Risco silencioso do “Imóvel Regularizado pela Metade” — e seus impactos nas operações empresariais
- Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados

- há 7 dias
- 3 min de leitura
No mercado imobiliário empresarial, tornou-se cada vez mais comum encontrar situações em que o imóvel aparenta estar regularizado, mas, ao se aprofundar na análise registral e documental, revela-se um ativo cuja conformidade jurídica não corresponde integralmente à realidade negocial, societária ou física. Esse fenômeno — que chamamos de “imóvel regularizado pela metade” — tem sido um dos principais responsáveis por atrasos em operações, perda de financiamentos, insegurança contratual e litígios inesperados.
Um dos exemplos mais recorrentes é o das integralizações de imóveis em holdings patrimoniais que, embora constem nos atos societários, não são efetivamente registradas na matrícula. A empresa presume ser proprietária, movimenta o patrimônio como se fosse, mas juridicamente o imóvel permanece em nome de terceiros. Essa dissociação entre ato societário e registro imobiliário inviabiliza garantias, cisões, vendas e até simples reorganizações internas.
Outra situação frequente envolve lotes incluídos ou retirados de condomínios empresariais sem a adoção das formalidades legais e registrárias necessárias. A operação acaba produzindo unidades que, na prática, são tratadas como parte do condomínio, mas que, sob a ótica registral, não integram a estrutura condominial. O resultado é uma zona cinzenta que gera discussões sobre rateios, uso de áreas comuns, legitimidade de assembleias e obrigações financeiras.
Da mesma forma, muitas empresas passaram por reorganizações societárias — incorporação, fusão, criação de filiais — sem atualizar os contratos, aditivos e instrumentos imobiliários que estruturam as operações de compra e venda, promessa, cessão ou garantia. Essa falta de atualização documental provoca inconsistências entre a cadeia dominial, os poderes de representação e a realidade societária atual, fazendo com que cartórios travem registros e bancos imponham exigências que atrasam negócios inteiros.
Outro problema que tem se tornado crítico diz respeito às alienações fiduciárias não baixadas após a quitação. Apesar de o pagamento extinguir a dívida, a baixa registral nem sempre é feita dentro do prazo pactuado, gerando multas, responsabilização civil e, principalmente, impedimentos em novas operações de crédito ou em alienações futuras. Esse tipo de descuido transforma um imóvel livre de ônus em um ativo artificialmente indisponível.
Também ganham destaque as divergências entre área “de fato” e área “de direito”. É comum que a metragem reconhecida pela Prefeitura seja diferente daquela inscrita na matrícula. Essa aparente sutileza impede aprovações de projetos, dificulta obtenção de alvarás, restringe operações de desmembramento ou unificação e, em casos mais graves, gera disputas entre vizinhos ou dentro de condomínios.
Esses problemas, que antes eram tratados como meras “pendências burocráticas”, tornaram-se hoje fatores determinantes para a viabilidade das operações empresariais. Bancos estão mais rigorosos, fundos exigem auditorias profundas, prefeituras cruzam dados em tempo real, cartórios ampliaram o controle de conformidade e condomínios corporativos estão mais estruturados em seus procedimentos. O resultado é simples: um imóvel apenas parcialmente regularizado deixa de ser um ativo e passa a ser um passivo operacional e jurídico.
Por isso, empresas mais estruturadas adotam políticas permanentes de revisão imobiliária, com auditoria contínua de matrículas, atualização de contratos, análise preventiva de gravames, regularização de áreas e implementação de governança documental. Essa abordagem evita surpresas e confere segurança, liquidez e previsibilidade às operações, especialmente em momentos sensíveis como desinvestimentos, reorganizações societárias, operações de crédito ou negociações com fundos.
Em um cenário cada vez mais exigente, a pergunta-chave para qualquer empresa é: o registro do seu imóvel reflete integralmente a sua realidade jurídica e operacional? Se a resposta for incerta, o risco de o ativo estar regularizado “pela metade” é real — e a correção preventiva sempre custa menos do que a solução emergencial.
Mariana Ribas




