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Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados - Especialista em Direito Imobiliário

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O princípio da responsabilidade patrimonial e as fraudes frente às mudanças na lei nº13.097/2015

A compra e venda de bem imóvel, salvo melhor juízo, deve ser precedida de algumas medidas mínimas de verificação pelos respectivos adquirentes. Deve-se avaliar (i) a existência e higidez do direito que está sendo transmitido, bem como (ii) a capacidade de dispor do vendedor/alienante. Aí encontramos a razão de serem feitas as auditorias jurídicas imobiliárias.


Em relação ao primeiro campo de análise, verificam-se os títulos e documentos por meio dos quais o domínio sobre o imóvel foi adquirido e o seu registro imobiliário, a fim de apurar se existe óbice capaz de afetar o direito dominial de tal forma que possa impedir ou prejudicar o negócio jurídico da compra e venda daquele imóvel.


Já com relação ao segundo campo de análise, verificam-se os documentos do vendedor/alienante a fim de verificar se existem ações ajuizadas capazes de reduzir o alienante à insolvência.


É em razão da existência do Princípio da Responsabilidade Patrimonial que é feita a análise de solvência e capacidade de dispor do alienante. Segundo esse princípio todos os bens de determinada pessoa estão sujeitos a satisfazer as obrigações com as quais se obrigou. Se a soma de suas obrigações (existentes, futuras ou decorrentes de ações ajuizadas) for superior ao valor total dos seus bens, o alienante não pode dispor deles livremente. Nesta hipótese, a alienação dos bens do alienante devedor deve respeitar ordem de preferência e concurso de credores por meio de procedimentos previstos em Lei. Para as pessoas físicas, o mecanismo a ser adotado deve ser o processo de insolvência civil previsto nos art. 748 e seguintes da Lei nº 5.869/73, o Código de Processo Civil de 1973 (“CPC/73”), cf. disposição do art. 1.052 da Lei nº 13.105/15, o novo Código de Processo Civil (“CPC/15”); para pessoas jurídicas, os mecanismos a serem adotados, conforme o caso, são o de recuperação judicial ou de falência de acordo com as disposições da Lei 11.101/05 (“Lei de Falências”).


Não sendo adotados tais procedimentos com concurso de credores, diante da alienação de bens pelo devedor insolvente, apresentam-se as possibilidades de decretação de fraude (tanto nas variantes de fraudes a credores, como fraude à execução) para o controle da disponibilidade de bens e respeito à boa-fé objetiva.


O que o adquirente deve buscar mediante tais análises é evitar as consequências indesejáveis como (i) a perda da propriedade por determinação judicial como consequência da inexistência ou vicissitude do bem/direito adquirido e/ou (ii) a decretação de anulabilidade ou ineficácia em razão da decretação de fraude (fraude a credores prevista nos arts. 158 e seguintes do CC/02 ou à execução prevista no art. 792 do CPC/15, respectivamente).


Nesse contexto se encontra a análise das certidões de distribuição de feitos ajuizados em face do vendedor/alienante, já que por meio delas é possível identificar, ao menos parcialmente, os riscos das consequências inconvenientes apontadas acima. Entretanto, seria a sua análise exigível?


A Lei Federal nº 13.097/2015 reforçou o chamado Princípio da Concentração dos Atos na Matrícula estabelecendo que não poderão ser opostas aos adquirentes fatos ou dívidas não constantes no registro imobiliário dos imóveis, dispensando expressamente a busca e exigência da apresentação de certidões de distribuição de feitos judiciais para o fim de caracterizar boa-fé nas aquisições imobiliárias. Nos artigos 54 a 59 da mencionada Lei, determina-se que sejam consolidadas nos registros imobiliários dos imóveis (transcrição ou matrícula, a depender da data de registro do último ato) as informações sobre situações jurídicas que possam afetar ou até inviabilizar a transmissão da propriedade do bem imóvel.


Vale observar que desde entrada em vigor da Lei nº 13.097/2015 houve extensa discussão a respeito da aplicabilidade da norma mencionada já que o novo código de processo civil, o CPC/15, teve publicação posterior e contém, no inciso IV do art. 792, disposição que parece entrar em conflito com as disposições dos artigos 54 a 59 da Lei mencionada.


No entanto, a inclusão do §2º no art. 54 da Lei nº 13.097/2015 pela Medida Provisória 1.085/21, posteriormente convertida em lei com a aprovação da Lei nº 14.382/2022, ao que parece, foi realizada com o objetivo de superar eventuais questionamentos e orientar a interpretação a respeito das disposições do art. 792 do CPC/15 conforme Lei nº 13.097/2015. O §2º do art. 54 da Lei nº 13.097/2015 foi aprovado com o seguinte texto:


“Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:

(...)

§ 2º Para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos a que se refere o caput deste artigo ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real, não serão exigidas: (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)

I - a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles requeridos nos termos do § 2º do art. 1º da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985; e (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)

II - a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)” (grifos nossos)


Não se pretende ignorar a existência de nova discussão doutrinária a respeito da constitucionalidade da alteração introduzida pela Medida Provisória 1.085/21 posteriormente convertida na Lei nº 14.382/2022 por conta de eventual vício formal na sua origem, já que parte da doutrina entende ter havido alteração material do CPC/15 (ainda que de forma indireta) por meio da modificação das normas da Lei nº 13.097/2015. Segundo esse entendimento, tal seria capaz de macular a constitucionalidade das alterações promovidas, incluindo o §2º do art. 54 da Lei nº 13.097/2015, uma vez que é vedada a alteração de norma processual por meio de medida provisória nos termos da Constituição Federal (cf. alínea “b” do inciso I do §1º do art. 62).


Por outro lado, não se tem notícia de decisões peremptórias em eventuais questionamentos a respeito da constitucionalidade das mencionadas alterações perante o Supremo Tribunal Federal via Ação Direta de Inconstitucionalidade ou outra forma de controle de constitucionalidade concentrado. Assim, ao menos em tese, deve-se interpretar a legislação segundo o Princípio da Presunção de Constitucionalidade das leis, para quaisquer transações a serem realizadas no período compreendido entre o início da vigência da Lei nº 14.382/2022 e a incerta e ocasional possibilidade declaração de inconstitucionalidade.


O Princípio da Concentração dos Atos na Matrícula é considerado por muitos como estímulo à livre circulação de bens e favorável aos propósitos econômicos. A Sociedade Brasileira vem, há muito, buscando a desburocratização e a supressão dos entraves econômicos, sendo a edição da Lei nº 13.097/2015, ratificada pela Lei nº 14.382/2022, creditada como mais um exemplo da trajetória neste sentido.


Contudo, salvo melhor juízo, as discussões a respeito da aplicação das normas do CPC/15 sem a orientação das modificações introduzidas pela Lei nº 14.382/2022 no art. 54 da Lei nº 13.097/2015 poderiam, ainda, alcançar e resultar nas consequências indesejadas de ambos os campos de análise da auditoria jurídica imobiliária acima mencionadas, de forma que a recomendação continua a ser de realização de análise dos documentos relativos ao imóvel, juntamente com documentos e certidões de distribuição do atual proprietário e de seus antecessores. Até que tenha se formado verdadeira jurisprudência sobre o tema, será a maneira mais segura de evitar os riscos e custos, dispensando o adquirente de boa-fé da necessidade de apresentar defesa na hipótese de alegação de realização de alienação fraudulenta.


Gustavo Cavaliere

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