A recente crise enfrentada pelas Lojas Americanas S.A., uma das maiores e mais tradicionais redes varejistas do Brasil, levanta questões cruciais sobre a responsabilidade dos administradores por falhas na gestão e os consequentes prejuízos a terceiros, especialmente em contextos de empresas com ações negociadas no mercado aberto. Passado mais de um ano desde que os fatos surpreenderam o mercado de investimentos brasileiro, até o momento, não houve qualquer sinalização de que haverá reparação aos acionistas, seja por meio de ações particulares ou públicas.
Sob a ótica da doutrina brasileira e estrangeira, a extensão da responsabilidade dos administradores em casos de má gestão envolve aspectos técnicos e jurídicos que exigem uma análise aprofundada. No Brasil, a responsabilidade dos administradores de sociedades anônimas é regulamentada, principalmente, pela Lei das Sociedades por Ações (Lei Federal nº 6.404/1976). De acordo com essa legislação, os administradores devem exercer suas funções com diligência, lealdade e em prol do melhor interesse da companhia, buscando o alcance de seu fim social, ou seja, o melhor resultado para a própria empresa e seus acionistas. O descumprimento desses deveres pode resultar na responsabilização pessoal dos administradores por danos causados à sociedade, aos acionistas e a terceiros.
A falha de gestão, caracterizada pela atuação negligente, imprudente ou imperita dos administradores, pode ocasionar prejuízos significativos à sociedade e a terceiros. No contexto das Lojas Americanas, a administração pode ser responsabilizada caso seja comprovada a inobservância dos deveres fiduciários estabelecidos pela Lei das S.A. Nesse sentido, a doutrina brasileira, representada por autores como Modesto Carvalhosa e Erasmo Valladão, destaca a necessidade de comprovação do nexo causal entre a conduta dos administradores e os danos efetivamente causados (CARVALHOSA, 2008; VALLADÃO, 2016).
No direito comparado, a responsabilidade dos administradores por falhas de gestão é abordada de maneira diversa, mas com fundamentos similares. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Business Judgment Rule é um princípio que protege os administradores que atuam de boa-fé, de maneira informada e no melhor interesse da empresa. Contudo, essa proteção não é absoluta, podendo ser afastada em casos de fraude, conflito de interesses ou negligência grave (BLAIN, 2014). Na Europa, o Direito Societário e a legislação relacionada ao Mercado de Capitais da União Europeia estabelecem diretrizes que impõem deveres similares aos dos administradores brasileiros, com ênfase na proteção dos investidores e na transparência das práticas de governança corporativa. A responsabilidade por falhas de gestão é analisada sob a ótica do duty of care e do duty of loyalty, conceitos que encontram paralelo na legislação brasileira (ENRIQUES, 2010).
A crise nas Lojas Americanas demanda uma análise crítica sobre a eficácia dos mecanismos de governança corporativa e a responsabilização dos administradores. A aplicação rigorosa da legislação brasileira, alinhada às melhores práticas internacionais, é essencial para assegurar a proteção dos investidores e a integridade do mercado. A jurisprudência brasileira, embora ainda em desenvolvimento, tem se mostrado cada vez mais rigorosa na análise de casos de má gestão, refletindo um movimento similar nas decisões da Comissão de Valores Mobiliários em matérias de natureza análoga. Embora tímida, a defesa dos acionistas minoritários tem ganhado força, incluindo a possibilidade de que busquem justa reparação por meio de ação judicial autônoma – ainda que esta nunca tenha sido efetivamente inexistente, conforme dispõe o art. 159, § 7º, da Lei das S.A., cuja redação ainda apresenta certa ambiguidade.
A responsabilidade dos administradores das Lojas Americanas por eventuais falhas de gestão e pelos prejuízos causados a terceiros deve ser analisada à luz dos deveres fiduciários estabelecidos pela Lei das S.A., complementada pelas diretrizes e práticas internacionais. A doutrina e a jurisprudência brasileiras oferecem um arcabouço robusto para a responsabilização, que pode ser reforçado pela integração das melhores práticas de governança corporativa adotadas internacionalmente. Assim, a crise das Lojas Americanas serve como um alerta para a importância da diligência e da lealdade na administração de grandes corporações, visando sempre a proteção dos interesses da sociedade, dos acionistas e dos terceiros envolvidos.
Marcus Von Mühlen
Referências:
BLAIN, David. The Business Judgment Rule: Fiduciary Duties of Corporate Directors. New York: Oxford University Press, 2014.
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
ENRIQUES, Luca. Corporate Governance Reforms in Continental Europe. Journal of Economic Perspectives, v. 24, n. 1, 117-140, 2010.
VALLADÃO, Erasmo. Direito Societário: Teoria e Prática. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016.