A inteligência artificial no Sistema Financeiro Nacional (“SFN”): um equilíbrio entre a segurança e o incentivo à inovação. Esse tem sido, definitivamente, um dos maiores debates atuais dentro do Mercado Financeiro no País e mundo afora. As indagações são as mais diversas, que basicamente se resumem a um questionamento: será que com o advento da tecnologia da inteligência artificial (IA) podemos ter uma revolução no dinamismo das operações financeiras e a criação de um novo sistema de transformação digital – e, por que não, das relações humanas – de forma a potenciar o crescimento do setor de serviços aos clientes das nossas instituições financeiras?
A IA tem sido a principal ferramenta para as organizações de serviços financeiros. As empresas têm recorrido ao uso da IA por vários motivos, como atender as expectativas do cliente nas experiências dos seus serviços, gerenciamento dos riscos e combate a fraudes, aprimoramento do compliance na prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao terrorismo (PDLFT), e, além disso, como forecasting de tendências de mercado.
Todavia, o avanço tecnológico e a visibilidade de seus mais diversos benefícios causam incertezas, inseguranças e preocupações às instituições financeiras. Um dado interessante do estudo Global Outlook for Baking and Financial Markets 2024, do IBM Institute for Business Value (IBV), demonstrou que mais de 60% (sessenta por cento) dos CEOs do setor bancário estavam apreensivos, principalmente quanto aos impactos da nova tendência no que tange às seguranças cibernéticas e à ausência de segurança jurídica nas operações financeiras. Mas, fato é: o “movimento da IA” mundial e a pressão às instituições financeiras pela sua implementação, ainda que vislumbremos oposições, é um caminho sem retorno. O mundo moderno atual prioriza a dinamicidade, a desburocratização e camadas simplificadas e eficientes de segurança - abordagens familiares à IA -, com o fim de fortalecer a relação empresa-cliente.
A ferramenta está sendo integrada de maneira estratégica dentro das mais diversas frentes das instituições financeiras, não se restringindo apenas à otimização dos processos e das operações. Dentre as estatísticas pesquisadas, estas demonstram que, entre as instituições financeiras, há o imersivo anseio de promover cada vez mais a personalização do atendimento ao cliente, garantindo que se sinta seguro e satisfeito com as recomendações de produtos financeiros e os serviços ofertados adaptados ao seu perfil. Por evidência, ao utilizar a tecnologia IA para otimização de processos com o fim de escalar soluções financeiras, as instituições financeiras têm cada vez mais ganhado tanto em produtividade, quanto em eficiência nas ofertas de seus produtos, gerando um ciclo virtuoso de benefícios.
A presença da IA dentro do financial market está atualizando e construindo relacionamentos comerciais fortes às instituições financeiras em seus diversos setores, principalmente o comercial, a exemplo abaixo:
- Nas finanças pessoais
Às fintechs - responsáveis por introduzir inovações tecnológicas no mercado e pioneiras em adotar inteligência artificial - é relativamente costumeiro o aproveitamento de modelos e técnicas tecnológicas. Em prol do seu desenvolvimento e venda de produtos financeiros, têm utilizado da inteligência artificial para auxiliar seus clientes a organizarem suas finanças com mais facilidade. Oferecendo a chamada “orientação financeira 24/7”, as fintechs analisam o perfil dos clientes, orientando-os os melhores investimentos e as melhores formas de poupar de maneira completamente personalizada.
- Nas concessões de financiamento
No campo da análise de crédito, a IA busca registros em tempo real, com base no perfil do cliente apresentado, o nível de seu endividamento e quaisquer limitações de compra, com foco em prevenir riscos e fraudes. Dentro dos processos de financiamento, busca automatizar cobranças programadas e identificar irregularidades, auxiliando os clientes nas informações de pagamentos.
- Nas prevenções a fraudes
Uma das principais contribuições que a IA trouxe foi a atuação no campo do compliance e prevenção de riscos nas transações e operações financeiras, o que torna interessante na avaliação de padrões de segurança das instituições financeiras.
Concretamente, a IA é capaz de analisar milhares de transações simultaneamente e constatar padrões anormais, alertando os clientes sobre eventuais golpes ou uso indevido de cartão de crédito, inclusive ativamente, impedindo a prática de crimes. Esse tipo de abordagem faz com que os serviços oferecidos pelas instituições sejam mais seguros, aumentando a confiabilidade dos clientes sobre a marca. E, paralelamente, auxilia na redução de custos com seguros e ações judiciais, além dos prejuízos causados por fraudadores.
Entretanto, apesar destes avanços, o uso da IA nos sistemas das instituições financeiras levanta questionamentos sobre a sua segurança e privacidade. Isto pois, com as digitalizações em voga, houve um significativo aumento no fluxo de dados pessoais e financeiros em circulação nas plataformas digitais, demandando redobrada atenção às políticas de proteção de dados. Assim, este é o principal desafio do setor: conciliar a inovação com a conformidade legal. A cada evolução, os órgãos reguladores são responsáveis por normatizar o produto das novas relações sociais surgidas a partir desta. Sem uma estrutura regulatória adequada que estabeleça diretrizes para o uso da IA, temos uma limitação do potencial desta inovação tecnológica, e, para além, grandes possibilidades de riscos para todo o sistema financeiro.
Ainda dentro do aspecto regulatório, neste fenômeno de “inovação” das instituições financeiras, temos a incerteza como palavra mais presenciada entre os clientes. Segundo pesquisa da J.D. Power, menos de 30% (trinta por cento) dos consumidores de serviços bancários confiam na IA para recomendações e informações financeiras, e menos da metade acredita que a IA buscar melhorias nas finanças pessoais. Assim, por um lado existe o receio e baixa receptividade dos clientes de serviços financeiros à inovação tecnológica, o que apresenta um obstáculo consolidado, em maioria, pela crença destes de que a inexistência de regulamentação pode ser um efeito à insegurança. Por outro lado, a inovação tecnológica dinâmica tende a criar uma brecha regulatória para que as novas ferramentas se expandam antes de uma definição de normas para a sua contenção – controle preventivo de riscos e danos aos clientes.
Neste sentido, o diretor de Regulação do Banco Central do Brasil (“BACEN”), Otávio Damaso, compreende que o SFN já conta com regras que, na grande maioria dos casos concretos, através de estudos realizados pelo próprio órgão, se aplicam ao desenvolvimento tecnológico ofertado pela IA. Dentre uma das normas, Damaso citou a Lei nº 105/2001 (“Lei de Sigilo Bancário”) e a nova Resolução BCB nº 387 de 5/6/2024, que atualizou a chamada Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática: “Os principais pilares já estão presentes nesse arcabouço. Naturalmente, agora vamos ter que repensar nossas questões dentro de tudo que temos visto na evolução”.
Importante salientar que, atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2338/2023, que dispõe acerca da regulamentação do uso da IA no País. Resta a dúvida se o marco regulatório com regras para o desenvolvimento e o uso dos sistemas de IA de fato supre as proteções demandadas pelos clientes das instituições financeiras, inclusive para criação de credibilidade e confiança dos investidores residentes e não-residentes.
O BACEN pretende mapear a atuação da IA nas instituições financeiras com o objetivo de observar potenciais riscos e as tendências impulsionadas pelas mudanças tecnológicas, por exemplo, com a criação do Centro de Excelência de Ciência de Dados e IA[1] e a divulgação da Agenda de Inovação do Banco Central e IA[2].
O senso comum é que: nova era da IA veio com o propósito de estabelecer raízes, razão pela qual, por orientação da própria FEBRABAN, as instituições financeiras não devem aguardar soluções padronizadas ou regras e mudanças na postura dos clientes quanto ao uso da IA. É necessário que reconheçam o estado de desenvolvimento tecnológico e que estejam alinhadas com usuário final dos serviços, pois o crescimento adequado da IA nas instituições financeiras somente ocorrerá com a evolução tecnológica e a construção da confiança nos clientes, através do pilar da comunicação e transparência.
A disponibilização dos recursos ofertados pela IA não é, tão somente, um investimento financeiro e tecnológico, é um compromisso com a evolução mundial em regar melhores relacionamentos interpessoais pautados na ética, revelado no equilíbrio em trazer soluções inovadoras, imediatas e protecionistas ao setor financeiro, moldando o futuro dos seus serviços operacionais centrados no cliente, na sociedade.
Mariana Saad
Mariana Trica