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Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados - Especialista em Direito Imobiliário

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COVID-19 e Atraso de Obra - Possibilidade de Extrapolação do Prazo de Tolerância

Com a flexibilização das medidas de contenção da COVID-19 e retomada da economia, um dos fantasmas que assustava o mercado imobiliário parece ter se afastado: a possibilidade de uma nova onda de “distratos”.


Ao contrário do que poderia se imaginar no início de março, o setor da construção civil não só não foi atingido por uma avalanche de pedidos de desfazimentos dos negócios de promessa de compra e venda de unidades autônomas, como teve suas vendas incrementadas nesse 3º trimestre com grande parte das construtoras reportando resultados que fazem esquecer os efeitos econômicos da crise provocada pelas medidas de contenção da COVID-19.


Todavia, seguramente há casos em que as medidas de isolamento social e as precauções e cuidados para mitigar a contaminação pelo novo coronavirus, assim como a escassez e dificuldade de fornecimento de determinados materiais, impactaram e impactarão negativamente os prazos de obra de empreendimentos imobiliários.


Um primeiro ponto, é que seguramente, a partir da pandemia, teve o mundo jurídico uma prova cabal e inconteste do que seja um caso de força maior. Está-se vivenciando tempos em que há fatos incontroláveis e não imputáveis à culpa de qualquer das partes contratantes que geram impactos e afetam o cumprimento de obrigações contratuais.


Poderia surgir dúvida, inclusive ante os termos fixados na Lei dos Distratos (Lei 13.786/2018), se no âmbito dos prazos de execução de obra das incorporações imobiliárias ter-se-ia uma excludente e, assim, a prorrogação dos prazos mesmo se os atrasos forem superiores ao prazo de tolerância de 180 dias, fixado usualmente nos contratos e também, de certo modo, na Lei dos Distratos.


Para que respondamos esse questionamento, necessário que retornemos ao período conhecido como boom imobiliário, quando os Imóveis valorizaram-se cerca de 20% ao ano em razão de políticas de incentivo realizadas pelo Governo Federal, em especial o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), quando houve grande crescimento do crédito imobiliário e, em razão de tais incentivos, grande procura por imóveis, em especial por unidades futuras, em construção, ou seja, aquisições de imóveis na planta.


Ocorre que no período do boom imobiliário as Construtoras e Incorporadoras passaram a ter dificuldades para encontrar materiais e mão de obra, tal dificuldade atrasou os cronogramas das obras e fez com que os prazos de entrega previstos nos contratos firmados com os adquirentes não fossem cumpridos. A partir do ano de 2012, e até que o mercado se estabilizasse, o judiciário foi abarrotado por ações de indenização por atraso de obra, tendo firmado posição sobre tais casos somente no ano de 2018 com o julgamento dos temas repetitivos 970 e 971 perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ).


Note-se que, quando do julgamento, sob o rito dos recursos repetitivos, do Recurso Especial nº 1.729.593, estabeleceu-se que era válido o prazo de tolerância de 180 dias para a empresa “... superar eventuais imprevistos relacionados a fortuitos internos como falta de mão de obra, entraves burocráticos ou fatores climáticos.”


Ademais, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.582.318 – RJ, que tratou especificamente acerca da legalidade do prazo de tolerância, ficou registrado que tal previsão servia para atenuar “... os fatores de imprevisibilidade que afetam negativamente a construção civil, a onerar excessivamente seus atores, tais como intempéries, chuvas, escassez de insumos, greves, falta de mão de obra, crise no setor, entre outros contratempos.”


Assim, o legislador, ao tornar legal a tolerância de até 180 dias no prazo de conclusão das obras, quando da edição da Lei dos Distratos, teve como inspiração a pacificação do tema no STJ.


A premissa, então, é ser o prazo de tolerância de 180 dias um período para mitigar os efeitos negativos das questões e intercorrências normais e previsíveis, que, rotineiramente, são enfrentadas nos canteiros de obra.


Não nos parece, todavia, que seja correto o entendimento de que o prazo de tolerância representa um limitador ou mesmo uma sobreposição à prorrogação dos prazos de obra em decorrência de casos fortuitos ou de força maior.


Assim, nos tempos de pandemia atualmente vivenciados, os períodos em que as obras ficaram paralisadas por ordem do poder público, bem assim como a diminuição de fluxo das mesmas em decorrência das medidas de prevenção da COVID-19, não deverão ser englobados pelo período de 180 dias que o legislador considerou e os contratos, no mais das vezes, preveem como de tolerância para a conclusão das obras


Diante de casos de força maior – como ocorre diante da pandemia -, incide a norma do artigo 393 do Código Civil, com a necessária e decorrente prorrogação dos prazos por igual período ao da paralisação e/ou impacto negativo sofrido. Não se olvide que se vive, hoje e legalmente, em verdadeiro estado de calamidade pública!


Ainda assim, por mais cristalina que se afigure a situação no plano jurídico, é importante a atenção às provas. Se houve situações que impactaram, direta ou indiretamente, o cronograma de obras, tais como atraso na entrega de materiais por fornecedores, perda de capacidade de trabalho/quebra de prestadores de serviços, dificuldade na mobilização de pessoal, etc, é importante e fundamental que as Incorporadoras e as Construtoras produzam prova destes acontecimentos (e-mails, diários de obras, atas notariais, etc.) para sustentar e defender, se necessário e diante de questionamentos, a prorrogação dos prazos com base no artigo 393 do Código Civil, o que entendemos que é viável em razão da imprevisibilidade e impossibilidade de contenção dos eventos decorrentes da pandemia de COVID-19.


Relevante também atentar ao dever de informação, mantendo os clientes, ou seja, os adquirentes das unidades autônomas, informados e cientificados dos impactos havidos no cronograma de obras.


Assim, entendemos que, por tratar-se de caso de força maior incontestável e que salta aos olhos, os períodos de paralisação ou de retardo das atividades nos canteiros de obra da construção civil decorrentes de imposições normativas, atendimento dos protocolos de prevenção de disseminação do novo coronavírus, falta ou escassez de material, deverão ser acrescidos aos prazos de obra contratados com os clientes, não estando limitados ou sobrepostos ao prazo de tolerância previsto na Lei dos Distratos ou, usualmente, nos contratos. Todavia, é mandatório que os impactos no cronograma de obras, suas causas e seus efeitos, sejam documentalmente comprovados para que, em caso de demanda judicial, sejam excluídos do período de tolerância contratualmente previsto, ficando certo, sempre e em qualquer hipótese, que as incorporadoras devem prezar por cumprir o dever de informação, mantendo seus clientes informados de eventuais alterações de prazo que haja.


Theodoro Focaccia Saibro

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