar contrariamente às normas Federais e às do Estado a que pertencem.

E foi justamente o Colendo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no recentíssimo julgamento da Suspensão da Segurança 5.369/SP[2], da lavra do Ilustríssimo Senhor Ministro Presidente DIAS TOFFOLI, que assim muito acertadamente decidiu:

“Assim, há que se ter sob análise a competência do ente municipal para a imposição das restrições ora questionadas, em vista das normas constitucionais aplicáveis ao caso.


Quanto a esse aspecto, tem-se que a legislação federal editada para dispor sobre as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública que ora vivenciamos (Lei nº 13.979/20), nada dispôs especificamente sobre esse tema.


O Decreto Federal que a regulamentou (nº 10.282/20), ao referir-se a serviços públicos e atividades essenciais, cujo exercício e funcionamento restou resguardado, arrolou, no art. 3º, inc. XXVII, a produção de petróleo e produção, distribuição e comercialização de combustíveis, gás liquefeito de petróleo e demais derivados de petróleo.


O Governo do estado de São Paulo, unidade da Federação em que se situa o município de Jundiaí, por sua vez e no âmbito de sua competência regulamentar local, editou o Decreto nº 64.881/20, em que expressamente excluiu da restrição então imposta ao funcionamento de diversos estabelecimentos comerciais, os postos de combustíveis e derivados.


Fácil constatar, destarte, que referido normativo não destoa do Decreto Federal supra transcrito, ao contrário do teor do Decreto Municipal ora em análise.

Conforme tenho destacado, na análise de pedidos referentes aos efeitos da pandemia de COVI-19, entre nós e, especialmente, na tentativa de equacionar os inevitáveis conflitos federativos disso decorrentes, a gravidade da situação vivenciada exige a tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum, sempre respeitada a competência constitucional de cada ente da Federação para atuar, dentro de sua área territorial e com vistas a resguardar sua necessária autonomia para assim proceder.


Com o julgamento concluído no dia 17/4/20, do referendo da medida cautelar na ADI nº 6.341, esse entendimento foi explicitado pelo Plenário desta Suprema Corte, ao deixar assentado que o Presidente da República poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais, mas restou reconhecida e preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso I do art. 198 da Constituição Federal.


Nessa conformidade agiu o Governo do estado de São Paulo, ao editar o aludido decreto, mas não o requerente, cujo decreto ora em análise não respeitou o comando exarado pelo Governo do estado onde se situa.


Assim, muito embora não se discuta, no caso, o poder que detém o Chefe do Poder Executivo Municipal para editar decretos regulamentares, no âmbito territorial de sua competência, no caso concreto ora em análise, não poderia ele impor tal restrição à abertura de postos de vendas de combustíveis, em clara afronta a igual disposição constante de Decreto Estadual.


A jurisprudência desta Suprema Corte consolidou o entendimento de que, em matéria de competência concorrente, há que se respeitar o que se convencionou denominar de predominância de interesse, para a análise de eventual conflito porventura instaurado.

............................


Segundo essa compreensão, têm sido julgados os casos submetidos à competência desta Suprema Corte, forte no entendimento de que a competência dos municípios para legislar sobre assuntos de interesse local não afasta a incidência das normas estaduais e federais expedidas com base na competência concorrente, conforme, por exemplo, decidido quando do julgamento do RE nº 981.825-AgR-segundo/SP,


............................


Não é demais ressaltar que a gravidade da situação por todos enfrentada exige a tomada de providências estatais, em todos as suas esferas de atuação, mas sempre através de ações coordenadas e devidamente planejadas pelos entes e órgãos competentes, e fundadas em informações e dados científicos comprovados.”

Assim, com o devido respeito ao Poder Executivo Municipal e sem deixar de reconhecer a seriedade e gravidade do momento, nos parece que os arts. 8 e 10 do Decreto Municipal 20.625/2020 editado pelo Município de Porto Alegre, ao vedarem, a partir de hoje, as atividades da construção civil, que são essenciais pela normativa federal e autorizadas pela normativa estadual, extrapolam os limites da legalidade.

Lucas Braga Eichenberg

Pedro Braga Eichenberg

Daiana Mendes Malmann

[1] Art. 9. Ficam autorizadas as atividades e os estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços de qualquer ramo, para prestação de serviços para o Poder Público federal, estadual e municipal, inclusive a execução de obras públicas. [2] DJ n. 97 do dia 23/04/2020, disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaPresidenciaStf/ anexo/SS5369.pdf

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