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Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados - Especialista em Direito Imobiliário

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Conflito Entre Direitos: O Usucapião como Limitador dos Efeitos da Nulidade de um Negócio Jurídico

Certezas absolutas são perigosas dentro do Direito. Muitas vezes, acabam por gerar confusões que poderiam ser evitadas. Por exemplo, recorrentemente escuta-se a máxima de que a decretação de nulidade de um ato/negócio jurídico transmite esse vício para todos os negócios subsequentes, tornando-os igualmente nulos.

 

Entretanto, nem sempre essa afirmativa será verdadeira. Isso porque é necessária uma visão ampla dos direitos tutelados, bem como de termos presente a noção de que, não raro, acontecerá uma colidência entre esses direitos, que precisará ser solvida de algum modo. É nesse campo que o presente artigo adentra, trazendo uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) como norteadora da discussão.

 

Em fevereiro de 2023, o ELA ADVOGADOS obteve para um de seus clientes decisão favorável em Recurso Especial interposto no STJ[1], em processo que perdura desde 1996. Após sentença favorável em primeiro grau, o entendimento havia sido reformado em Recurso de Apelação pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o que levou a discussão ao STJ, tornando nulo o Acórdão recorrido e devolvendo-o para reanálise ao Tribunal de Origem.

 

A discussão central era a possibilidade, ou não, de considerar nulas as sucessivas alienações de determinado imóvel que, na origem, padeceriam de nulidade. Isso porque a transferência nula, teria sido realizada por apenas um dos herdeiros, sem a participação dos demais coerdeiros, mas com a chancela do Poder Judiciário mediante alvará judicial de venda. Atualmente, o imóvel se encontra sob propriedade de adquirente de boa-fé.

 

Em primeira análise, não há dúvidas que seria nulo um negócio realizado com patrimônio comum sem a anuência de todos os herdeiros. Todavia, no caso concreto analisado, o negócio foi celebrado com a chancela do Poder Judiciário nos autos do Inventário. Assim, configurou-se como uma compra e venda non domino, que pode ser sintetizada como sendo uma “alienação empreendida por aquele que não é proprietário da coisa, mas em que o adquirente tem a convicção de que negocia com o proprietário, uma vez que o seu título mostra instrumentalmente perfeito, hábil a iludir qualquer pessoa[2].

 

O Acórdão do Tribunal de Origem, que foi considerado nulo pelo STJ, referiu que a ausência de manifestação de vontade dos coerdeiros da herança do falecido, no primeiro negócio jurídico que deu origem à cadeia de alienações, provocaria sua nulidade e, consequentemente, a nulidade de todas as demais alienações. Disse, também, que a busca pela nulidade de atos é imprescritível, bem como que superaria a boa-fé dos adquirentes, que não poderia ser arguida como elemento apto ao reconhecimento do usucapião. Assim, determinou o retorno das partes ao status quo ante.

 

A ação, ajuizada em 1996, buscava a declaração de nulidade de compra e venda ocorrida em 1977. Havia quase 20 anos, portanto, entre o negócio considerado nulo e o ajuizamento da demanda.

 

É nesse cenário que, mais uma vez, repisa-se a importância de uma visão abrangente do Direito, e de como se relacionam as tutelas a serem conferidas na prática.

 

Perceba-se que o Tribunal de Origem, acertadamente, referiu ser caso de nulidade da compra e venda, ainda que não haja discussões sobre a boa-fé dos compradores. Entretanto, foi através da decisão do Superior Tribunal de Justiça que se fez a necessária distinção de direitos: a transferência a non domino não descaracteriza o reconhecimento do justo título, nem afasta os efeitos da boa-fé. E esses dois elementos são fundamentais para o reconhecimento do usucapião e a definição de seus prazos, como efeito do exercício prolongado da posse sobre determinado bem.

 

Muito embora não existam dúvidas de que a nulidade não se convalida pelo tempo, podendo ser arguida a qualquer tempo[3], esse direito entra em colisão com outra norma: a que confere efeitos à passagem do tempo, viabilizando a aquisição de direitos de propriedade pelo usucapião (no caso, usucapião tabular, que consiste na aquisição a título oneroso cujo registro foi posteriormente anulado).


A declaração de usucapião é forma de aquisição originária da propriedade, sendo espécie de prescrição aquisitiva que se implementa, especialmente, pela passagem do tempo. A arguição de nulidade, então, embora imprescritível, deve ser feita em prazo adequado, pois transcorrido determinado período, definido por Lei, pode ter seus efeitos superados pelo reconhecimento do usucapião do imóvel.

 

Assim sendo, o STJ entendeu, coerentemente, que o Tribunal de Origem deveria analisar a arguição de usucapião tabular aventada, considerando ser o transcurso do tempo implacável, até mesmo contra os efeitos da nulidade arguida.

 

Nesse caminhar, a presunção de legitimidade do registro, associada à boa-fé do adquirente, culmina por excepcionar a intransigência da regra geral de que o negócio jurídico nulo não é insuscetível de confirmação, tampouco convalesce pelo decurso do tempo.

               

Aliás, a própria Lei de Registros Públicos[4] refere expressamente, no artigo 214, §5º, que “a nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel”.   

 

No caso em concreto, em atenção às previsões legais atinentes à época, a adquirente final e ré no processo de fato preencheu as condições (inclusive temporais) para usucapir o imóvel, de forma que as nulidades suscitadas por uma das partes não podem se sobrepor à aquisição originária da propriedade. Assim, retornando ao Tribunal de Origem, novo acórdão foi proferido, mantendo a improcedência da ação, dando a correta expressão à decisão do STJ.

 

Nesse cenário, necessário pontuar que não está em discussão a gravidade do fato gerador de toda a avença: é falta grave os atos que conduziram à nulidade do primeiro negócio, e não há dúvidas de que tal ato é caso de invalidade de todos os atos jurídicos subsequentes. Contudo, importante estar atento ao transcurso do tempo, que não impedirá eventual aquisição originária por causa independente que, invariavelmente, torna inócuo o direito de reivindicar a nulidade.

 

Já dizia o antigo brocardo jurídico: o Direito não socorre aos que dormem. Mantenhamo-nos, pois, acordados e atentos, analisando o Direito enquanto ciência ampla e dotada de inúmeros vieses e modos de solução de seus conflitos internos.

 

Daiana Mendes Mallmann

Heitor Santos Nunes

 

[1] REsp n. 1.690.979, Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 07/02/2023.

[2] REsp n. 1.106.809/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, relator para acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 3/3/2015, DJe de 27/4/2015.

[3] Vide artigo 169, do Código Civil: O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso de tempo.

[4] Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

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