Nas transmissões por doação, de quaisquer bens ou direitos, inclusive móveis, imóveis e mesmo valores em dinheiro, incide o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência dos Estados e do Distrito Federal.
Trata-se de imposto de ainda diminuta arrecadação, em termos comparativos, mesmo acolhendo, entre os seus fatos geradores, não apenas as transmissões por doação, mas também as decorrentes de sucessão causa mortis. A fixação da sua alíquota máxima é feita por resolução do Senado Federal, em vigor desde 1992, impondo o teto de 8% (oito por cento). No ano de 2018, o montante arrecadado, em todo o Brasil, pelos Estados e pelo Distrito Federal, com o ITCMD, representou pouco mais de sete bilhões de reais, correspondente a 0,32% (trinta e dois décimos por cento) do total da receita tributária daquele exercício, superior a dois trilhões de reais. O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal imposto de competência dos Estados, gerou mais de quatrocentos e quarenta bilhões de reais em receitas públicas, naquele mesmo ano. Não à toa, portanto, os esforços arrecadatórios dos entes estaduais se voltam com mais intensidade ao ICMS, do que ao ITCMD.
Tratando-se de doações de bens imóveis, a verificação da ocorrência do fato gerador do imposto estadual e a confirmação do seu recolhimento contam com o auxílio eficaz de notários e registradores. A transmissão de bens imóveis, no Brasil, inclusive por doações, exige, como regra, a lavratura de escritura pública e o seu registro no Registro de Imóveis, consoante expresso nos arts. 108 e 1.245 do Código Civil (CC). Responsáveis tributários subsidiários pelos tributos devidos sobre os atos por eles praticados, ou perante eles, em razão do seu ofício (conforme previsão do inciso VI do art. 134 do Código Tributário Nacional - CTN), nenhum notário lavrará uma escritura pública de doação de bem imóvel, nem haverá oficial registrador que registre a doação, sem a devida comprovação do pagamento do ITCMD. Os Estados e o Distrito Federal valem-se, assim, de eficientes instrumentos de fiscalização, quanto ao recolhimento desse imposto, nas doações de bens imóveis, em face da necessária participação dos delegatários de serviços públicos notariais e de registro, nesse mister. Aliás, desde a vigência da Emenda Constitucional nº 18/65, que inaugurou o sistema tributário nacional em moldes semelhantes aos hoje praticados, até a superveniência da Constituição de 1988, a competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, em se tratando de transmissões de bens, era mesmo restrita àquelas envolvendo imóveis (era o denominado ITBI, regulado pelo CTN, em seus arts. 35 a 42, que não se confunde com o atual ITBI, de competência dos Municípios, instituído com a última Constituição da República).
Um equivalente auxílio na arrecadação do ITCMD, contudo, inexiste em se tratando de doações de bens móveis ou mesmo de dinheiro. A transmissão da propriedade mobiliária independe de escritura pública, ou de registro, pressupondo apenas o negócio jurídico translativo e a tradição (entrega da posse), nos termos do art. 1.267 do CC. O contrato de doação de bens móveis, embora possa ser pactuado por escritura pública, também admite a instrumentalização por documento particular (art. 541 do CC). Mesmo a doação verbal é legalmente admitida, tratando-se de bens móveis e de pequeno valor, com entrega imediata do ativo ao donatário (parágrafo único do mesmo art. 541 do CC). Não documentadas as doações de bens móveis, ou de dinheiro, por escrituras públicas, e inexistindo a exigência de qualquer registro, falece à autoridade administrativa tributária meios tão substancialmente eficazes de controle dos atos praticados pelos contribuintes, que revelem a ocorrência de fatos geradores do imposto estadual, em comparação ao contexto das doações imobiliárias.
Um grande auxílio à fiscalização de doações de bens móveis e de dinheiro foi alcançado, pelas fazendas públicas estaduais, a partir da implementação de previsão normativa constante da redação original do CTN, de 1966: a permuta de informações com a União Federal (art. 199). Desde o final dos anos 2000, os Estados e o Distrito Federal firmaram convênios com a Secretaria da Receita Federal do Brasil e passaram a ter acesso aos dados de declarações de ajuste anual de imposto de renda da pessoa física, que incluem informações sobre doações realizadas. Em paralelo, inúmeras fazendas estaduais instituem a obrigatoriedade de entrega de declarações fiscais próprias, a serem apresentadas pelos contribuintes que realizem doações, inclusive de bens móveis ou de dinheiro.
Porém, mesmo com o acesso, via convênio, aos dados de declarações de imposto de renda, e mesmo com a exigência de entrega de declarações fiscais específicas para o ITCMD, certamente doações de bens móveis ou de dinheiro são realizadas, sem que haja a devida comunicação ao fisco, federal ou estadual, nem o pagamento do imposto incidente na operação. Nesse contexto, dispõe a autoridade fiscalizatória do prazo de 5 (cinco) anos, contado do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ser efetuado, para exigir do contribuinte o tributo devido, mediante a devida formalização do crédito tributário, tudo em conformidade ao disposto no art. 173, inciso I, do CTN. A jurisprudência, desde 2009, já firmou o entendimento de que o lançamento pode ser efetuado, em regra, a partir da data da ocorrência do fato gerador (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 973.733/SC, Primeira Seção, rel. Min. Luiz Fux, julgado em 12.08.2009, em regime de recurso repetitivo). Assim, realizado o fato gerador da doação de um bem móvel, ou de dinheiro, em um dado exercício, a fazenda estadual contará com o prazo de 5 (cinco) anos, a contar do primeiro dia do exercício subsequente à ocorrência desse fato, para promover o lançamento. No entanto, decorrido esse quinquênio, sem que o lançamento tenha sido emitido, nada mais resta a fazer: o crédito tributário do ITCMD estará extinto, pela decadência (inciso V do art. 156 do CTN).
Inobstante a aparente clareza dos preceitos legais sobre decadência e prescrição, bem como da sua interpretação jurisprudencial, nesse particular, a ausência de entrega de uma declaração de ITCMD, pelo contribuinte, à fazenda estadual do Estado de Minas Gerais, foi apontada como causa a impedir o conhecimento do fato gerador do imposto e, por consequência, a impossibilitar o cômputo do prazo de decadência para a constituição do crédito tributário. Segundo a posição do ente público, não declarada a ocorrência do fato gerador, pelo contribuinte, à Secretaria Estadual da Fazenda, não iniciaria o prazo quinquenal para o fisco emitir o lançamento. O entendimento fazendário veio a ser acolhido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), em interpretação bastante peculiar das regras sobre decadência e prescrição constantes do CTN e vigentes há mais de 50 (cinquenta) anos, para concluir pela aplicação de um prazo de 10 (dez) anos de prescrição, previsto na legislação civil.
Em boa hora, o Superior Tribunal de Justiça não apenas reformou a orientação do TJMG, mas reafirmou, em sede de recurso repetitivo, a jurisprudência já sedimentada naquela Corte Superior: “No caso do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD, referente a doação não oportunamente declarada pelo contribuinte ao fisco estadual, a contagem do prazo decadencial tem início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, observado o fato gerador, em conformidade com os arts. 144 e 173, I, ambos do CTN”. Trata-se da tese fixada como Tema 1048, em regime de recurso repetitivo, no Recurso Especial nº 1.841.798/MG, Primeira Seção, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 28.04.2021, DJe de 07.05.2021. Conforme exposto pelo Ministro Relator, “para o caso de omissão na declaração do contribuinte, a respeito da ocorrência do fato gerador do imposto incidente sobre a transmissão de bens ou direitos por doação, caberá ao fisco diligenciar quanto aos fatos tributáveis e exercer a constituição do crédito tributário mediante lançamento de ofício, dentro do prazo de cinco anos, cujo termo inicial é o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorrida a efetiva transcrição no registro de imóveis, ou a tradição do bem móvel”.
As fazendas estaduais e do Distrito Federal contam hoje com meios e instrumentos hábeis para promover a fiscalização quanto à ocorrência de fatos geradores do ITCMD. Porém, a atividade fiscalizatória tributária deve obediência a diversos limites, inclusive temporais, porque não há crédito incaducável, nem imprescritível. “As obrigações jurídicas são nascidas para morrer”, como bem apontado pelo Ministro Benedito Gonçalves, no citado REsp nº 1.841.798, e a morte jurídica, assim como a natural, pode advir do decurso do tempo. Transcorrido o quinquênio, contado do exercício seguinte àquele em que perfectibilizada a doação, já não mais será possível a exigência do ITCMD, se omissa a fazenda estadual na emissão do respectivo lançamento.
Edmundo Cavalcanti Eichenberg
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