O Rio Grande do Sul enfrenta, atualmente, uma série de consequências devido às recentes enchentes que assolaram o estado. Apesar de ainda ser cedo para mensurar com exatidão os prejuízos gerados, começaram a surgir os primeiros estudos sobre os impactos em diversas áreas, incluindo na economia do País.
Um dos setores mais afetados pelas enchentes foi o agronegócio, pilar da economia gaúcha e de extrema importância para o comércio exterior do Brasil, visto que só no ano passado foi o responsável pelo valor de US$ 22,3 bilhões em exportações para diversos países[1].
Os estudos apontam que produtos como arroz, soja, proteína animal e derivados de leite podem ter seus preços aumentados pela escassez causada pela destruição das plantações e da infraestrutura, tendo em vista que os impactos dos prejuízos atingem toda a cadeia produtiva, incluindo transporte e armazenamento de commodities agrícolas.
Com a insuficiência de commodities e com os consequentes desafios no setor rural, a rentabilidade de alguns Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros), também podem ser afetados. Por exemplo, aqueles Fiagros que possuem investimentos em empresas do Rio Grande do Sul (Fiagro-FIP) ou propriedades no estado (Fiagro-FII), podem enfrentar uma deterioração no desempenho, possivelmente exigindo renegociações de prazos e condições nos investimentos realizados, assim como outros produtos de investimentos ligados ao setor agropecuário, como a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA).
Ainda, em relação aos investimentos, os Fundos de Investimento Imobiliários (FII) que possuem ativos nas regiões afetadas também podem sentir os efeitos das enchentes, assim como alguns “fundos de papel”, ou seja, fundos que investem em títulos do mercado imobiliário. Entretanto, segundo pesquisas recentes, a maior parte dos fundos possuem propriedades fora das áreas afetadas, além de possuírem seguros que atenuam os eventuais danos.[2]
Outro ponto que pode ser afetado são os contratos de compra e venda futura de safra, tendo em vista que muitos dos produtos prometidos não poderão ser entregues aos compradores. Tal situação, deixa evidente a importância de inserir cláusulas nesses instrumentos para prever um acordo entre o vendedor e o comprador em situações extraordinárias que podem afetar o cumprimento do contrato e proteger os interesses de todas as partes envolvidas.
Ainda, o impacto das enchentes também se faz sentir no setor de seguros, com pedidos de indenização que já ultrapassam R$ 1,6 bilhão e com a expectativa de um aumento substancial desses pedidos.[3] Os estudos entendem que a enchente pode impulsionar a demanda por proteção e seguros na região sul do País, além de ocasionar a revisão dos prêmios de seguros e ajustes nas condições de cobertura para refletir o aumento do risco climático, aumentando consequentemente os custos para o seguro e as despesas de resseguros.
Na esfera econômica, segundo o panorama apresentado pelo governo estadual na Assembleia Legislativa realizada em 27 de junho, houve um declínio de 55% da circulação de mercadorias em comparação ao mesmo período de 2023, além da potencial redução do PIB de maio em até 20%, o que afeta diretamente na arrecadação do Estado.[4] Ainda, influenciado pelas enchentes, o Governo Federal elevou para 3,7% sua estimativa para a inflação oficial em 2024, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Diante desse cenário econômico desafiador, o Governo Federal, dentre outras medidas, (i) suspendeu, por três anos, a dívida que o Rio Grande do Sul tem com a União, através da Lei Complementar nº 206, de 16 de maio de 2024; (ii) lançou um programa emergencial para renegociar dívidas de empresas afetadas pelas enchentes, incluindo a suspensão, por um período de até 12 meses, de pagamento de juros remuneratórios e de principal dos empréstimos contratados na modalidade direta; (iii) concedeu acesso ao “BNDES Emergencial” de R$ 15 bilhões em linhas de crédito para pessoas jurídicas de todos os portes de municípios gaúchos em estado de calamidade pública; (iv) suspendeu, via bancos públicos, o pagamento de financiamentos por 12 meses; e (v) prorrogou o recolhimento de tributos federais por até 3 meses.[5]
Com o objetivo de mitigar os impactos econômicos da situação de calamidade pública no Rio Grande do Sul, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central aprovaram as seguintes medidas: (i) permitir que as instituições financeiras não caracterizem como ativos problemáticos as reestruturações de exposições de crédito afetadas pelos eventos climáticos ocorridos para não ocorrer o desestímulo à oferta de crédito; e (ii) isentar do cumprimento do compulsório sobre depósitos de poupança, pelo período de um ano, as instituições financeiras com mais de 10% de sua carteira de crédito concedida para pessoas físicas residentes ou pessoas jurídicas estabelecidas nos municípios onde foi decretado o estado de calamidade pública.[6]
No âmbito do mercado de valores mobiliários, a Comissão de Valores Mobiliários publicou, em 20 de junho de 2024, o Ofício-Circular nº 1/2024/CVM/SNC/GNC, com orientações quanto a aspectos relevantes a serem observados na elaboração das demonstrações contábeis, em virtude da situação de calamidade pública reconhecida no Estado do Rio Grande do Sul, destacando que as companhias de capital aberto que estejam expostas, mesmo que de forma indireta, devem refletir o fato nas suas demonstrações financeiras, além de fornecer em suas divulgações de sustentabilidade, disponibilizadas no mercado de valores mobiliários, informações específicas quanto ao risco físico de inundação.
Assim, mesmo que os impactos diretos e indiretos nos setores ainda estejam em fase de estudo, é evidente que alguns danos e consequências de longo prazo já estão aparecendo, afetando não só o Estado, mas o País como um todo. A colaboração entre setores público e privado, aliada a políticas de proteção e mitigação de riscos, será fundamental para a recuperação econômica e social da região.
Larissa Rocha
Mariana Trica
[1] https://forbes.com.br/forbes-money/2024/05/eduardo-mira-enchentes-no-rs-e-seus-efeitos-sobre-a-economia-do-pais/
[2] https://valor.globo.com/financas/noticia/2024/05/17/grupo-de-25-fundos-imobiliarios-listados-tem-exposicao-a-crise-no-rio-grande-do-sul.ghtml?ref=SaibaMaisMidArticle_Valor_Economico
[3] https://www.infomoney.com.br/mercados/tragedia-rio-grande-do-sul-como-as-seguradoras-da-b3-estao-lidando-com-o-maior-sinistro-historia-setor/#:~:text=%E2%80%9CA%20trag%C3%A9dia%20no%20Rio%20Grande,est%C3%A3o%20sendo%20contabilizados%20pelo%20setor.
[4] https://www.fazenda.rs.gov.br/conteudo/19800/na-assembleia%2C-fazenda-apresenta-balanco-do-impacto-das-enchentes-na-economia-e-nas-financas-do-estado