A proteção a áreas de restinga – consideradas Área de Preservação Permanente (APP) por força do artigo 4.º, inciso VI, do Código Florestal (Lei n.º 12.651/2012) – é tema que tem fomentado inúmeras discussões, em especial diante da incerteza quanto ao próprio conceito do bem tutelado e a consequente insegurança jurídica quanto à sua incidência.
A Resolução n.º 303/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) aplica um critério territorial para a sua definição como APP, sendo a área situada em faixa mínima de 300 metros a partir da linha de preamar máxima (LPM), independentemente da presença de vegetação de restinga (artigo 3.º, inciso IX, alínea ‘a’).
Verificam-se inúmeros julgados, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, que interpretam a norma de forma restritiva, considerando como APP não toda a faixa de terra compreendida na extensão de 300 metros a partir da LPM, mas apenas aquelas áreas, dentro dessa faixa, que tenham características e sejam assim identificadas como de restinga. Relevante precedente nesse sentido foi proferido nos autos da Ação Civil Pública n.º 0004571-88.2003.404.7201, publicado em 21/02/2011.
O STJ, embora não tenha uniformizado entendimento sobre a matéria, já se pronunciou sobre o tema. O acórdão proferido pela Segunda Turma em 22/11/2022, sob a relatoria do Ministro Herman Benjamin, nos autos do REsp n.º 1814091/SC, é representativo da atual orientação da Corte. A decisão legitima a norma do artigo 3.º, inciso IX, alínea ‘a’, da Resolução n.º 303/2002, mas – assim como os precedentes mencionados na ementa (REsp 994.881/SC, REsp 1.462.208/SC e REsp 1.544.928/SC) – não é conclusiva quanto ao critério de distância da faixa dos trezentos metros a partir da LPM.
Por outro lado, avançou quanto à definição dos elementos necessários para a configuração de APP, quais sejam: “a) localização em depósito arenoso, praias, cordões arenosos, dunas, e depressões, que pode incluir, como forma de garantir a proteção do todo, também florestas de transição restinga-encosta; b) ocorrência em linha paralela à Costa, daí a influência marinha; c) povoamento por comunidades edáficas; d) cobertura vegetal em mosaico, estrato herbáceo, arbustivo e arbóreo, este último mais interiorizado”. Sem mencionar o critério de extensão, o relator conclui que “onde essas características, entre outras, listadas pela legislação se fizerem presentes, de Restinga se cuidará para fins de proteção como APP.”
Atualmente, há uma grande expectativa no setor em torno do REsp n.º 1.827.303 - SC, decorrente de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, cuja decisão – espera-se – tratará dos critérios para a definição da proteção a áreas de restinga: se pela mera ocorrência de vegetação ou se pela ocorrência do acidente geográfico restinga, e, ainda, da aplicação, ou não, da definição da extensão de que trata o artigo 3.º, inciso IX, alínea ‘a’, da Resolução n.º 303/2002. Tal recurso encontra-se aguardando ser pautado para julgamento.
A resolução do CONAMA, de fato, traz elemento novel ao conceito de restinga em relação ao Código Florestal. Contudo, não significa, necessariamente, que a sua instituição seja mais restritiva. É preciso considerar que a restinga se trata de vegetação nativa da mata atlântica e, por si só, deve ser objeto de preservação. Nesse sentido, o critério da faixa dos 300 metros a partir da LPM não deve ser adotado em caráter absoluto, descolado da própria verificação da existência da vegetação de restinga.
Assim, entendemos relevante a definição, pelo STJ, sobre o critério conceitual de restinga, para que os órgãos administrativos, a partir disso, tracem critérios claros sobre a incidência de APP, para que se tenha maior segurança jurídica quanto a restrições construtivas. O ELA Advogados está acompanhando e monitorando os seus andamentos do REsp n.º 1.827.303-SC e demais evoluções sobre o tema.
André Maciel Vargas dos Santos