A dedução de materiais na construção civil e o ISS: o que mudou com a nova interpretação do STJ e a decisão do TJSP
- Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados
- 30 de jul.
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Atualizado: 31 de jul.
O debate sobre a dedução dos materiais empregados na construção civil da base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) voltou ao centro das atenções jurídico-tributárias recentemente.
Por muito tempo, prevaleceu o entendimento, iniciado com a decisão monocrática da Ministra Ellen Gracie no julgamento do RE 603.497/MG, de que tais materiais poderiam ser excluídos da base do ISSQN, mesmo quando adquiridos por terceiros, desde que sujeitos ao Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). No entanto, a recente consolidação jurisprudencial no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, firmada em 2024, passou a adotar interpretação mais restritiva, limitando essa possibilidade de dedução a materiais produzidos pelo próprio prestador dos serviços de construção civil fora do local da obra e com incidência do ICMS.
Tal mudança gerou insegurança jurídica e grande impacto sobre o setor da construção civil, especialmente em municípios como São Paulo, que passaram a aplicar a nova orientação por meio de atos infralegais como o Parecer Normativo SF nº 03/2023. A resposta do setor foi rápida, culminando com o acolhimento, pela 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, de recurso interposto por entidades representativas da construção civil, restabelecendo o entendimento anterior em decisão liminar.
O impasse reside na interpretação do artigo 7º, §2º, I, da Lei Complementar nº 116/2003, e do artigo 14, §7º, I, da Lei Municipal nº 13.701/2003, que autorizam a exclusão, da base de cálculo do ISS, do valor dos materiais fornecidos pelo prestador nos serviços de construção civil (subitens 7.02 e 7.05 da lista anexa à LC 116/2003). A redação da norma municipal é clara ao prever a dedução dos materiais "incorporados ao imóvel, fornecidos pelo prestador de serviços", sem qualquer exigência sobre a origem ou forma de produção desses insumos.
Contudo, o Parecer Normativo SF 3/2023 restringiu esse direito apenas aos materiais produzidos pelo prestador fora do local da obra e com ICMS destacado, reproduzindo literalmente o posicionamento mais recente do STJ. A consequência foi o aumento da base tributável do ISSQN, com evidente majoração indireta do tributo — o que, conforme argumentado pelas entidades recorrentes, fere o princípio da legalidade tributária e excede a competência regulamentar do Poder Executivo, dependendo da edição de lei em sentido formal.
Na análise do caso, a 18ª Câmara de Direito Público do TJSP, no julgamento do recurso n.º 2199544-61.2025.8.26.0000, entendeu que o referido parecer não constitui mera norma interpretativa, mas sim ato que altera de forma indevida o conteúdo da lei municipal, criando condições para a dedução e invadindo competência legislativa. A decisão destacou que a dedução dos materiais da base do ISSQN é direito assegurado pela legislação vigente, devendo ser aplicada de maneira ampla, independentemente de os materiais terem sido produzidos ou adquiridos pelo prestador.
Ademais, o Tribunal reforçou que o sistema tributário brasileiro estabelece competências distintas e complementares entre estados e municípios: o ICMS incide sobre a circulação de mercadorias (materiais), enquanto o ISSQN recai sobre o preço dos serviços. Portanto, incluir o valor de materiais já tributados pelo ICMS (partindo-se da premissa de que tal tributo tenha sido recolhido na aquisição dos respectivos insumos) na base do ISSQN configura dupla tributação, contrariando o pacto federativo e prejudicando tanto as empresas quanto a lógica da arrecadação fiscal.
Para facilitar a visualização das mudanças e seus desdobramentos, a tabela abaixo resume a evolução do entendimento jurídico sobre a dedução de materiais da base de cálculo do ISS na construção civil:

Além de restabelecer a legalidade tributária, a decisão do Tribunal de Justiça Paulista traz benefícios práticos relevantes. Garante maior segurança jurídica às empresas do setor da construção civil, reduzindo riscos de autuações e litígios administrativos ou judiciais. Também assegura a coerência entre a legislação federal e municipal, preservando a neutralidade fiscal entre ICMS e ISSQN.
Do ponto de vista econômico, evita a bitributação indevida, permite um planejamento tributário mais eficiente e melhora o ambiente de negócios, especialmente em contratos públicos e obras de grande porte. Para os municípios, embora a dedução reduza a base do ISS, a conformidade legal evita riscos de judicialização em massa e amplia a confiança dos contribuintes na gestão tributária local.
A decisão da 18ª Câmara de Direito Público do TJSP representa um divisor de águas na tensão entre legalidade tributária, segurança jurídica e arrecadação municipal. Ainda que liminar, o restabelecimento do direito à dedução ampla dos materiais fornecidos pelo prestador sinaliza um retorno à racionalidade jurídica, à luz do texto legal e da sistemática constitucional da tributação de bens e serviços.
A despeito disso tudo, o cenário ainda exige cautela: a liminar será apreciada em julgamento definitivo e pode ser reformada com o advento de um acórdão. Ademais, o posicionamento recente do STJ, ao condicionar a dedução à produção própria dos materiais pelo prestador de serviços, tem se consolidado em sede de recursos repetitivos, o que reforça a necessidade de atenção redobrada por parte dos contribuintes. Enquanto não houver pacificação definitiva da matéria nos tribunais superiores — ou eventual revisão legislativa —, o tema continuará a suscitar controvérsias e insegurança jurídica.
A equipe Tributária de Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados possui sólida experiência na defesa de contribuintes do ramo imobiliário, como incorporadoras e construtoras. Colocamo-nos à disposição para assessorar empresas e entidades do setor na revisão de seus procedimentos fiscais, na análise de riscos e na adoção de medidas judiciais ou administrativas, inclusive em face de pareceres normativos que extrapolem os limites legais.
Luis Felipe Felix