A tão falada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) (Lei nº 13.709/2018), em vigor há um ano, não traz nenhum dispositivo expresso que se refira especificamente à proteção de dados pessoais nas relações de trabalho, o que poderia, em um primeiro olhar, suscitar discussões quanto ao seu alcance no âmbito trabalhista. No entanto, em seu art. 1º, observa-se que regula o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, sem qualquer limitação.
Para os fins da referida lei, considera-se, dado pessoal toda informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável, como indiscutivelmente o é o empregado. Ou seja, toda pessoa natural – inclusive, portanto, os empregados, nessa perspectiva - tem assegurada a titularidade de seus dados pessoais e garantidos os direitos fundamentais de liberdade, de intimidade e de privacidade, nos termos do art. 17 da LGPD.
A LGPD, portanto, diga-se em primeiro lugar, é aplicável também às relações de trabalho, no tratamento dos dados de empregados por empregadores.
Dito isso, afirme-se que a grande quebra de paradigma provocada pela LGPD é a mudança de perspectiva sobre a propriedade dos dados, o que se aplica também no tocante as relações de trabalho: os dados de pessoa natural não são mais de quem os armazena e trata; são, isto sim, da pessoa natural ao qual estejam vinculados.
E, neste viés, nas relações de trabalho, isso não é diferente. Os dados dos empregados podem ser tratados pelos empregadores, obviamente, e esse tratamento é tutelado pela LGPD, sendo reconhecido que os dados dos empregados pertencem a eles.
Nas relações de trabalho, há constantemente o tratamento de dados dos empregados e até mesmo de possíveis candidatos a empregados, sendo estes: (i) pré-contratação: obtenção de dados de identificação, currículo, referências do candidato à vaga de emprego, dentre outros; (ii) durante o contrato de trabalho: ficha de registro, dados bancários para pagamento de salários, filiação sindical, exames ocupacionais, atestados médicos, dentre outros; (iii) após o término do contrato de trabalho: armazenamento das informações dos antigos empregados para fins trabalhistas, previdenciários e para disponibilização aos órgãos públicos de fiscalização.
Importante ressaltar que, o art. 7º da LGPD traz 10 (dez) hipóteses legais em que é possível tratar e armazenar dados de pessoas naturais, sendo estas, o consentimento do titular, legitimo interesse, cumprimento de obrigação legal ou regulatória, tratamento pela administração pública, realização de estudos e pesquisa, execução ou preparação contratual, exercício regular de direitos, proteção da vida e da incolumidade física, tutela e saúde do titular e proteção de crédito.
Ainda, aplicando as hipóteses do referido artigo às relações de trabalho, podemos sustentar que os dados pessoais dos empregados poderão ser tratados pelo empregador para: (i) cumprimento de obrigação legal (art. 7º, II), o tratamento de dados é justificado pela obrigação de cumprir outras leis, por exemplo, se um funcionário aciona uma empresa na justiça, ela tem o direito de armazenar dados para a defesa em julgamento; (ii) dados necessários para a execução do contrato a pedido do empregado (art. 7º, V); (iii) interesses legítimos do controlador[1] (art. 7º, IX). Portanto, há hipóteses legais em que é facultado ao empregador tratar os dados pessoais do seu empregado mesmo sem o consentimento expresso dele.
Lembra-se, todavia, que a LGPD fixa a ideia de que sejam objeto de tratamento apenas os dados uteis e necessários, pelo que sempre é recomendável, para evitar discussões e contratempos, que haja expressa previsão, nos contratos de trabalho, de que dados dos empregados serão armazenados, incluindo assim, - não como única fonte do direito de tratamento, mas em sobreposição às demais existentes e aplicáveis – o consentimento do empregado. E mais um ponto de atenção aos empregadores é não esquecer que os dados, não obstante por eles armazenados, pertencem ao empregado e, assim, por ele podem a qualquer tempo ser requisitados, pelo que ganha relevo bem eleger os dados que efetivamente serão armazenados e tratados.
As equipes trabalhista e de LGPD do Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados permanece à disposição para solucionar eventuais dúvidas sobre a matéria.
Barbara Bombazar Galvão
[1] O controlador é "toda pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais" (artigo 5º, VI).
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