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Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados - Especialista em Direito Imobiliário

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Lei da Liberdade Econômica e a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica

Tendo em vista a notória burocratização dos processos que envolvem a atividade empresarial no Brasil, com grande intervenção estatal, somada à falta de segurança jurídica, a extensa regulação das relações de trabalho, entre outros fatores, o país tem vivido nas últimas décadas uma grave estagnação no setor econômico.


Tanto isso é verdade que o Brasil figurava, em 2019, em 150º posição no ranking de Liberdade Econômica da Heritage Foundation/Wall Street Journal, 144º posição no ranking de Liberdade Econômica do Fraser Institute, e 123º posição no ranking de Liberdade Econômica e Pessoal do Cato Institute.


Para tentar mudar essa realidade, foi publicada a MP 881/2019, depois convertida na Lei 13.874, de 20/09/2019 (Lei da Liberdade Econômica), a qual busca, entre outros objetivos, remover obstáculos burocráticos para as empresas, respeitar direitos de propriedade, restringir a influência do governo na economia e aumentar a segurança jurídica.


No que concerne à segurança jurídica, a Lei se atentou para uma realidade preocupante observada nas decisões judiciais nos últimos anos, qual seja, o abuso na aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, com extensão da responsabilidade da sociedade aos sócios de forma praticamente automática, sem investigação acerca da intenção do agente na prática do ato cujos efeitos são ampliados para atingir a esfera patrimonial da pessoa física.


É verdade que o Superior Tribunal de Justiça já vinha, por meio de suas decisões, traçando limites à aplicação indiscriminada do instituto pelos órgãos judicantes inferiores. Assim, a Lei da Liberdade Econômica veio, em última análise, positivar critérios mais objetivos e restritivos para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica já consagrados nas decisões do Tribunal Superior, buscando fortalecer a limitação da responsabilidade do empresário.


Nesse sentido, a Lei 13.874/19 modificou a redação do art. 50 do Código Civil, que regula o instituto da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do direito privado, para prever sua incidência apenas em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.


Ou seja, a lei passou a impor a limitação de que só podem ser atingidos os bens de quem se beneficiou da prática do abuso e, seguindo essa mesma linha, o parágrafo primeiro, do art. 50 (também inserido pela Lei) veio esclarecer expressamente o que constitui o desvio de finalidade, definindo-o como a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.


Portanto, a partir das alterações trazidas pela Lei da Liberdade Econômica, aquele que busque desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade para alcançar os bens do administrador/sócio deverá demonstrar que este agiu com a intenção de lesá-lo ou visando à prática de um ato ilícito. Isso significa que apenas poderão ser atingidos os bens do administrador/sócio que realmente tenha obtido vantagem – direta ou indireta – com o ato abusivo e tenha deliberadamente buscado essa finalidade.


Ainda, no que tange ao ato ilícito, também se ressalva que somente caracterizará desvio de finalidade o ato antijurídico do qual decorra benefício ao agente como, exemplificativamente, a prática de fraude fiscal.


A Lei em tela ainda trouxe, ao inserir o § 2° do art. 50, do CC [1], a definição do que configura confusão patrimonial, conceituando-a como a ausência de separação de fato entre os patrimônios, nas hipóteses ali expressamente elencadas.


Trata-se de um requisito indispensável para configuração da distinção da personalidade jurídica da empresa e dos seus sócios que seus patrimônios sejam mantidos realmente separados, com perfeita identificação do que pertence a um ou outro, sem que se vislumbre qualquer comunicação entre os acervos, salvo as hipóteses justificadas legalmente como, por exemplo, as retiradas dos sócios resultantes da distribuição dos lucros ou os pagamentos à sociedade referentes à integralização de quotas de capital.


Em suma, pode-se dizer que as alterações introduzidas pela Lei da Liberdade Econômica no Código Civil, com a finalidade de firmar parâmetros e restringir a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, como as que acima foram citadas (há outras que ora não foram abordadas) representam um avanço para o incremento da atividade empresarial, trazendo maior clareza e, portanto, segurança em relação ao instituto.


É certo que ainda haverá de se avançar mais, tendo em vista que outros microssistemas jurídicos que também tratam do tema da desconsideração da personalidade jurídica e que, por vezes, geram situações que podem se mostrar injustas, como a CLT e o CDC, não foram diretamente afetados pela Lei 13.874/19.


De toda forma, os operadores do direito, especialmente os advogados que atuam em favor das empresas e empresários, a partir da vigência da Lei da Liberdade Econômica, contam com importante suporte legislativo para buscar a efetiva e necessária distinção entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas que dela fazem parte, garantindo a limitação da responsabilidade dos sócios, o que é indispensável para fomentar os investimentos na atividade empresarial e o desenvolvimento econômico.


-


[1] Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

[...]

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)



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