Entendendo a Lei do Distrato e os limites legais de retenção permitidos às incorporadoras
- Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados
- 30 de jul.
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Atualizado: 31 de jul.
Após um período marcado por uma profunda insegurança jurídica, em razão da instabilidade econômica e uma alta taxa de desistência dos compradores de unidades imobiliárias na planta, esse cenário culminou em uma judicialização em massa de pedidos de distratos de contratos de compra e venda de imóveis, sem parâmetros claros, impactando diretamente a atividade de incorporação, eis que a ausência de regulamentação específica sobre o tema, passou a ser determinada pelas construções jurisprudenciais, pelos costumes e pela sensação de justiça de acordo com cada caso.
Diante desse cenário, a Lei 13.786/2018, mais conhecida como Lei dos Distratos surgiu como uma resposta legislativa para estabelecer equilíbrio entre os interesses do consumidor e a necessidade de segurança jurídica do incorporador, estabelecendo a obrigatoriedade do Quadro Resumo, o qual deverá conter determinadas informações, a fim de garantir a transparência nos contratos, as consequências da inadimplência por uma das partes, os prazos para devolução de valores e o mais importante, a legislação agora passou a definir percentuais objetivos e justos de retenção em caso de distrato, garantindo consequentemente ao incorporador uma previsibilidade na continuidade dos empreendimentos e sobretudo, protegendo o interesse coletivo.
Além das definições mencionadas acima, a Lei dos Distratos altera duas leis específicas do mercado imobiliário, a Lei 4.591/64, a qual se refere às Incorporações Imobiliárias; e a Lei 6.766/79, que trata do parcelamento de solo, ou seja, os loteamentos. Nesse sentido, importante esclarecer que no âmbito do distrato de contrato de compra e venda de imóveis, a aplicação da norma em questão varia conforme a natureza jurídica do contrato, os quais devem ser analisados individualmente, não sendo possível a aplicação de um mesmo percentual de forma indistinta.
Diante de tais inovações, a jurisprudência se firmou no sentido de que a Lei dos Distratos se aplica tão somente aos contratos de compra e venda de imóveis assinados após o seu advento, isto é em 27/12/2018, bem como aos imóveis adquiridos na planta diretamente com as Incorporadoras, sem Alienação Fiduciária registrada, ou seja, não se aplica aos instrumentos que prevê financiamento com garantia real, nos termos da Lei nº 9.514/1997, tendo em vista se tratar de instituto com aplicação própria e distinta. Contudo, tais condições não prejudicam eventual distrato de contrato de compra e venda de imóveis prontos, adquiridos em outras condições seja entre particulares ou junto às imobiliárias, eis que o entendimento jurisprudencial e a legislação do Código Civil se equiparam as condições da Lei dos Distratos, variando os percentuais de retenção entre 10% e 25%.
Superadas as hipóteses acima, passemos a analisar e entender efetivamente os percentuais de retenção aplicáveis em caso de distrato por culpa do comprador, considerando as distinções legais estabelecidas pela Lei 13.786/20218, para cada modalidade contratual, uma vez que referida legislação estabeleceu critérios e limites distintos para cada tipo de empreendimento.
Nesse sentido, em se tratando de distrato em incorporações, ou seja, de uma unidade imobiliária em edificações, seja por inadimplência absoluta do comprador ou por desistência do negócio, em razão de dificuldades financeiras, faz-se jus a restituição dos valores pagos devidamente atualizados com base no índice contratualmente estabelecido, sendo autorizado à incorporadora, nos termos do art. 67-A da Lei dos Distratos, reter até 25% dos valores pagos, a título de multa. Nos casos em que o empreendimento estiver submetido ao regime de patrimônio de afetação, devidamente registrado na matrícula do imóvel, a retenção poderá chegar a 50% dos valores pagos.
Além dos percentuais de multa, conforme mencionado acima, a incorporadora, também fica excluída da devolução a comissão de corretagem porventura paga e, caso a unidade tenha sido disponibilizada por determinado período ao adquirente, também poderão ser retidos os impostos reais incidentes sobre o imóvel, as cotas condominiais e contribuições devidas às associações de moradores, bem como uma taxa de fruição, a qual deverá ser calculada em 0,5% sobre o valor atualizado do contrato, por mês em que o imóvel tenha sido disponibilizado.
Portanto, imaginando uma situação em que um imóvel seja adquirido por R$100.000,00 sendo R$10.000,00 pagos a título de comissão de corretagem e R$40.000,00 a título de entrada, tendo ele sido usufruído pelo comprador pelo período de 06 meses. Havendo desistência do comprador, dos R$50.000,00 pagos e após devidamente atualizados, poderá a incorporadora reter os R$ 10.000,00 da comissão de corretagem, mais R$12.500,00 a título de multa no percentual de 25%, mais R$ 3.000,00 a título de taxa de fruição, mais eventuais valores em aberto, correspondentes aos impostos e cotas condominiais, restando assim, um saldo de R$ 24.500,00 a restituir.
No que tange a compra de lotes, nos termos do art. 32-A, inciso II, a Lei do Distrato estabelece retenção, a título de multa contratual, um pouco diferente, sendo de até 10%, incidentes, contudo, sobre o valor atualizado do contrato e não sobre os valores pagos pelo adquirente, ou seja, apesar de possuir um percentual menor, a base de cálculo é o valor atualizado do contrato, o que poderá resultar em alguns casos na perda integral dos valores pagos.
Para os loteamentos, quanto a taxa de fruição, havendo o lote sido disponibilizado ao adquirente, poderá a loteadora, estabelecer um percentual de até 0,75% do valor atualizado do contrato, por mês de fruição do lote, bem como reter a comissão de corretagem, os encargos moratórios referentes às prestações pagas em atraso pelo comprador, os impostos, as cotas condominiais em aberto e as custas e emolumentos incidentes sobre a restituição/rescisão do lote.
Conclui-se, portanto, que as retenções previstas na Lei do Distrato observaram as peculiaridades da atividade incorporadora, proporcionando previsibilidade financeira e segurança na execução do empreendimento, com atenção à natureza jurídica de cada um deles, sem desconsiderar ou prejudicar os direitos do adquirente que opta pelo distrato, o qual, desde a assinatura do contrato, está ciente das penalidades incidentes.
Além disso, ao estabelecer critérios claros de retenções, a legislação contribui para que o rompimento contratual de um comprador não comprometa a continuidade da obra, nem prejudique o interesse coletivo dos demais adquirentes que permanecem vinculados ao projeto.
Por fim, ressalte-se ainda, que tanto nas incorporações quanto nos loteamentos é indispensável atentar-se aos prazos legais para a restituição dos valores devidos, sob pena de responsabilidade adicional e novos passivos judiciais.
A equipe do Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados, com atuação altamente especializada no setor imobiliário e ampla experiencia no tema, está à disposição para prestar todo o suporte técnico e jurídico necessário, desde a análise detalhada de estratégias contratuais preventivas até a assessoria jurídica necessária em ações judiciais sobre o tema.
Fernanda Freitas