top of page
Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados - Especialista em Direito Imobiliário

NOTÍCIAS

  • Foto do escritorEichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados

Condomínio de lotes não é loteamento: a confusão gerada pela Solução de Consulta Cosit nº 24/2023

Com certa surpresa, o mercado imobiliário recebeu a orientação externada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), através da Solução de Consulta Cosit nº 24, publicada em 1º de fevereiro de 2023 (SC Cosit nº 24/2023). Com fundamento na superveniência da Lei nº 14.382/2022, o fisco federal revisou o seu entendimento anterior, manifestado na Solução de Consulta Cosit nº 196/2015, em relação à amplitude das operações imobiliárias compreendidas como incorporação e, nessa condição, passíveis de sujeição ao Regime Especial de Tributação – RET, mediante prévia afetação do patrimônio.


O RET é um regime de tributação específico e outorgado, mediante opção dos incorporadores, para as incorporações imobiliárias que adotem o regime de afetação patrimonial. É um verdadeiro estímulo fiscal a que as incorporadoras instituam o patrimônio de afetação, que gera a segregação patrimonial dos direitos e obrigações vinculados a um específico empreendimento, em relação ao restante do patrimônio e dos demais compromissos do próprio incorporador. No RET, as receitas de vendas de unidades são submetidas a uma carga tributária de 4% (quatro por cento), significativamente inferior à aplicada no regime geral, de 6,73% (seis inteiros e setenta e três centésimos por cento), decorrente da soma das incidências de IRPJ (alíquota básica e adicional) e de CSLL, no lucro presumido, e de COFINS e de PIS, no regime cumulativo de apuração dessas contribuições.


Até a vigência da Lei nº 14.382/2022, segundo a RFB, quaisquer atividades de parcelamento de solo, mediante loteamento, ainda que contratualmente vinculado à opção de construção de unidades habitacionais, não caracterizariam incorporação imobiliária e, por conseguinte, não poderiam ser submetidas ao RET, como externado na SC Cosit nº 196/2015. A partir da Lei nº 14.382/2022, porém, a fazenda pública federal passou a admitir que o parcelamento de solo seja considerado como incorporação imobiliária, desde que a atividade de alienação de lotes integrantes do desmembramento ou loteamento esteja vinculada à construção de casas isoladas ou geminadas. Esta foi a conclusão da recente SC Cosit nº 24/2023.


Realmente, não poderia haver dúvidas, mesmo dentro da mais restritiva interpretação quanto à amplitude do RET e do regime das incorporações imobiliárias, de que a atividade de alienação de lotes integrantes de desmembramento e loteamento, vinculada à construção de casas isoladas ou germinadas, caracteriza incorporação imobiliária, permite a afetação do patrimônio e, por conseguinte, torna viável a opção pelo RET. A nova redação do art. 68 da Lei nº 4.591/64, veiculada pela Lei nº 14.382/2022, é inequívoca nesse sentido:

Art. 68. A atividade de alienação de lotes integrantes de desmembramento ou loteamento, quando vinculada à construção de casas isoladas ou geminadas, promovida por uma das pessoas indicadas no art. 31 desta Lei ou no art. 2º-A da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, caracteriza incorporação imobiliária sujeita ao regime jurídico instituído por esta Lei e às demais normas legais a ele aplicáveis. (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)

§ 1º A modalidade de incorporação de que trata este artigo poderá abranger a totalidade ou apenas parte dos lotes integrantes do parcelamento, ainda que sem área comum, e não sujeita o conjunto imobiliário dela resultante ao regime do condomínio edilício, permanecendo as vias e as áreas por ele abrangidas sob domínio público. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)

§ 2º O memorial de incorporação do empreendimento indicará a metragem de cada lote e da área de construção de cada casa, dispensada a apresentação dos documentos referidos nas alíneas e, i, j, l e n do caput do art. 32 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)

§ 3º A incorporação será registrada na matrícula de origem em que tiver sido registrado o parcelamento, na qual serão também assentados o respectivo termo de afetação de que tratam o art. 31-B desta Lei e o art. 2º da Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004, e os demais atos correspondentes à incorporação. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)

§ 4º Após o registro do memorial de incorporação, e até a emissão da carta de habite-se do conjunto imobiliário, as averbações e os registros correspondentes aos atos e negócios relativos ao empreendimento sujeitam-se às normas do art. 237-A da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos). (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)

(grifado)


Há incorporação imobiliária na construção de casas em lotes integrantes de loteamento e desmembramento, objeto de venda conjunta pelo loteador/incorporador. Não há espaço para se questionar, nesse caso, a legitimidade da opção pelo RET, se presente a afetação do patrimônio do empreendimento, na forma prevista na legislação de regência (art. 31-B da própria Lei nº 4.591/64 e art. 2º da Lei nº 10.931/2004, que justamente institui o RET).


Porém, o objeto da consulta apresentada ao fisco federal, respondida pela SC Cosit nº 24/2023, não envolveu a venda de lotes de desmembramento ou loteamento, modalidades de mero parcelamento de solo. Tratou, em verdade, da alienação de unidades integrantes de um condomínio de lotes, cuja natureza jurídica é, nitidamente, distinta. Desde 2017, a antiga discussão doutrinária sobre a possibilidade da instituição de condomínio de lotes foi superada, com a introdução do art. 1.358-A no Código Civil Brasileiro, pela Lei nº 13.465/2017. O dispositivo, em sua redação original, assim prescrevia:

Art. 1.358-A. Pode haver, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§ 1º A fração ideal de cada condômino poderá ser proporcional à área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial construtivo ou a outros critérios indicados no ato de instituição.

§ 2º Aplica-se, no que couber, ao condomínio de lotes o disposto sobre condomínio edilício neste Capítulo, respeitada a legislação urbanística.

§ 3º Para fins de incorporação imobiliária, a implantação de toda a infraestrutura ficará a cargo do empreendedor.

(grifado)


Condomínio de lotes não se confunde com o parcelamento de solo, seja mediante desmembramento, seja mediante loteamento. O condomínio de lotes será implantado sobre um terreno, que não será parcelado, nem dividido em mais de um terreno. Ou seja, o terreno sobre o qual será implantado o condomínio é uno e se manterá íntegro e inteiro, não se havendo falar, assim, em parcelamento de solo. Somente haverá, no terreno, partes de uso exclusivo (área privativa dos lotes) e partes de uso comum dos condôminos, proprietários dos lotes. Trata-se da típica figura, portanto, de condomínio edilício, ao qual foi justamente equiparado, pela Lei nº 13.465/2017.


Em um condomínio de lotes, diferentemente de um parcelamento de solo, por loteamento, não haverá vias públicas, nem áreas de uso público, como praças ou parques. Não serão outorgados ao Município garantias para a própria execução de obras públicas, exigidas pela legislação municipal para a aprovação de loteamentos. O terreno em que instituído o condomínio de lotes é e continuará sendo privado, inclusive em relação às áreas de uso comum dos condôminos. Se as obras de infraestrutura do condomínio de lotes não forem executadas pelo empreendedor, o Município não promoverá a sua regularização, nem contará com garantias prestadas para tanto, diferentemente do regime próprio de loteamentos (inciso V do art. 18 e art. 40, ambos da Lei nº 6.766/79)


Ao executor do condomínio de lotes, caberá implantar toda a infraestrutura do empreendimento, incluindo as vias (privadas) de acesso a cada uma das unidades, as obras de saneamento e abastecimento de água e energia e todos as demais construções de uso comum dos condôminos. Para assegurar o cumprimento dessas obrigações, a legislação civil prevê e exige o registro de incorporação imobiliária, com o depósito do respectivo memorial no Registro de Imóveis, sempre que o empreendedor pretender iniciar os atos de comercialização das unidades antes da conclusão das obras. Pelas mesmas razões, é natural e mesmo recomendável a instituição de patrimônio de afetação, promovendo maior segurança aos adquirentes quanto à segregação patrimonial entre os ativos e passivos vinculados ao próprio empreendimento e os demais direitos e obrigações do empreendedor, não relacionados ao mesmo condomínio de lotes. Diferentemente de um loteamento, não serão executadas obras em áreas tornadas públicas, nem serão instituídas garantias quanto ao cumprimento dessas obrigações, junto ao Município.


No âmbito de um condomínio de lotes, com incorporação registrada e afetação patrimonial instituída, é assegurado ao empreendedor a opção pelo RET. Todos os requisitos da legislação de regência, seja civil, seja tributária, estarão atendidos, para que as receitas de vendas de unidades sejam submetidas a esse regime especial de tributação. Nesse ponto, quanto ao reconhecimento de incorporação imobiliária em condomínios de lotes, não houve grandes inovações trazidas pela Lei nº 14.382/2022, em relação ao regime já instituído pela Lei nº 13.465/2017. A Lei nº 14.382/2022 apenas tornou ainda mais clara a redação do art. 1.358-A do Código Civil, ao assegurar a aplicação, ao condomínio de lotes, do regime jurídico das incorporações imobiliárias (novo inciso II do § 2º do art. 1.358-A do Código Civil, incluído pela Lei nº 14.382/2022).


Infelizmente, o fisco federal, por meio da recente SC Cosit nº 24/2023, não soube identificar as diferenças relevantes entre o condomínio de lotes e o parcelamento de solo, por loteamento. Limitou-se a afirmar o óbvio, quanto à presença de incorporação imobiliária na venda casada de típicas unidades de loteamentos, com construção de casas pelo loteador, nos precisos termos do art. 68 da Lei nº 4.591/64, com a redação trazida pela Lei nº 14.382/2022. Mas ignorou a figura do condomínio de lotes, presente explicitamente no ordenamento jurídico brasileiro desde 2017, e a sua clara equiparação à incorporação imobiliária, quanto à implantação da significativa infraestrutura privada envolvida na execução deste tipo de empreendimento. Em um condomínio de lotes, com muito mais ênfase, a segregação patrimonial da incorporação é necessária, por meio da instituição do patrimônio de afetação. Não há garantias prestadas para a execução das obras envolvidas na infraestrutura do condomínio, nem a sua assunção pelo Município. É o empreendedor quem precisará levar o projeto do condomínio de lotes a sua efetivação, e o patrimônio de afetação, fomentado pela opção do RET, servirá como forma de assegurar aos adquirentes o futuro recebimento das unidades prometidas, dentro de toda a infraestrutura prevista no respectivo memorial.


É de se acreditar que a confusão promovida pela SC Cosit nº 24/2023, entre condomínio de lotes e loteamento, seja, ainda, devidamente compreendida e superada pelo fisco federal, em futuras manifestações. Confia-se, porém, que semelhante equívoco não seria reproduzido em eventual exame judicial da matéria. O objetivo do legislador de 2017 (Lei 13.465), reafirmado em 2022 (Lei nº 14.382), foi muito claro em tratar as obras (privadas) de infraestrutura de condomínio de lotes como incorporações imobiliárias. E, como tais, devem ser protegidas pelo patrimônio de afetação, cuja instituição deve também receber o devido estímulo fiscal, através da opção pelo RET.


Edmundo Cavalcanti Eichenberg

Lucas Braga Eichenberg


915 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page