As inovações em compartilhamento de espaços, a facilidade de locomoção, e a comodidade dos aplicativos, têm chamado a atenção das pessoas para plataformas como o Airbnb, destinado à acomodação por curto período.
Essa ferramenta não foi novidade apenas na esfera digital, mas também despertou novos questionamentos no âmbito jurídico, começando pela classificação. Há uma corrente que entendeu se tratar de locação por temporada (Lei nº 8.245/91), e há quem considerou como serviço de hotelaria (Lei nº 11.771/08).
Para os condomínios a novidade trouxe um problema, sem um entendimento consolidado, não há orientação quanto à possibilidade de vetar o uso do Airbnb pelos moradores.
O proprietário da unidade que deseja colocar seu imóvel para alugar, defende-se com o argumento de que entre os poderes inerentes ao direito de propriedade, está o de dispor e fruir do bem. Já o condomínio, encontra argumentos na defesa da segurança e sossego dos moradores.
Diante desta incerteza, é preciso observar em qual sentido os tribunais têm decidido sobre a questão.
Em decisão recente[1], a juíza do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Ana Lúcia Soares Pereira Mazza, deferiu tutela de urgência, permitindo a locação de imóvel em condomínio pela plataforma do Airbnb.
No caso, a magistrada considerou que a locação por temporada não estava proibida na convenção do condomínio, e que a assembleia realizada para esse fim não atingiu o quórum mínimo necessário.
“Ressalva-se que a decisão da assembleia, contra a qual se insurge a requerente, que proibiu as locações por temporada, não pode ser considerada, uma vez que não houve alteração da Convenção Condominial, sendo certo que, para tanto, é necessário o quórum de aprovação de 2/3 dos votos dos condôminos, na forma do artigo 1.351 do CC, o que não ocorreu no caso vertente.”
Outro apontamento interessante foi acerca do fato de que não houve comprovação por parte do condomínio, por meio de indicações na ata da assembleia, de que os locatários tenham gerado transtornos aos condôminos.
Este é um ponto relevante, visto que a maior preocupação de outros moradores e síndicos, são os transtornos que podem ser causados e a ameaça à segurança pela circulação de pessoas estranhas ao convívio cotidiano.
Ao trazer essa questão a decisão, reforça a necessidade de refletir que se não há um problema ocorrendo, uma experiência negativa já vivida pelos condôminos, ou uma ameaça real à paz e convívio, não seria a proibição da plataforma a primeira opção, não devendo a proibição ser vista como prevenção.
A sentença, então, determinou que o condomínio se abstenha:
“(I) de proibir a locação por temporada pela autora, inclusive pela plataforma Airbnb; (II) de aplicar multas em decorrência das locações por temporada; (III) de proibir a entrada, saída, gozo e fruição de todo e qualquer locatário do imóvel da autora, em razão de vínculo decorrente de locação por temporada, inclusive pela plataforma Airbnb.”
Essa decisão abre caminho para o entendimento de que, em regra, nada impede o uso da plataforma, visto que a locação por temporada tem fins residenciais, logo o proprietário ao utilizar não estaria desviando da finalidade de moradia do bem.
O argumento de quem acredita na finalidade comercial da locação, é de que como há recebimento de diárias, torna-se uma atividade comercial, e essa caracterização não combina com o condomínio residencial, que para ter a destinação alterada, seria necessário quórum de unanimidade.
Além disso, no livro “A lei do inquilinato – comentado artigo por artigo”, Sylvio Capanema já esclareceu que a locação por temporada não se confunde com a atividade exercida por hotéis, apart-hotéis e semelhantes.
A diferença é que nas locações de imóveis por temporada, ainda que mobiliados, o locador não presta serviços regulares ao locatário, como acontece nos hotéis.
Mas, vale ressaltar que a convenção do condomínio, como sua lei maior, tem a competência de limitar a atividade, superando o interesse geral dos condôminos sobre o interesse particular.
Como comentado na decisão, para a alteração da convenção de condomínio, é necessário o quórum de 2/3 dos condôminos, de acordo com o artigo 1.351 do Código Civil[2]. Se esta exigência mínima não for cumprida, a decisão da assembleia não será válida.
Art. 1.351: Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos.
Logo, se os condôminos optarem por regular o uso da plataforma no prédio, o primeiro passo a ser observado é a convocação e reunião dos condôminos necessários, em assembleia.
Algumas alternativas e ideias para o controle são:
Exigir que o proprietário forneça a lista de locatários, com seus dados, ao condomínio - Pode ser estipulado que o proprietário informe com antecedência uma relação de hóspedes agendados, para que o condomínio saiba a frequência e quantidade de pessoas que passarão por lá a cada mês e durante os feriados. Também permite que a portaria faça um controle mais eficiente do acesso ao prédio.
Exigir que os locatários apresentem um documento original com foto na portaria - Como um dos maiores problemas é a insegurança por não saber quem está frequentando o ambiente de convívio residencial, uma alternativa é a identificação logo na chegada, para ter informações de quem está passando os dias no prédio.
Que os locadores instruam os locatários acerca das regras de convívio do condomínio - Para que não ocorram problemas que poderiam ser evitados pelo cumprimento das regras, uma boa solução é que o proprietário disponibilize um exemplar do regimento interno e informe ao locatário da necessidade de conhecer e respeitar as regras, como condição para a locação. É importante que os hóspedes fiquem cientes dos horários de funcionamento das áreas comuns, por exemplo.
Que o locador defina expressamente o número máximo de pessoas no imóvel a cada locação - Para evitar tumulto e barulhos em excesso, na própria plataforma o proprietário já pode deixar expressa a quantidade máxima de pessoas por locação no imóvel, e esta limitação pode ser levada em assembleia de condomínio, e estipulada em votação para que todos possam opinar e ficar cientes da limitação.
Promover assembleias sobre o uso da plataforma, para acompanhar os acontecimentos e reações dos demais moradores - Tão importante quanto definir as regras, é acompanhar como está sendo no dia a dia, quais os problemas estão aparecendo, e quais ajustes e melhorias podem ser feitos para todas as partes ficarem satisfeitas. Esse acompanhamento deve servir de espaço para que todos se manifestem, e contarem experiências.
Também serve para que moradores que não utilizam ou não conhecem a plataforma, possam entender como funciona e tirar suas dúvidas.
Uma outra sugestão para esse acompanhamento é um canal de comunicação, ou livro de registro de ocorrências direcionado ao assunto de locação por temporada, para que fique tudo registrado e concentrado.
Essas ideias são alternativas para que esta facilidade não se torne um problema para o condomínio, e para que o proprietário da unidade possa dispor de sua unidade sem atrapalhar a coletividade.
Se todos conhecerem a locação por temporada, entenderem e debaterem o uso do aplicativo, a questão deixará de ser um problema. Todas as partes serão respeitadas, e a proibição e eventuais litígios envolvendo o condomínio serão evitados.
Mariana Saad
[1] TJRJ. Processo nº 0287295-88.2020.8.19.0001. Julgamento por MM. Dra. Juíza Ana Lucia Soares Pereira Mazza. DJ: 18/12/2020. Cartório da 19ª Vara Cível do Tribunal de Justiça da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro.
[2] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
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