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Impacto do Desastre Ambiental no Rio Grande do Sul. Provável Cenário de Debate Jurídico sobre Seguros

Infelizmente, o Estado do Rio Grande do Sul foi fortemente atingido pelas chuvas e enchentes, com uma tragedia sem precedentes. Muitas famílias e empresas perderam tudo o que tinham. Toda a história de uma vida ficou submersa debaixo d’agua suja das chuvas.

 

Em momentos como estes, o direito entra em cena, visando amenizar e reparar os danos suportados em grande escala.

 

Não é por menos que um dos principais assuntos debatido é a questão da cobertura dos seguros. Evidentemente que nem as empresas de seguros, e muito menos as pessoas físicas e jurídicas, estavam preparados para uma situação tão atípica.

 

Portanto, é justamente neste contexto que se insere a discussão sobre o impacto nas relações de seguros, em grandes calamidades ambientais.

 

Vale dizer que em casos como estes é imprescindível pesquisar por uma situação em que se possa aplicar a analogia. Ou seja, verificar qual foi o entendimento dos tribunais em situações que se assemelham, e assim criar uma certa previsibilidade e segurança jurídica.

 

O direito deve criar sinergia entre a norma, a doutrina, a jurisprudência e ao caso em concreto. Neste sentido são as palavras do ilustre Doutrinador Silvo Salvo Venosa:

 

O ideal seria o ordenamento jurídico preencher todos os acontecimentos, todos os fatos sociais. Sabido é que isto é impossível. Sempre existirão situações não descritas ou previstas pelo legislador.

 

O juiz nunca pode deixar de decidir por não encontrar norma aplicável no ordenamento, pois vigora o postulado da plenitude da ordem jurídica.[1]

 

Cabe destacar que o caso das chuvas no Rio Grande do Sul é um clássico exemplo de imprevisibilidade. Logo, abre espaço para diversas discussões jurídicas quanto aos contratos de seguros.

 

Dados da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), afirmam que já foram solicitadas indenizações na casa de 1,6 bilhões de reais.

 

E mais, que esse valor ainda está muito distante de representar a real dimensão dos prejuízos. O presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, acredita que este será, provavelmente, o maior conjunto de indenizações já pagas pelo setor de seguros, em decorrência de um único evento. Inclusive, superando o rompimento da barragem de brumadinho, em 2019[2].

 

O presidente também informou que a grande maioria dos sinistros foram realizados por pessoas físicas, em decorrência da perda de sua residência, automóveis, objetos dentre outros. Nestes casos, há evidências de os pagamentos já estão sendo realizados pelas seguradoras, em um prazo de 48 horas.

 

Ocorre que os seguros de maior complexidade, (como o caso de seguros empresariais, transporte, riscos diversos, seguros coorporativos, etc.) foram feitos em menor escala, mas a soma do impacto destes é bem maior quando comparada com os seguros de pessoas físicas. Vejamos: 

 

“Conforme os dados fornecidos por 140 seguradoras associadas à Cnseg, o maior número de avisos de sinistros registrados entre 28 de abril e 22 de maio vem de clientes residenciais/habitacionais, totalizando 11.396 comunicados, o equivalente a cerca de R$ 240 milhões em pagamentos previstos. Em seguida, vêm os contratantes de seguro automotivo, com 8.216 registros ou cerca de R$ 557 milhões, o seguro agrícola com 993 registros ou R$ 47 milhões. Seguros como empresarial, de transporte, riscos diversos e riscos de engenharia resultaram em 2.459 avisos de sinistros, totalizando uma previsão de pagamento de indenizações de pouco mais de 322 milhões. Já os seguros contra grandes riscos, ou seja, seguros corporativos que incluem, entre outros, os empreendimentos de infraestrutura, englobam 386 avisos e atingem cerca de 510 milhões.”[3]

 

Assim sendo, nota-se, por meio desses primeiros dados fornecidos pelo presidente da CNseg, que o grande palco de debate será o ressarcimento dos sinistros dos casos de grande risco.

 

Vale mencionar que haverá mais espaço para argumentação jurídica, principalmente por existir a atividade de risco exercida por grandes corporativas e pelas seguradoras.

 

Certamente, os termos dos contratos de seguros deverão guiar a aplicação do direito. Todavia, é importante pontuar, que se combate uma situação completamente atípica e imprevisível. Neste compasso, é valido destacar os ensinamentos do ilustre doutrinador Mauricio Gravina:

 

“Esta norma de reparação proporcional é encontrada em diferentes nações em vários campos do Direito, como na responsabilidade civil, no justo ressarcimento ou compensação equitativa, sem excessos ou reduções injustificadas. Vale a máxima atribuída a Justiniano, de que a “Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu”. O princípio indenizatório se aplica aos seguros de danos com sentido de proporcionalidade, e rigor nos casos em que a indenização é objetiva. Via de regra, a reparação deve ser valorada no limite do dano patrimonial sofrido, como no seguro de incêndio, roubo, transporte, caução, crédito, responsabilidade civil e resseguro.

. Nesses casos, existe limitação à liberdade das partes para contratar a importância segurada, que não pode superar o valor dos danos, a fim de não permitir o enriquecimento indevido. Embora outras facetas, leva-se em conta que o valor dos prejuízos é calculado segundo parâmetros objetivos (valor real) em proporção com a “garantia contratada”, segundo a qual é definido o limite máximo da indenização a ser paga pelo segurador”[4]

 

Portanto, é evidente que além da teoria do risco, outro impasse será a perícia quanto a extensão dos danos sofridos, e até que ponto a apólice de seguro cobre o ressarcimento.

 

Nesse cenário, tanto as seguradoras quanto as empresas atingidas pelo desastre ambiental devem se ater para além das normas aplicáveis. Devem, portanto, observar todo o contexto doutrinário e jurisprudencial aplicável.

 

Em casos assim, é primordial voltar aos conceitos por de trás da norma. Esse regresso possibilita maior debate jurídico. Principalmente considerando que se trata de situação atípica e de alta relevância social, econômica, ambiental e por aí vai.

 

Destrinchar conceitos e os alinhar com a aplicação dos tribunais a casos semelhantes é o caminho para alcançar o melhor resultado possível. Possibilitando que os tribunais ofereçam a justa solução para os casos que foram submetidos ao litígio.

 

Vale ressaltar que os principais jornais do país estão constantemente atualizando os desdobramentos do caso, que, infelizmente, está longe de chegar ao fim. Neste sentido, o presidente da CNseg afirmou que o desastre ambiental pode ter impacto financeiro maior do que a própria pandemia do Covid-19. Vejamos trecho da matéria publicada no site do Valor Econômico em 24 de maio de 2024:

 

“Oliveira afirmou que as enchentes no Rio Grande do Sul podem ter impacto financeiro maior do que a pandemia de covid-19, que causou perdas seguradas de mais de R$ 7,5 bilhões para o mercado, e a seca de 2022 na região, que alcançou um valor de sinistros de R$ 8,8 bilhões.”[5]

 

Na mesma matéria, foi dito que o setor estaria preparado para absorver a perda atual e futura, bem como que os maiores impactados seriam as atividades de grandes riscos e de automóveis. Vejamos:

 

“O presidente da CNseg enfatizou que o setor está preparado para absorver tanto a perda atual quanto as futuras. "São valores perfeitamente provisionados pelas seguradoras, recursos que as companhias mantêm em reservas técnicas, ou seja, tem recursos suficientes para enfrentar esse problema."

Na visão da confederação, o evento no Rio Grande do Sul é uma ocorrência "extraordinária" e "não se espera que seja repetido no futuro próximo". "Não imagino que vai impactar o custo do seguro e planejamento das empresas para o Estado", diz Oliveira.

Na avaliação do dirigente, os ramos de grandes riscos e de automóveis tendem a ser os mais impactados em termos de volume de indenizações.”

 

Dentro destra previsão, cabe esclarecer que as seguradoras, em regra, só podem ser obrigadas a indenizar o segurado na hipótese de danos materiais causados por um sinistro, coberto pela apólice de seguro.

 

Significa dizer que, o grande “x” da questão será se há previsão de cobertura para os casos de “desastre naturais” ou não.

Ou seja, em muitos dos casos, há a possibilidade de um litígio em função da ausência de cobertura a desastres naturais.

 

Nos casos em que se verifique a ausência dessa modalidade de cobertura, é certo dizer que “nem tudo está perdido”. Isto porque, as seguradoras têm o dever informar com clareza aos segurados todas as coberturas do contrato. Logo, significa dizer que a ausência de sinalização clara e inequívoca das coberturas pode levar à responsabilização da seguradora.

 

Essa conclusão é tirada da decisão do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), proferida no âmbito do REsp 1.303.374/SP[6], especificamente nos seguintes trechos:

 

“Ao discorrer sobre tal distinção dos deveres no âmbito do contrato de seguro, Fernando Noronha enumera, de forma ilustrativa, que: (i) "a garantia de interesse contra risco determinado e o pagamento do prêmio" consubstanciam deveres principais; (ii) "a obrigação do segurado de comunicar à seguradora o agravamento do risco" é hipótese de dever acessório; e (iii) os deveres fiduciários referem-se à exigência de observância da boa-fé objetiva ante o escopo de atendimento da função social do pacto (NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003, Vol. I, pp. 79-80). Sob essa ótica, a violação dos deveres anexos (ou fiduciários) encartados na avença securitária implica a obrigação de reparar os danos (materiais ou morais) causados, o que traduz responsabilidade civil contratual, e não extracontratual, exegese, que, por sinal, é consagrada por esta Corte nos julgados em que se diferenciam "o dano moral advindo de relação jurídica contratual" e "o dano moral decorrente de responsabilidade extracontratual" para fins de definição do termo inicial de juros de mora (citação ou evento danoso). [...] É que o prazo de prescrição do CDC circunscreve-se às pretensões de ressarcimento de dano causado por fato do produto ou do serviço (o chamado "acidente de consumo"), que decorre da violação de um "dever de qualidade-segurança" imputado ao fornecedor como reflexo do princípio da proteção da confiança do consumidor (artigo 12). Assim, tal lapso quinquenal alcança situações em que ocorrido defeito (ou falha) na segurança legitimamente esperada na utilização do produto ou do serviço ou quando tenham sido fornecidas informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.”

 

Sobre a cobertura a “desastres naturais” vale destacar que a CNseg, em 18 de abril de 2024, publicou matéria informando que o setor de seguros apresentou propostas para “desastres naturais”. Neste sentido, vale destacar alguns trechos da matéria:

 

“As mudanças climáticas provocam perdas econômicas cada vez mais assustadoras em todo o mundo e é certo que vão se agravar nos próximos anos. As catástrofes naturais geraram prejuízos globais da ordem US$ 380 bilhões em 2023,  dos quais US$ 118 bilhões indenizados pelas seguradoras. Mas como endereçar o problema no Brasil? Como aumentar a resiliência diante de tantas enchentes e inundações que têm se acumulado ano a ano no País? Quem banca tudo isso? 

 

[...] Ao abrir os debates, o presidente da CNseg, Dyogo  Oliveira, mostrou que, no Brasil, é muito baixa a adesão de proteção contra os riscos climáticos, colocando em risco vidas, patrimônios e histórias, o que é preocupante. 

 

[...] Ele abordou ainda outras linhas de seguros que poderão contribuir para mitigar os riscos do clima, como o voltado para barragens e descomissionamento, já que as mudanças climáticas representam um desafio para a segurança dessas estruturas, e o programa de seguros para recuperar a infraestrutura das cidades devido a desastres naturais. “O seguro é um mecanismo ágil, capaz de recompor a condição de vida das famílias, de recuperar a infraestrutura e de repor a produção rural. O Brasil precisa se preparar para eventos catastróficos, reunindo todas as ações possíveis para mitigá-los. O seguro faz parte da resposta organizada, articulada e, principalmente, tempestiva exigida na sequência dos desastres naturais”, finalizou ele.”[7]

 

Assim, diante de todo o exposto, verifica-se que é iminente o surgimento de discussões judiciais acerca da cobertura de seguros para desastre naturais. Considerando todos os detalhes e peculiaridades inerentes. Ainda, as atividades risco, de infraestrutura, de automóveis, serão as mais impactadas economicamente.

 

Por tais razões, é primordial que os escritórios estejam abertos e prontos para atender às mais variadas empresas e pessoas. Sempre visando um atendimento personalizado, destrinchando cada detalhe, cada conceito jurídico, cada norma, cada doutrina e  cada jurisprudência aplicável.

 

O Brasil não estava preparado para o desastre do ocorrido no Rio Grande do Sul. Mas é obrigação daqueles operam o direito, o preparo para conduzir ao desfecho mais justo e proveitoso para cada caso. Todo cuidado, atenção, técnica e, principalmente, humanização do direito, serão necessários!


Roberta Bernardini Consani


 

Bibliografia:

 

Agência Brasil. Tragédia no RS já soma R$1,67 bilhão em indenizações de seguros. 24.05.2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-05/tragedia-no-rs-ja-soma-rs-167-bilhao-em-indenizacoes-de-seguros acessado em 26.05.2024

 

CNseg. Setor segurador apresenta propostas para desastres naturais em audiência pública na Câmara dos Deputados. 18.04.2024. Disponível em: https://cnseg.org.br/noticias/setor-segurador-apresenta-propostas-para-desastres-naturais-em-audiencia-publica-na-camara-dos-deputados . acessado em 26.05.2024

 

GRAVINA, Maurício S. Direito dos Seguros. [Digite o Local da Editora]: Grupo Almedina, 2022. E-book. ISBN 9786556275871. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556275871/. Acesso em: 27 mai. 2024. P. 118.

 

Valor Econômico. Pedidos de indenizações de seguros no RS ultrapassam R$ 1,6 bilhão até o momento, diz CNseg. 24.05.2024. Disponivel em: https://valor.globo.com/financas/noticia/2024/05/24/catastrofe-no-rio-grande-do-sul-pode-ter-impacto-financeiro-maior-do-que-a-pandemia-diz-cnseg.ghtml . Acessado em 26.05.2024.

 

VENOSA, Sílvio de S. Introdução ao Estudo do Direito. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559771073. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559771073/. Acesso em: 27 mai. 2024. P. 144.

 

Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1321671 RS 2012/0093816-9, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Publicação: DJ 15/08/2012


 

[1] VENOSA, Sílvio de S. Introdução ao Estudo do Direito. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559771073. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559771073/. Acesso em: 27 mai. 2024. P. 144.




[4] GRAVINA, Maurício S. Direito dos Seguros. [Digite o Local da Editora]: Grupo Almedina, 2022. E-book. ISBN 9786556275871. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556275871/. Acesso em: 27 mai. 2024. P. 118.



[6] STJ - REsp: 1321671 RS 2012/0093816-9, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Publicação: DJ 15/08/2012


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