Além de infringir a Ordem Econômica, alta do IOF fere acordo no âmbito da OCDE
- Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados
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São Paulo, 29/05/2025 - Mais que infringir a ordem econômica, a majoração das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para fins arrecadatórios fere as bases de um dos vários compromissos internacionais dos quais o Brasil se tornou signatário para vir a aderir à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o de ir reduzindo gradualmente o imposto em questão até chegar a zero.
A avaliação é da advogada especialista em Direito Tributário, em Política e Relações Internacionais e sócia do Eichenberg, Lobato e Abreu Advogados, Paula Beatriz Loureiro Pires.
De acordo com a advogada, o aumento do IOF para fins arrecadatórios, como a própria equipe econômica afirmou na quinta-feira da semana passada ao estimar o quanto seria arrecadado este ano - algo ao redor de R$ 20 bilhões e outros R$ 40 bilhões em 2026 - é inconstitucional e transborda a própria natureza do imposto.
“Ele consta em cinco acordos internacionais, com compromissos internacionais firmados pela OCDE. Ou seja, para que a gente entre na OCDE, a gente firmou esses compromissos. Então, a gente se comprometeu a fazer ‘XYZ condicionantes’ com os acordos internacionais”, disse.
Paula Pires não ignora a excepcionalidade do imposto incidente sobre operações financeiras que, por sua natureza regulatória, tem suas alterações dispensadas de passagem, análise e aprovação pelo Congresso Nacional - e não precisa, como demais impostos, obedecer aos princípios da anterioridade. Qualquer outro imposto, de acordo com a advogada, quando majorados, precisam da anuência do Legislativo e o aumento só pode entrar em vigor no exercício seguinte.
Ao contornar a excepcionalidade do IOF para fins arrecadatórios, a equipe econômica capitaneada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, adotou, nas palavras de Paula Pires, procedimentos errados.
“Passou por cima do Congresso e impediu que as pessoas físicas e jurídicas se organizassem previamente. É por isso que existe o princípio da anterioridade, para que as pessoas saibam previamente sobre algo que elas vão pagar”, disse a especialista, para quem só a declaração da equipe econômica, de que o aumento do IOF era para arrecadar, justifica as muitas ações que estão sendo impetradas contra o governo. Essas ações não são para trazer o decreto à inconstitucionalidade, mas à ilegalidade, acrescenta.
Para a advogada, por conta de tudo isso, a majoração do IOF é passível de ser derrubada. No âmbito do Judiciário, segundo ela, a decisão foi a de esperar. Ou seja, não se tomou ainda nem uma decisão a favor da majoração do IOF, nem contra.
“Vejo que está em 50%. Só que pela ótica do Legislativo, o Congresso colocou o Executivo contra a parede. Deu 10 dias para que o [ministro da Fazenda] Haddad apresentasse uma alternativa ao aumento do IOF sob pena de o decreto ser cassado, justamente por estar invadindo competências do Poder Legislativo”, disse.
Ainda de acordo com Paula Pires, se futuramente o decreto que determinou o aumento do IOF for sustado pelo Poder Legislativo, a partir do momento em que a decisão for publicada no Diário Oficial todo o valor arrecadado a partir do dia seguinte ao anúncio do aumento da alíquota passará a ser devido pelo Poder Executivo - ou seja, terá que ser devolvido aos contribuintes.
Publicado por Isto É Dinheiro e Infomoney.
IOF pode ser usado para cobrir rombo em contas públicas?
O tributo aumentado pelo governo no pacote do dia 22 é um ‘imposto regulatório’, ou ‘extrafiscal’, em que a arrecadação é um efeito secundário, e não pode ser o objetivo principal; entenda
Além da pesada carga tributária brasileira, a reação imediata ao anúncio do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em 22 de maio, vinda do mercado financeiro, do setor privado e da oposição no Congresso, tem outra razão simples. O IOF é um “imposto regulatório”, ou “extrafiscal”, e não tem como finalidade aumentar receita: a arrecadação é um efeito secundário.
Uma tributação regulatória é usada como mecanismo para incentivar ou desincentivar certas ações. É o que, por exemplo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, faz com a aplicação de tarifas sobre importados com a expectativa de estimular a produção interna, ou o que fez o próprio governo brasileiro em março, ao reduzir a zero o imposto de importação para alguns alimentos, na tentativa de conter a disparada da inflação.
O objetivo principal do Ministério da Fazenda, de elevar a receita, fica claro já na conclusão do documento de apresentação das medidas, ao destacar o “potencial de arrecadação”: “Em conjunto os ajustes no IOF podem gerar impacto na arrecadação de: R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026”.
O que levou o governo a aumentar o imposto também ficou evidente, dias depois, quando o ministro Fernando Haddad declarou que era preciso buscar “compensar” a perda com o recuo em uma das medidas. O governo retrocedeu na taxação sobre “transferências relativas a aplicações de fundos no exterior”, revogada em menos de 12 horas, diante de alertas do mercado financeiro e do Banco Central sobre o impacto dessa cobrança.
“A gente tem até o fim da semana para decidir como vai compensar. Se com mais contingenciamento ou com alguma substituição”, disse Haddad a jornalistas, na segunda-feira, 26, após a abertura do evento Nova Indústria Brasil, em comemoração ao Dia da Indústria, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio de Janeiro.
Segundo deputados federais, que logo reuniram duas dezenas de projetos de decreto legislativo contra o pacote arrecadatório, ao empregar “um tributo de finalidade estritamente extrafiscal, como fonte recorrente de receita, o governo subverte o caráter regulatório do tributo, transformando-o em expediente de captação orçamentária”, conforme texto divulgado pela Agência Câmara.
Para o economista-chefe da Oriz, Marcos De Marchi, não dá para acreditar na justificativa dada por Haddad, de que o governo visa à equalização tributária, uma vez que o aumento do IOF foi anunciado logo após a equipe econômica reconhecer a frustração das receitas deste ano e anunciar uma contenção de gastos de R$ 31,3 bilhões, diante da deterioração das contas públicas, com pressão de gastos que têm ajudado a manter nas alturas o juro básico (14,75% ao ano).
O que diz a Constituição sobre o poder do IOF
Como “tributo extrafiscal”, o IOF é liberado pela Constituição de duas das “limitações constitucionais ao poder de tributar”: a de que o aumento do imposto seja por lei, com a participação do Legislativo, e a de que observe um prazo entre a publicação e o início de seus efeitos, para que a sociedade possa se planejar para passar a pagá-lo. Porém, “essa prerrogativa não equivale a um cheque em branco”, escreveu o advogado Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados, em artigo no Brazil Journal.
“Ou seja, não pode o governo dela se valer para aumentar a carga tributária, subvertendo a própria lógica que justifica a exceção”, explicou Bichara. “Se estamos a falar de aumento de tributo puro e simples, devem ser atraídas limitações constitucionais ao poder de tributar.”
Bichara constatou “nítido abuso no exercício de uma prerrogativa que a Constituição atribuiu ao Poder Executivo para ser utilizada sob circunstâncias bem delimitadas”. Na mesma linha, a advogada Paula Beatriz Loureiro Pires, sócia do Eichenberg, Lobato e Abreu Advogados, disse que o uso do IOF para fins arrecadatórios “é inconstitucional e transborda a própria natureza do imposto”.
“(o governo) Passou por cima do Congresso e impediu que as pessoas físicas e jurídicas se organizassem previamente. É por isso que existe o princípio da anterioridade, para que as pessoas saibam previamente sobre algo que elas vão pagar”, disse a especialista, para quem só as declarações da equipe econômica, em reforço a que o aumento do IOF era para arrecadar, justificam ações que estão sendo impetradas contra o governo. “Essas ações não são para trazer o decreto à inconstitucionalidade, mas à ilegalidade”, acrescenta.
Para o sócio-fundador da Oriz Partners, Carlos Kawall, que foi secretário do Tesouro Nacional, o IOF está sendo usado para meramente atender à “sanha arrecadatória” de um governo que se recusa a fazer o ajuste fiscal estrutural e controlar despesas.
Em live da gestora para discutir a questão, na manhã em que o pacote entrou em vigor, no dia 23, Kawall foi além: afirmou que, no caso dos aportes acima de R$ 50 mil mensais em planos de previdência, inclusive, a alíquota de 5% pode ser considerada confiscatória, o que a Constituição expressamente proíbe.
“Deixou de ter uma característica regulatória e claramente está ingressando no terreno arrecadatório, que não é a finalidade desse tipo de imposto”, ressaltou. /Com Eduardo Laguna e Francisco Carlos de Assis
Publicado por Estadão.