Infelizmente, em tempos pós-pandemia e diante da instabilidade econômica e política, empresas de diversos setores da economia nacional têm perdido capacidade produtiva e, consequentemente, reduzido drasticamente seu faturamento e, assim, deixando de honrar pontualmente determinadas obrigações.
Nesse cenário caótico de inadimplemento, surgem manobras jurídicas empregadas pelos credores para pleitear aquilo que consideram devido. Sob esse enfoque, passamos a analisar uma artimanha utilizada por diversos credores para exigir, de forma mais incisiva, créditos que supostamente seriam devidos: a utilização do pedido de falência como meio coercitivo de cobrança.
É importante destacar que o artigo 94 da Lei de Recuperações Judiciais e Falências (Lei 11.101/05) elenca as situações em que o pedido de falência pode ser realizado pelo credor, mediante a expedição de certidão de execução frustrada. Nesse sentido:
Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;
II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;
(...)
Temos observado, no dia a dia, um aumento expressivo no ajuizamento de ações dessa natureza, baseadas nas hipóteses acima, contra empresas nitidamente solventes, mas que, por circunstâncias diversas, tornaram-se impontuais no cumprimento de suas obrigações. Entendemos, sim, a ansiedade do credor para receber seus créditos, mas o pedido de falência deve ser utilizado com parcimônia, sob pena de desvio de finalidade da legislação específica.
Para compreender a gravidade do problema, é necessário observar que, seguindo o rito estabelecido pela Lei de Recuperações Judiciais e Falências, a empresa citada, além de apresentar sua defesa processual, poderá realizar, concomitantemente, o chamado “depósito elisivo” no processo. Essa medida visa garantir que, mesmo que a sentença de falência lhe seja desfavorável, seus efeitos sejam neutralizados no mundo jurídico, considerando que a parte poderá simplesmente levantar o valor depositado no processo (art. 98, parágrafo único da Lei de Recuperações Judiciais e Falências).
Diante do risco processual significativo caso inexista o depósito elisivo, uma vez que o julgamento de procedência do pedido pode levar a empresa à bancarrota, não é incomum que as empresas demandadas busquem apoio no mercado, especialmente junto a instituições financeiras, para viabilizar esse depósito.
Nesse contexto, surge um problema de ordem pragmática: a existência de ações desse tipo contra a empresa que busca crédito reduz consideravelmente suas linhas de financiamento (e, em alguns casos, pode inviabilizá-las por completo, caso a instituição financeira considere o negócio excessivamente arriscado). Tal situação acarreta um impacto grave, que, em nossa visão, afronta o princípio da preservação da empresa.
Cabe ressaltar que a Lei de Recuperações Judiciais e Falências tem como objetivo a manutenção das empresas no mercado, pois, além de sua função econômica, exercem uma função social essencial ao fortalecer a economia do país, gerar riquezas e empregar trabalhadores.
Na hipótese em que o credor ajuíza o pedido de falência apenas para constranger o devedor a pagá-lo, em razão de uma determinada impontualidade, há uma clara afronta ao princípio da preservação da empresa. Ademais, é evidente que o credor, ao propor tais ações, geralmente não tem interesse na falência da empresa, mas sim no recebimento do crédito devido, o que seria completamente contrário às diretrizes e interesses embutidos na Lei de Recuperações Judiciais e Falências.
Além de buscar a liquidação de eventuais ativos da empresa para satisfazer os credores, a referida legislação também visa extirpar do mercado gestores ineficientes, prevenindo prejuízos coletivos aos credores e ao próprio setor econômico.
Se uma empresa é bem gerida, está saudável e apenas se tornou inadimplente com um credor específico, não nos parece razoável que isso justifique o pedido judicial de falência, cabendo ao juiz, no caso concreto, analisar a demanda proposta e, se for o caso, rejeitar o pedido de falência.
Embora a legislação preveja que a empresa possa ser levada à falência nas hipóteses do art. 94 da Lei de Recuperações Judiciais e Falências, não nos parece descabida a tese de que o juízo pondere a situação concreta. Assim, deve considerar a capacidade de pagamento da empresa, avaliar suas dívidas efetivas e verificar se o caso em questão configura mera impontualidade, interpretando a legislação à luz de seus princípios, sob pena de acarretar prejuízos irreparáveis às empresas e ao mercado como um todo.
Dessa forma, nosso time contencioso do escritório Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados está atento e aprimorando os meios defensivos contra pedidos de falência que, nitidamente, afrontam os princípios da Lei de Recuperações Judiciais e Falências, visando sempre oferecer aos clientes um trabalho jurídico de excelência, alinhado às mudanças no perfil das execuções.
Wallyson Thadeu Silva Costa