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A constitucionalidade da cobrança do Imposto Seletivo sobre as apostas online

  • Foto do escritor: Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados
    Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados
  • 29 de ago.
  • 10 min de leitura

As apostas online representam, há muitos anos, um setor em dinâmico crescimento em diversos países do mundo, em razão da criação de numerosas operadoras e do fácil acesso a este tipo de serviço, por meio da internet. Diante desse contexto, as bets também atingiram enorme popularidade no Brasil, em especial a partir dos anos de 2021 e 2022, sendo a destinação de grande parte da renda mensal de pessoas das mais variadas classes sociais, em todo o território nacional. O crescimento da área é exponencial, e cada vez mais é capaz de manter entretidos os apostadores, em razão dos numerosos mercados nos quais se pode jogar, da emoção gerada a partir da relação entre valor aportado e potenciais ganhos, bem como da facilidade de acesso e praticidade proporcionada pelos dispositivos móveis.


Para se ter a dimensão do tamanho da expansão do setor, pesquisas indicam que, entre os anos de 2019 e 2024, o número de brasileiros que realizaram apostas alcança o montante de 52 milhões de pessoas. Desse total, somente nos sete meses iniciais de 2024, ingressaram no meio das apostas esportivas online 25 milhões de pessoas. O estudo, realizado pelo Instituto Locomotiva, revelou a existência dos mais variados perfis de apostadores, de todas as faixas-etárias, e pertencentes a toda as classes sociais.


O impacto econômico-social do setor é evidente, sendo somente o Brasil responsável por movimentar bilhões de reais mensais, de modo a tornar necessária a criação de uma legislação específica para a regulamentação desse meio, razão pela qual entrou em vigor, no ano de 2023, a Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023. Esse diploma legal, além de regular as relações entre apostadores e operadores de casas de aposta, também estabelece um regime de tributação específico para as receitas geradas a partir dessa interação. A tributação, segundo a Lei, servirá tanto para o lucro auferido pelos apostadores, quanto pelas operadoras.


Em paralelo, foi publicada a Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025 (LC nº 214/2025), legislação responsável por regulamentar a nova Reforma Tributária, que, entre outras providências, instituiu o Imposto Seletivo (IS), tributo incidente sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e/ou ao meio ambiente. A partir da instituição do aludido imposto, muito se discute acerca da possibilidade de sua cobrança sobre a receita bruta obtida pelas casas de aposta, uma vez que não há definição específica sobre os malefícios que as apostas de quota fixa trazem à saúde, que seja capaz de determinar se de fato se trata de atividade nociva, conforme o previsto no diploma legal.


O Imposto Seletivo, devidamente previsto no artigo 409 da LC nº 214/2025, é tributo incidente sobre atividades relacionadas a bens e serviços nocivos à saúde ou meio ambiente. Até o presente momento, tais atividades são tributadas por diferentes impostos, como o Imposto de Importação (II), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cada um com suas especificações e com alíquotas diferentes, sendo o tributo instituído pela Reforma Tributária um meio de unificação e simplificação da tributação incidente sobre essas práticas.


A hipótese de incidência do IS, isto é, aquela conduta prevista de maneira genérica em lei que atrai a incidência do imposto, é a prática de atividades, fornecimento de serviços, comercialização de bens, de modo geral, que possam ser considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. O fato gerador, por sua vez, tem sua ocorrência em cada caso concreto, no momento exato em que ocorre a comercialização de uma bebida alcoólica ou de uma carteira de cigarros em um mercado, por exemplo. O Imposto Seletivo tem por objetivo, além de arrecadar recursos a partir de tais atividades, desestimular essas práticas consideradas “moralmente reprováveis”. Assim, para resolver a discussão acerca da possibilidade de incidência do tributo sobre as receitas obtidas a partir das apostas online, é necessário identificar se as atividades praticadas no setor se encaixam nas definições estabelecidas ou não.


A questão central, dentro dos apontamentos feitos, é estabelecer qual grau de nocividade e prejudicialidade é considerado como determinante, e, mais do que isso, se os efeitos práticos das bets na saúde das pessoas são considerados prejudiciais para fins de incidência do Imposto Seletivo. Definir, portanto, o ponto em que a prejudicialidade seria “aceitável” e aquele em que estaria enquadrada na hipótese de incidência do imposto, prevista na Lei. É difícil realizar essa definição baseada em critérios objetivos e precisos, dada a particularidade e as especificidades de cada caso concreto, razão pela qual cada caso deve ser analisado individualmente.


A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece a Classificação Internacional das Doenças (CID), que é uma base com mais de 55 mil códigos únicos que representam lesões, doenças e causas de morte, utilizada como meio de identificação de estatísticas relacionadas à área da saúde, em nível global. Essa classificação é atualizada e revisada periodicamente, pelo que conta com diversas listas em numeração crescente (as mais recentes sendo a CID-10 e CID-11). Nesse sentido, práticas relacionadas e/ou derivadas das apostas online estão elencadas na classificação: CID-11 6C50 – gambling disorder (transtorno de jogo); e CID-11 QE21 – hazardous gambling or betting (participação prejudicial em jogos e apostas).


Segundo a OMS, o “transtorno de jogo” consiste em uma prática recorrente de jogar (apostar), de maneira online ou offline, e que demonstra: falta de controle do jogador sobre o ato de jogar; crescimento da prioridade dada para o jogo, com relação a outras atividades cotidianas; e a persistência em apostar mesmo após consequências negativas. Na mesma linha, a “participação prejudicial em jogos e apostas” é caracterizada por um padrão de participação em jogos de azar e apostas, que coloca em crescente risco a saúde física e/ou mental do apostador e das pessoas com quem ele se relaciona. Ambas as condições, apesar de distintas, são referidas pela OMS como extremamente prejudiciais ao funcionamento pessoal, familiar e social das pessoas envolvidas. Note-se, a primeira caracteriza uma doença, diagnosticável, e que ocorre como resultado da prática de apostar/jogar de maneira reiterada, enquanto a segunda caracteriza a prática repetitiva em si, isto é, a simples participação prejudicial nesse tipo de atividade.


Estudos indicam que o transtorno de jogo e a prática reiterada podem causar prejuízo ao estado geral de saúde. Marc Potenza, em seu artigo “The neurobiology of pathological gambling: translating research findings into clinical advances”, refere que, através de estudo de neuroimagem realizado, constatou-se que as regiões cerebrais envolvidas no transtorno de jogo são semelhantes àquelas envolvidas em “substance disorders”, que seria, traduzindo para o português, o equivalente a “transtornos de dependência e uso de substâncias”. O vício resultante da prática reiterada de apostas, segundo a obra referida, assemelha-se, portanto, àquele resultante da utilização e dependência de substâncias químicas.

No mais, tornaram-se comuns relatos de apostadores e viciados em jogos de azar que apontam para sessões de jogo que perduram por horas, ou até mesmo dias, muitas vezes sem que haja sequer alimentação adequada ou tempo de sono considerado saudável. É possível concluir, assim, que apesar de a prática de apostar ou jogar, por si só, não necessariamente produzir efeitos negativos à saúde dos apostadores, a maneira como a atividade se insere na vida cotidiana das pessoas envolvidas pode resultar em consequências prejudiciais, como a falta de alimentação, ou a falta de sono, o que pode contribuir para a criação de estresse crônico.


Outro dado interessante é que, em cassinos e ambientes semelhantes, aqueles que se encontram em condição de vício – jogadores patológicos – apresentam resposta diferente ao estresse agudo, quando comparados a jogadores não patológicos, uma vez que apresentam maior nível de cortisol (hormônio do estresse) no sangue.


Em que pese os estudos citados tenham por base as atividades de jogo e aposta desenvolvidas em cassinos, tratando especificamente de “jogos de azar”, e não de “apostas de quota fixa” ou “apostas online”, os efeitos e resultados alcançados pelas pesquisas podem ser estendidos às práticas realizadas no setor das bets, uma vez que o princípio da atividade é puramente o mesmo, o ato de apostar, aportar recursos financeiros em uma situação específica em que o retorno não é garantido, não podendo-se interferir e cujo resultado se desconhece, havendo possibilidade de prejuízo integral (perda do valor total apostado), ou até mesmo de ganhos desproporcionais. Os efeitos que ambas as atividades, ainda que um pouco distintas, possuem sobre a saúde dos apostadores, é, em verdade, exatamente o mesmo.


Dessa forma, diante das considerações realizadas acerca da materialidade do Imposto Seletivo, bem como dos efeitos práticos da atividade gerenciada pelas operadoras de apostas online sobre a saúde daqueles envolvidos, resta a análise acerca da possibilidade de incidência ou não do tributo sobre essa atividade. Como referido anteriormente, a hipótese de incidência do IS é a prática ou realização de atividades que sejam prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, com base na definição de hipótese de incidência estabelecida, sendo necessário averiguar, no caso concreto, se a participação no meio das apostas online é considerada prejudicial à saúde de modo a gerar a incidência do tributo, a partir das informações trazidas.


A discussão em tela é complexa, em razão da subjetividade envolvida na prática objeto de análise. Ao examinar as práticas elencadas no rol taxativo do artigo 409 da LC nº 214/2025, nota-se que, em alguns casos, é simples a identificação da prejudicialidade causada à saúde pelos produtos elencados, a exemplo do cigarro e das bebidas alcoólicas. A bebida alcoólica, por si só, é expressamente elencada pela Organização Mundial da Saúde como produto nocivo à saúde (CID-11 XM1A1), da mesma maneira que, não só o cigarro (de tabaco), como o ato propriamente dito de usufruir desse produto (CID-11 XM88J8 e CID-11 QE13), são elencados da mesma maneira na classificação.


Ambos os produtos são citados a título meramente exemplificativo, pois, além de encontrarem previsão expressa na Classificação Internacional das Doenças (CID), são notoriamente conhecidos pelos danos que são capazes de causar à saúde.


As apostas online, entretanto, não encontram-se tão bem descritas na referida base de dados, sendo elencados somente o “transtorno de jogo”, condição diagnosticável, que é resultado da prática reiterada de apostas por parte de um indivíduo, de modo a gerar dependência, e a “participação prejudicial em jogos ou apostas”, conceito extremamente subjetivo, que, em resumo, é caracterizado pela participação que cause danos manifestamente negativos à vida cotidiana das pessoas envolvidas. É defensável, de certos pontos de vista, que a simples atividade de apostar não seja prejudicial, uma vez que, se um indivíduo aposta uma vez somente, não está necessariamente fazendo mal à sua saúde, ao contrário daquele que consome cigarro ou álcool.


O Imposto Seletivo, como referido anteriormente, é um tributo fortemente baseado em sua função extrafiscal, isto é, a função que vai além da simples arrecadação de recursos, pretendendo também influenciar no comportamento social. Por essa razão, é de certa forma imprudente considerar que uma atividade não seja significativamente prejudicial à saúde pelo simples fato de não fazer mal efetivo desde a primeira vez em que realizada. Nesse caso, o potencial nocivo da atividade também deve ser levado em conta e ser objeto de análise.


Nesse sentido, os danos causados pelas apostas online à saúde mental dos apostadores são reais, eles existem e há pesquisas e estudos capazes de comprovar isto, como demonstrado anteriormente. Quando se fala em prejudicialidade ou nocividade à saúde, não se deve considerar e pensar somente em danos no sentido fisiológico, isto é, aqueles que possuem afetação sobre o funcionamento do organismo das pessoas (efeitos da fumaça nos pulmões, álcool no fígado, por exemplo), mas também se deve levar em conta a saúde do ponto de vista mental. As consequências do vício e dependência em jogo, incluindo-se as bets, são desastrosas, e afetam não só o apostador, mas também aqueles com quem este se relaciona, sendo capazes de causar endividamento pessoal e familiar, depressão, risco de suicídio, e outros terríveis resultados, conforme aduzido pelo médico Vinícius Oliveira de Andrade, representante da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e da Associação Médica Brasileira (AMB), na CPI da Manipulação de Jogos, ocorrida no dia 11 de novembro de 2024.


Assim, independentemente das práticas relacionadas ao mercado das bets serem isoladamente prejudiciais à saúde ou não, é inegável o potencial nocivo que acompanha as atividades realizadas no setor das apostas online, capaz de causar danos reais e significativos à saúde mental de diversas pessoas, e não só daqueles que participam das operações de risco. Nesse sentido, destaca-se o conceito de extrafiscalidade tributária, que representa a ampliação dos interesses da tributação, que vão além da simples intenção de arrecadar recursos, de modo a influenciar na estrutura da sociedade como um todo, como aponta Paulo Caliendo.[1] No caso do Imposto Seletivo, portanto, a extrafiscalidade visa desmotivar a prática de atividades ou o consumo de bens e serviços que sejam moralmente reprováveis, utilizando-se do critério da prejudicialidade à saúde ou ao meio ambiente como balizadores desse conceito, buscando, além de arrecadar recursos financeiros, influenciar o comportamento social, razão pela qual, diante do escopo atribuído ao imposto, revela-se adequada sua incidência e cobrança sobre as receitas geradas pelas operadoras de casas de aposta.


As bets adquiriram, nos últimos anos, um imenso impacto social e econômico, não só em território brasileiro, como em todo o mundo. O crescimento do setor se deu de forma exponencial, sendo fatores determinantes para a sua rápida expansão a pandemia e a facilidade de acesso às plataformas de aposta concedida pelo desenvolvimento e capacitação dos dispositivos móveis. Juntamente a esse crescimento, começaram a surgir os efeitos práticos inerentes ao setor, entre eles os mais comuns, como o endividamento de apostadores e a evolução de transtornos e condições que tem por característica o vício e a dependência em apostas e jogos de azar, condições que se encontram devidamente elencadas pela Organização Mundial da Saúde, na Classificação Internacional das Doenças (CID-11 6C50 – gambling disorder e CID-11 QE21 – hazardous gambling or betting).


Assim, em que pese a prática em si não seja necessariamente prejudicial à saúde, é inegável que a atividade possui grande potencial nocivo, a depender do indivíduo apostador, razão pela qual entende-se que a incidência do Imposto Seletivo sobre as receitas obtidas a partir da realização dessas atividades é constitucional, e encontra-se em conformidade com o escopo e a função extrafiscal do tributo. Mesmo se tratando de prática que, por si só, não necessariamente faz mal à saúde, isto é, que não gera efeitos negativos desde a primeira vez em que realizada, tem enorme potencial nocivo e é capaz de desencadear diversos transtornos relacionados à saúde mental, que deve receber o mesmo grau de importância dado à saúde do ponto de vista fisiológico. O problema revela, portanto, ser maior do que a simples saúde individual daqueles que já estão inseridos no mercado de apostas, quando na verdade representa um problema de saúde pública, capaz de afetar não só o apostador, mas também as pessoas em sua volta, cada um de maneira distinta, razão pela qual a prática deve ser desestimulada a todo custo.


Assim, é constitucional e necessária a tributação das receitas obtidas pelas operadoras de casas de aposta pelo Imposto Seletivo, dado o caráter extrafiscal do tributo, visando, em paralelo a políticas públicas que objetivem a conscientização da população, desincentivar a prática considerada prejudicial à saúde mental da população.

 

Francisco Mussnich da Cunha


[1] CALIENDO, Paulo. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2022. p. 256.

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