Empresas que atuam como varejistas enfrentam particularidades tributárias no que tange à incidência da Contribuição ao PIS e da COFINS sobre a revenda de produtos para pessoas físicas.
A possibilidade de isenção ou aplicação de alíquotas reduzidas está condicionada a diversos fatores, como o tipo de produto comercializado e o regime tributário adotado pela empresa. Em especial, a Lei nº 10.925/2004 prevê a aplicação de alíquota zero para determinados produtos alimentícios, restringindo sua abrangência aos itens listados de forma expressa na legislação.
Analisando a sistemática de incidência do PIS e da COFINS sobre as bebidas frias, com especial atenção à fundamentação para a não incidência dessas contribuições na revenda realizada por varejistas, deve-se observar a Lei nº 13.097/2015, bem como atos regulamentares pertinentes.
De fato, antes de abril de 2015, a incidência monofásica era a regra para esse setor. Nesse regime, a tributação é concentrada na fase inicial da cadeia produtiva, ou seja, no fabricante ou importador, enquanto os demais elos, como atacadistas e varejistas, ficavam desonerados do pagamento de PIS e COFINS sobre as operações subsequentes. A partir da edição da Lei nº 13.097/2015, houve alteração normativa, culminando na implementação de um modelo de tributação diferenciado, o qual passou a incluir a incidência das contribuições também em parte da cadeia de distribuição, especificamente no atacado.
Entretanto, uma das principais peculiaridades introduzidas pela nova sistemática é a desoneração total das operações realizadas pelos varejistas, que ficaram submetidas à alíquota zero para PIS e COFINS. Essa diferença é juridicamente sustentada pelos artigos 17 e 28 da referida lei, os quais dispõem sobre a definição de varejista e as condições para aplicação da alíquota reduzida. De acordo com o artigo 28, parágrafo primeiro, considera-se varejista a pessoa jurídica cuja receita bruta derivada de vendas a consumidores finais represente, no ano-calendário anterior, ao menos 75% de sua receita total de venda de bens e serviços.
Dessa forma, para que o varejista se beneficie da alíquota zero, é necessário comprovar que atende às condições estabelecidas pela norma. Caso o varejista não atenda à definição legal ou realize operações em desacordo com as disposições regulamentares, estará sujeito à tributação normal, aplicando-se as alíquotas previstas para os demais contribuintes.
Outro ponto relevante é a distinção entre as vendas realizadas a consumidor final e as vendas a entidades ou associações sem fins lucrativos que fornecem os produtos adquiridos a terceiros. De acordo com a Solução de Consulta COSIT nº 426/2017, tais operações não se enquadram como vendas a consumidor final, impedindo a aplicação da alíquota zero ao varejista.
A lógica à desoneração do varejista está diretamente relacionada à estruturação da cadeia de tributação das bebidas frias. O modelo visa a concentrar a arrecadação em etapas anteriores da cadeia produtiva e distributiva, notadamente no fabricante, importador e, em menor escala, no atacadista. A inclusão do atacadista como contribuinte não elimina a possibilidade de este aproveitar créditos em relação às contribuições incidentes na operação anterior. Para o varejista, entretanto, o mesmo não ocorre, visto que a alíquota zero inviabiliza tanto a geração de débito quanto o aproveitamento de créditos.
Juridicamente, a desoneração das vendas varejistas encontra respaldo no princípio da capacidade contributiva e na racionalização da administração tributária. Ao concentrar a tributação nas etapas iniciais da cadeia, reduz-se a complexidade de fiscalização e a possibilidade de evasão fiscal, uma vez que as indústrias e grandes atacadistas são geralmente mais estruturados e possuem maior capacidade de conformidade tributária.
Um dos principais pontos que deve ser analisado é a correta apuração do percentual de receita proveniente de vendas a consumidor final, o qual exige um controle rigoroso das informações fiscais e contábeis. Adicionalmente, a aplicação do CST (Código de Situação Tributária) apropriado às operações é imprescindível. Para as vendas com alíquota zero, deve-se utilizar o CST 06, enquanto para operações não desoneradas aplica-se o CST 02.
Assim sendo, é fundamental observar que a desoneração não implica a inexistência de obrigações acessórias. Mesmo com a alíquota zero, os varejistas devem informar nas notas fiscais os valores devidos de PIS e COFINS, de modo a permitir o correto cálculo de créditos pelos adquirentes, quando cabível. Tal exigência é coerente com a busca de maior transparência na cadeia de tributação e com a tentativa de mitigar ambiguidades no cumprimento das obrigações tributárias.
Dessa forma, a não incidência de PIS e COFINS sobre a revenda realizada por varejistas de bebidas frias é juridicamente fundamentada na estrutura normativa da Lei nº 13.097/2015, alinhada aos princípios constitucionais tributários e à eficiência administrativa.
No mais, o tratamento tributário dos descontos concedidos pelos fornecedores aos varejistas é matéria que vem sendo amplamente discutida no âmbito judicial. No REsp nº 1.836.082, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que descontos condicionados — como aqueles vinculados à exposição de produtos em gôndolas ou à inserção em folhetos promocionais, ou seja, descontos condicionados a contraprestações vinculadas à operação de compra e venda — não devem integrar a base de cálculo de PIS e COFINS para o varejista. A decisão reforça o entendimento de que tais descontos, ao serem tratados como redução de despesas, não configuram receita tributável, pois não representam ingresso financeiro positivo ao patrimônio da empresa beneficiária.
A jurisprudência ainda aponta a necessidade de evitar bitributação em operações comerciais. A ministra Regina Helena Costa destacou que os descontos condicionados devem ser classificados como redutores do custo de aquisição de mercadorias, e não como receita para incidência das contribuições sociais, e que a Fazenda Nacional não pode tratar a mesma parcela como receita tributável tanto para o vendedor quanto para o comprador, sob pena de gerar dupla tributação – esse ponto é crucial para assegurar a correta aplicação dos princípios tributários e prevenir litígios desnecessários.
De acordo com a ministra, a legislação estabelece que a base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins, no regime não cumulativo, consiste no total de receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
Ao delimitar o conceito de receita bruta no ordenamento jurídico, a ministra destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF) entende como "o ingresso financeiro ao patrimônio do contribuinte em caráter definitivo, novo e positivo". Embora seja ampla a noção para a incidência do PIS e da Cofins, a relatora lembrou que há expressa previsão de rubricas excluídas desse conceito, como o caso dos denominados descontos incondicionais.
A magistrada destacou entendimentos do STJ, como a Súmula 457, bem como o decidido no julgamento do Tema 347, segundo o qual "o valor da operação relativa a produtos industrializados não abrange os descontos incondicionais, razão pela qual a pessoa jurídica fabricante de bebidas não pode ser impactada com a cobrança de IPI sobre os abatimentos dessa natureza concedidos aos distribuidores. Nos precedentes apontados, os efeitos da concessão das rubricas redutoras de preço foram analisados sob o enfoque da pessoa jurídica que figurava na posição de vendedora, vale dizer, do sujeito passivo responsável pela outorga do desconto, sendo desimportante, para fins tributários, a repercussão dos benefícios quanto ao adquirente de produtos ou de mercadorias", afirmou.
Assim, para empresas varejistas que atuam na comercialização de produtos diretamente ao consumidor final, é fundamental observar os seguintes aspectos:
(i) Classificação fiscal dos produtos: verificar se os itens vendidos se enquadram nos benefícios previstos pela legislação, como a alíquota zero para produtos in natura;
A classificação fiscal dos produtos é definida pela Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), que se baseia no Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias (SH). Os produtos beneficiados pela alíquota zero de PIS e COFINS são geralmente classificados nos Capítulos 7 e 8 da TIPI, que abrangem respectivamente:
· Capítulo 7: Hortícolas, plantas, raízes e tubérculos alimentares. Inclui produtos como alface, tomate, batata, cenoura, cebola, entre outros.
· Capítulo 8: Frutas e nozes comestíveis; cascas de frutas cítricas ou de melões. Inclui frutas como maçã, laranja, banana, uva, entre outras.
A legislação que regula o benefício da alíquota zero (art. 28 da Lei nº 10.865/2004) limita-se a produtos classificados nesses capítulos, desde que sejam comercializados in natura, ou seja, sem processamento industrial significativo. Isso exclui produtos que passaram por etapas como:
1. Processamento ou mistura (como saladas de frutas ou vegetais).
2. Refrigeração ou pasteurização (como sucos refrigerados ou água de coco pasteurizada).
3. Adição de outros ingredientes que descaracterizam o produto como "in natura".
Verificação da Classificação
Para determinar se um produto se enquadra nos benefícios fiscais, é necessário:
1. Consultar o código NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul), que é composto por 8 dígitos e identifica a classificação fiscal de cada produto.
2. Confirmar a correspondência com a TIPI, verificando o Capítulo (7 ou 8) e a descrição do produto.
3. Analisar a cadeia produtiva do item comercializado, assegurando que ele mantenha as características de produto in natura.
(ii) Regime tributário aplicável: analisar se a empresa está enquadrada no Simples Nacional, regime cumulativo ou não cumulativo, pois isso influencia diretamente na apuração de PIS e COFINS.
(iii) Tratamento dos descontos: garantir que descontos obtidos de fornecedores estejam corretamente registrados como redução de despesas, evitando interpretações que possam levar à tributação indevida.
Portanto, o enquadramento correto dos produtos e a adoção de boas práticas fiscais são essenciais para que empresas varejistas usufruam dos benefícios fiscais permitidos em lei, ao mesmo tempo em que evitam passivos tributários. O suporte de consultoria especializada e o acompanhamento da evolução jurisprudencial também são indispensáveis para a gestão eficiente das obrigações fiscais.
Por isso, surge a questão se seria possível o pedido de restituição com a mudança dos CNAEs da empresa. Sendo as bebidas frias sujeitas à alíquota zero de PIS/COFINS para os varejistas, inclusive para aquelas empresas optantes pelo Simples Nacional, em caso de pagamento indevido a empresa poderá fazer jus à repetição do indébito, por meio de compensação ou restituição, dos valores pagos indevidamente nos últimos cinco anos.
Uma vez que isso é realizado, por meio do faturamento da empresa é viável saber o quanto foi recolhido de PIS e COFINS e comparar os valores que foram apurados com os valores que deveriam ser apurados. Caso a ação seja julgada procedente, a empresa poderá recuperar os valores recolhidos indevidamente nos últimos cinco anos, corrigidos pela taxa SELIC. Esse montante pode representar um benefício significativo para o fluxo de caixa da empresa.
A equipe Tributária de Eichenberg, Lobato & Abreu Advogados Associados encontra-se à disposição para auxiliar administrativa e judicialmente empresas que se identifiquem com a situação ora reportada.
Luis Felipe Felix