Em recente julgamento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão relevante para o mercado imobiliário e para o direito contratual, estabelecendo que a caução locatícia de imóvel, devidamente averbada na matrícula, equivale a direito real de garantia. No Recurso Especial nº 2.123.225-SP, julgado em maio de 2024 e relatado pela Ministra Nancy Andrighi, ficou decidido, por unanimidade, que o credor caucionário tem direito de preferência sobre o produto da expropriação do imóvel, em concurso singular de credores, equiparada a credor hipotecário.
A controvérsia girava em torno da natureza jurídica da caução locatícia e se ela geraria direito de preferência no caso de expropriação do imóvel. A Lei do Inquilinato (Lei Federal nº 8.245/1991) prevê a possibilidade de caução de bem como garantia no contrato de locação, exigindo que essa caução seja registrada em cartório de títulos e documentos (no caso de bens móveis) e averbada à margem da respectiva matrícula (no caso de bens imóveis)[1]. Ocorre que essa modalidade de caução não consta expressamente no rol dos direitos reais previstos no art. 1.225 do Código Civil, o que despertava dúvidas sobre os seus efeitos em determinadas situações.
O entendimento da Terceira Turma do STJ foi fundamentado na interpretação das normas do Código Civil, da Lei do Inquilinato e da Lei dos Registros Públicos (Lei Federal nº 6.015/1973). O art. 108 do Código Civil, que trata das formalidades para a constituição de direitos reais sobre imóveis, expressamente admite exceções previstas em lei. Por sua vez, a Lei do Inquilinato, ao determinar a averbação como forma válida de caução, flexibiliza essa formalidade. Além disso, o art. 167, II, 8, da Lei dos Registros Públicos, reforça a possibilidade de averbação da caução na matrícula do imóvel.
Assim, a decisão do STJ traz importante conforto para o mercado, reforçando a segurança jurídica nas relações locatícias e garantindo que a caução de imóvel, devidamente averbada na matrícula, funcione como uma garantia real efetiva. É possível identificar que os Tribunais de Justiça de São Paulo (TJSP)[2], Santa Catarina (TJSC)[3] e Rio de Janeiro (TJRJ)[4] já aplicavam este entendimento de forma expressa, reconhecendo a caução formalmente averbada como uma garantia real de forma pacificada. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), embora não haja uma aplicação expressa, é possível encontrar menções indiretas a este entendimento em suas decisões[5].
Esta decisão representa um avanço na proteção dos direitos dos locadores e do mercado imobiliário como um todo, proporcionando maior segurança e clareza quanto aos efeitos da caução locatícia em bens imóveis. Ela harmoniza a prática com as necessidades do mercado imobiliário e se alinha com a interpretação que já vinha sendo praticada por alguns tribunais inferiores.
Pedro Hoff Villeroy
[1] Art. 37, §1º da Lei de Locações.
[2] TJ-SP - AI: 20994703820218260000 SP 2099470-38.2021.8.26.0000, Relator: Sandra Galhardo Esteves, Data de Julgamento: 06/11/2021, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/11/2021); TJ-SP - AI: 21640281920218260000 SP 2164028-19.2021.8.26.0000, Relator: Alfredo Attié, Data de Julgamento: 16/11/2021, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/11/2021.
[3] TJ-SC - AC: 03175602620178240038 Joinville 0317560-26.2017.8.24.0038, Relator: André Carvalho, Data de Julgamento: 01/12/2020, Sexta Câmara de Direito Civil);
[4] TJ-RJ - APL: 00850113320168190001, Relator: Des(a). PETERSON BARROSO SIMÃO, Data de Julgamento: 23/06/2021, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/06/2021; TJ-RJ - AI: 00159266020168190000 RIO DE JANEIRO CAPITAL 34 VARA CIVEL, Relator: EDSON AGUIAR DE VASCONCELOS, Data de Julgamento: 25/05/2016, DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 31/05/2016;
[5] TJ-RS - AI: 70080092653 RS, Relator: Adriana da Silva Ribeiro, Data de Julgamento: 27/03/2019, Décima Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 05/04/2019 e TJ-RS - AI: 70074200338 RS, Relator: Adriana da Silva Ribeiro, Data de Julgamento: 06/12/2017, Décima Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: 29/01/2018).