O setor financeiro tem experimentado uma transformação significativa nos últimos anos, especialmente no que diz respeito aos métodos de pagamento e transferências. Entre as inovações mais notáveis, podemos citar os ativos virtuais, que estão transformando profundamente a forma como interagimos com o dinheiro e a economia.
Tendo em vista a rápida mudança e o crescimento do mercado de ativos virtuais, tornou-se crucial haver uma regulamentação sobre o tema, para estabelecer diretrizes aos prestadores de serviço dos ativos virtuais, além de oferecer uma maior segurança jurídica para os investidores.
Em 22 de dezembro de 2022 foi publicada a Lei nº 14.478 (“Lei nº 14.478”), conhecida como o “Marco Legal de Ativos Virtuais”, que passou a conferir um tratamento específico aos criptoativos dentro do sistema jurídico brasileiro. Segundo o texto da lei, ativos virtuais são definidos como “a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento”[1].
Além da definição de ativos virtuais, a lei estabeleceu diretrizes aos prestadores de serviços de ativos virtuais (exchanges), descritas na lei como pessoas jurídicas que executam, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços de ativos virtuais, como: (i) troca entre ativos virtuais e moedas nacional ou moeda estrangeira; (ii) troca entre um ou mais ativos virtuais,(iii) transferência de ativos virtuais, (iv) custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais ou (v) participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.
No Brasil, conforme estabelecido pelo Decreto nº 11.563, de 13 de junho de 2023 (“Decreto nº 11.5363”), a competência para regular, autorizar e supervisionar as prestadoras de serviços de ativos virtuais, bem como regular a prestação de serviços de ativos virtuais foi atribuída ao Banco Central do Brasil (“BACEN”), mantendo as atribuições de outros órgãos, como por exemplo a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), que ficou responsável pelos ativos considerados como valores mobiliários[2].
O objetivo principal da regulamentação é prevenir o uso indevido das ativos virtuais para atividades ilícitas, como a lavagem de dinheiro, financiamento de crimes, esquemas de pirâmide e fraudes financeiras, definindo penalidades para essas práticas ilegais envolvendo os ativos virtuais e conferindo regras que estabeleçam maior transparência em relação aos benefícios e riscos associados a esses investimentos.
Assim, com a Lei nº 14.478 e com o Decreto nº 11.5363, o BACEN tem realizado consultas públicas para definir e desenvolver as medidas regulatórias a serem implementadas. Em 14 de dezembro de 2023, foi divulgado o Edital de Consulta Pública nº 97 (“Consulta Pública nº 97/2023”), com o objetivo de coletar colaborações sobre diversos aspectos técnicos e proporcionar um espaço para que tanto cidadãos quanto agentes de mercado pudessem interagir com o regulador. A consulta foi encerrada em janeiro de 2024 e está em processo de sistematização dos comentários e das manifestações recebidas. As informações coletadas por ela serão utilizadas para a elaboração de um sistema regulatório apropriado para a atuação das prestadoras de serviços de ativos virtuais, alinhado com as diretrizes definidas na Lei nº 14.478.[3]
No âmbito da Consulta Pública nº 97/2023 foram abordados 38 (trinta e oito) questionamentos, destacando-se, entre outros, o tema de segregação patrimonial e gestão de riscos das atividades desenvolvidas, com o objetivo de obter do mercado sugestões sobre mecanismos operacionais e jurídicos eficazes para garantir a separação entre o patrimônio dos clientes e o dos prestadores de serviços de ativos virtuais, para evitar que as prestadoras de serviços de ativos virtuais se utilizem dos ativos virtuais de clientes para operações próprias.
Adicionalmente, o BACEN permitiu que o mercado apresentasse comentários gerais sobre aspectos ainda não citados na consulta pública, os quais deveriam ser considerados na regulamentação do mercado de ativos virtuais.
Ressalta-se que antes da divulgação da Consulta Pública nº 97/2023, o BACEN, dentre outras medidas, anunciou ao mercado, por meio do Comunicado nº 40.874, de 06 de novembro de 2023, que os prestadores de serviços de ativos virtuais que já estão em operação podem continuar suas atividades sem precisar de autorização prévia, até que o novo ato normativo que regulará esse tema entre em vigor.
O BACEN optou por dividir o processo de regulamentação do mercado de criptoativos no Brasil em etapas distintas. Dentre os próximos passos está (i) abrir uma segunda consulta pública sobre as normas gerais de atuação dos prestadores e de autorização ainda no segundo semestre; (ii) planejamento para regulamentar as stablecoins, focando em pagamentos e no mercado de câmbio e capitais internacionais; e (iii) desenvolvimento e aperfeiçoamento do arcabouço complementar para recepcionar as entidades, como por exemplo, com atuação das exchanges no mercado de câmbio e capitais internacionais, regulamentação prudencial, prestação de informações ao BACEN, contabilidade, tarifas e suitability.[4]
A conclusão das propostas normativas está prevista para o final de 2024, após a análise das sugestões recebidas nas consultas públicas.
Ainda, destaca-se que a CVM também possui um papel importante na regulamentação dos ativos virtuais. Com o Parecer de Orientação nº 40, de 11 de outubro de 2022, a CVM esclareceu que, apesar de a "tokenização" não estar diretamente sob sua supervisão, qualquer emissão de valores mobiliários destinados à distribuição pública, incluindo tokens, estará sujeita às suas regulamentações.
Nesse cenário, é perceptível que a indústria de ativos digitais está em um momento decisivo de desenvolvimento e adaptação regulatória no Brasil, exigindo uma atuação cuidadosa dos envolvidos para que o marco regulatório evolua e proteja os investidores, combatendo práticas ilegais e garantindo um ambiente mais seguro para o crescimento deste mercado que está em constante transformação.
Larissa Rocha
Mariana Trica
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