Com os recentes episódios decorrentes da pandemia e aceleração de diversos processos evolutivos que estavam em curso, o setor jurídico está impactado e cada vez mais interessado nas novas ferramentas aplicadas à prática jurídica. A assinatura digital de um documento, oficializada desde 2001, agora passa a ser utilizada de forma recorrente, muito em razão das restrições de deslocamento que a pandemia nos impôs.
Acreditamos ser inevitável – e benéfica – a transformação da forma mediante a qual o mundo irá operar os negócios daqui para frente. Dentre as inúmeras mudanças que certamente virão, uma delas, ainda embrionária, surge como um potencial recurso mitigador de conflitos ainda inexplorado pela grande maioria dos profissionais que atuam no mercado jurídico e, consequentemente, pelas organizações por estes assessoradas: o “Smart Legal Contract” ou Contrato Legal Inteligente.
Um contrato legal inteligente consiste em um texto em linguagem natural, com certas partes – cláusulas, parágrafos, etc – programáveis através de algoritmos executáveis por máquina, o que possibilita conectar suas condições e obrigações diretamente a sistemas externos, como, por exemplo, para executar uma ação para iniciar um pagamento ou encaminhar uma fatura, permitindo assim incluir diversas funcionalidades aos contratos e aos negócios em si.
Atualmente, quando pensamos em contratos, pensamos em documentos em Word, físicos ou digitais, que ficam armazenados em arquivos físicos, em computadores ou até mesmo na nuvem. Estes contratos apenas armazenam as condições do negócio e somente podem ser interpretados por humanos, o que não ocorre com os Contratos Legais Inteligentes, pois estes podem, nos aspectos relacionados ao cumprimento ou não de suas disposições, ser interpretados por máquinas.
Consideremos, a título de exemplo, um contrato de locação comercial com pagamento do aluguel ajustado de forma variável. Em vez de monitorar manualmente o faturamento obtido pela locatária a fim de verificar o valor a ser aplicado ao aluguel variável, o locador usaria a tecnologia conectada diretamente ao banco de dados da locatária para detectar qual o faturamento mensal dela naquele período. O contrato legal inteligente seria programado para checar determinados dados no sistema de registros contábeis da locatária no período e, caso aquele valor fosse superior ao aluguel mínimo previsto em contrato, o próprio contrato legal inteligente poderia emitir o boleto de acordo com o percentual ajustado sobre o faturamento. Indo mais além, caso este contrato legal inteligente estivesse vinculado a alguma forma de pagamento, as partes poderiam determinar que o pagamento do aluguel se desse de forma automática.
Essa capacidade de gerar efeitos em tempo real surge como uma antítese para a aplicação dos Contratos Legais Inteligentes: se por um lado ela é capaz de solucionar incontáveis entraves dentro de um negócio, por outro ela gera insegurança aos contratantes, por haver nos contratos cláusulas auto executáveis, o que exigira um certo grau de confiança entre as partes e destas em relação aos sistemas informáticos umbilicalmente relacionados. Somente a partir da adoção da tecnologia, ainda que aos poucos, é que esta barreira de insegurança será superada.
Acreditamos que esta é apenas uma das inúmeras tecnologias que passarão a fazer parte da nossa rotina, ainda que leve um certo tempo para nos adaptarmos. A pandemia nos trouxe diversos ensinamentos, e, talvez, o maior deles seja a certeza de que tudo pode mudar e que devemos estar preparados para enfrentar estas mudanças.
Felipe Sebastiá Lobato
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