O Senado Federal e a Câmara de Deputados, em sessões realizadas no Congresso Nacional nos dias 19 e 20 de agosto de 2020, derrubaram 06 (seis) dos 08 (oito) artigos vetados pelo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro à Lei nº 14.010/2020, a qual estabeleceu o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET).
Deste modo, tais artigos passarão a compor novamente o texto legal.
Dentre as disposições retomadas, está o polêmico artigo 9º, que impede a concessão de medidas liminares em ações de despejo até o dia 30 de outubro deste ano. Manteve-se o veto, entretanto, ao seu parágrafo único, o qual limitava a proibição de liminares de despejo às ações ajuizadas a partir de março de 2020.
Também retorna ao RJET o artigo 4º, que restringe a realização de assembleias presenciais por parte de algumas pessoas jurídicas de direito privado, como associações e fundações.
Foi derrubado, ainda, o veto presidencial aos artigos 6º e 7º, mantendo-se a importante previsão quanto a não retroatividade dos efeitos da pandemia sobre a execução de contratos (resilição, resolução e revisão dos contratos), assim como a regra de que eventos como inflação, variação cambial e troca da moeda nacional não se consideram fatos imprevisíveis para efeitos dos artigos 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, dentre a retomada, por fim, de outras previsões quanto às relações de consumo.
Importante destacar que o Congresso Nacional manteve o veto ao artigo 11º, o qual outorgava aos síndicos o poder de restringir o uso de áreas comuns.
Por fim, foram mantidos os vetos ao artigo 17º (redução da taxa cobrada de motoristas de aplicativos), artigo 18º (desconto aos custos dos serviços de táxi) e artigo 19º (flexibilização das regras de pesagem de cargas para facilitar a logística de transporte durante a pandemia).
A partir de agora, os vetos apreciados e rejeitados serão encaminhados à promulgação do Presidente da República, o qual possui o prazo de até 48 horas para promulgá-los. Na sua omissão, o Presidente ou o Vice-Presidente do Senado possuem igual prazo para formalizar a promulgação dos artigos em relação aos quais os vetos foram derrubados.
Assim, o texto final da Lei 14.010/2020, nascida a partir do Projeto de Lei 1.179/2020 aprovado no Senado Federal em 03 de abril de 2020, e publicada em 10 de junho deste ano, é consolidado com dezessete dispositivos de caráter transitório e emergencial. A seguir, portanto, breve resumo das previsões do RJET.
Marcos Temporais – Artigos 1º e 2º
O RJET possui caráter transitório e emergencial.
O marco inicial de aplicação do RJET é 20 de março de 2020, data em que decretado, pelo Congresso Nacional, o estado de calamidade pública do país (Decreto Legislativo n° 6/2020). O marco final, uniformizado ao longo de todo o texto da lei, é 30 de outubro de 2020.
A suspensão das normas previstas na nesta lei não revoga ou altera a legislação em vigor.
Prazos de Prescrição e Decadência: suspensão ou impedimento – Art. 3º
Estão suspensos ou impedidos, conforme o caso, todos os prazos prescricionais e decadenciais, a partir da entrada em vigor da Lei, até 30 de outubro de 2020.
As hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção previstas em lei prevalecem, se aplicáveis e enquanto perdurarem, sobre a hipótese temporária instituída pela lei em questão.
Assembleias Virtuais: para Pessoas Jurídicas de Direito Privado – Arts. 4º e 5º
As sociedades, associações e fundações, até 30 de outubro de 2020, deverão observar restrições para reuniões presenciais, conforme as determinações sanitárias das autoridades locais, e poderão admitir a realização de assembleias gerais por meios eletrônicos, independentemente de constar previsão neste sentido nos instrumentos societários. As deliberações e votos poderão ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que permita a identificação e segurança do voto, produzindo os mesmos efeitos da assinatura presencial.
Da Resilição, Resolução e Revisão dos Contratos – Arts. 6° e 7°
As consequências da pandemia nas execuções dos contratos não terão efeitos jurídicos retroativos, inclusive no que diz respeito ao caso fortuito e força maior, referidas no art. 393 do Código Civil. Além disso, não serão considerados fatos imprevisíveis o aumento da inflação, a variação do câmbio, a desvalorização ou substituição do padrão monetário, para os fins dos arts. 317, 478, 479 e 480 do Código Civil.
São afastadas expressamente, todavia, tais previsões para as relações de consumo, cujas regras de revisão contratual do Código de Defesa do Consumidor – CDC se sobrepõem às desta lei. Ainda, para os fins do RJET, as normas de proteção ao consumidor não se aplicam às relações contratuais subordinadas ao Código Civil, incluindo aquelas estabelecidas exclusivamente entre empresas ou empresários. Tal questão parece-nos afastar do objetivo principal da lei, trazendo regras de interpretação e aplicação que seguramente poderão ser discutidas.
Direito de Arrependimento nas Relações de Consumo: afastamento em alguns casos – Art. 8º
Fica afastada até 30 de outubro de 2020 a vigência do direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC, que permite, no prazo de 07 dias, a devolução de produtos ou serviços adquiridos através de entrega domiciliar (delivery), em relação a produtos perecíveis ou de consumo imediato e medicamentos. Para os demais, a regra continua valendo.
Das Locações de Imóveis Urbanos – Art. 9°
É vedada, até 30 de outubro de 2020, a concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano em ações de despejo, que possuam por fundamento o art. 59, §1º, I (descumprimento de acordo para desocupação), II (rescisão do contrato de trabalho), V (permanência do sublocatário após extinção da locação com locatário), VII (não apresentação de nova garantia), VIII (término do prazo de locação não residencial) e XI (falta de pagamento do aluguel e acessórios em contrato sem garantia), da Lei de Locações (Lei 8.245/1991).
Prazos de Usucapião: suspensão – Art. 10º
Ficam suspensos os prazos aquisitivos para fins da usucapião de bens móveis ou imóveis, desde 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020.
Relação Condominial – Artigos 12º e 13º
As Assembleias de Condomínios Edilícios poderão contar com votações virtuais, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, equiparando a manifestação de vontade através dos meios eletrônicos de comunicação à assinatura presencial.
Ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020 os mandatos dos síndicos vencidos a partir de 20 de março de 2020, caso não seja viável a realização de assembleia virtual, a fim de viabilizar o funcionamento dos condomínios edilícios.
O Síndico que não prestar contas regularmente pode ser destituído.
Regime Concorrencial: Suspensão de algumas regras – Art. 14º
Ficam suspensas, até 30 de outubro de 2020, as condutas que importam em ilícitos concorrenciais, pelos incisos XV e XVII do § 3º do art. 36 da Lei Antitruste (Lei 12.529/2011), a saber, a proibição concorrencial de venda de produtos ou serviços a preços injustificadamente abaixo do preço de mercado, bem como a cessação total ou parcial das atividades empresariais sem justa causa comprovada.
Suspensa, ainda, a presunção de haver ato de concentração quando duas ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture, prevista no inciso IV do art. 90 da Lei Antitruste. Contudo, não impede que posteriormente seja analisado o ato de concentração ou apurada infração à ordem econômica, na forma do art. 36 de dita lei, a depender se tais acordos eram efetivamente necessários para combater ou mitigar as consequências do Covid-19.
O julgamento da prática de ilícitos concorrenciais deverá levar em consideração as circunstâncias extraordinárias causadas pela pandemia.
Prisão Domiciliar por Dívida de Natureza Alimentícia – Art. 15º
Fixado, até 30 de outubro de 2020, o regime exclusivamente domiciliar para o cumprimento da prisão civil por dívida de alimentos, sem prejuízo da exigibilidade das obrigações.
Prazos Relativos à Inventário e Partilha: adiamento – Art. 16º
É adiado para 30 de outubro de 2020 o início da contagem do prazo de dois meses para sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020, para ajuizamento de ações de inventário e partilha.
Suspensos, até 30 de outubro de 2020, os prazos para conclusão dos processos de inventário e partilha, iniciados antes de 1º de fevereiro de 2020.
Lei de Proteção Geral de Dados (LGPD): Adiamento da vacatio legis – Art. 20º
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), a qual regulamenta o tratamento de dados pessoais de clientes e usuários por empresas públicas e privadas, teve adiada a entrada em vigor dos dispositivos que tratam das penalidades pelo descumprimento da lei para 1º agosto de 2021.
A LGPD em si passa a viger a partir de 14 de agosto de 2020. Entretanto, este prazo foi recentemente alterado pela Medida Provisória nº 959, de 29 de abril de 2020, a qual postergou a vacatio legis para o dia 03 de maio de 2021. Se tal MP não vingar, portanto, a LGPD entra em vigor em agosto deste ano.
Vigência – Art. 21º
O RJET entra em vigor na data de sua publicação, a saber, 12 de junho de 2020.
O Eichenberg & Lobato Advogados Associados está à disposição para quaisquer esclarecimentos e medidas necessárias sobre o assunto.
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