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A criação do Código Brasileiro de Inclusão: o princípio da "vedação ao retrocesso" como limite à revogação ou relativização de direitos já conquistados

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    Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados
  • há 2 horas
  • 6 min de leitura

Um projeto de lei que busca criar o Código Brasileiro de Inclusão (CBI) está gerando debate entre políticos, especialistas e entidades representativas. A iniciativa é uma proposta de consolidação das normas já existentes voltadas para a garantia dos direitos de pessoas com deficiência. Uma das principais críticas ao movimento é que, se aprovada, a mudança levaria à revogação da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), sancionada em 2015 e considerada um grande marco nas lutas dessa parcela da população.

 

Por outro lado, a justificativa para a implementação do CBI é que a unificação de todas as leis sobre o tema poderia “simplificar, facilitar e sistematizar o acesso” a direitos. A proposta foi apresentada na Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Câmara pelo deputado Duarte Jr. (PSB-MA), atual presidente do colegiado.

 

O texto prevê a revogação de normas como a Lei n° 7853/1989, a primeira regulamentação específica para pessoas com deficiência e que criminaliza condutas discriminatórias, e a Lei nº 10.098/2000, que estabelece critérios para a promoção de acessibilidade. Dentre as supressões, a mais impactante e considerada como “simbolicamente equivocada” por grupos contrários é a da Lei nº 13.146/2015, a LBI, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência.


'Legado histórico'


A LBI foi sancionada após anos de debates entre parlamentares, movimentos sociais e a sociedade civil. “Nunca havia acontecido de um projeto ter sido feito de forma tão democrática. Esse texto passou seis meses em consulta pública. É um texto construído pela sociedade brasileira e, principalmente, por aqueles que vivem a invisibilidade de ser uma pessoa com deficiência no Brasil”, afirmou, em 2015, a hoje senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), à época deputada federal e relatora do projeto no Congresso. Gabrilli é uma das vozes que, agora, se opõe às mudanças propostas.

 

O estatuto adequou o Brasil às diretrizes estipuladas na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, promulgada em 2006. Izabel Maior, primeira pessoa com deficiência a chefiar a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos, defende que o novo código não foi “fruto de debate” e também não corresponde a necessidades mais urgentes, como o cumprimento da atual legislação.

 

— A proposta revoga todas as leis que são o legado histórico e normativo das pessoas com deficiência. Revoga a Lei Brasileira de Inclusão, escrita em conjunto nacionalmente, a milhares de mãos e horas de dedicação — destaca a ex-secretária. — Todas as pessoas que contribuíram não veem motivo algum para, ao invés de celebrar os dez anos de vida da LBI, ter que evitar sua desnecessária revogação.

 

Para Duarte Jr., porém, sua proposta não pode ser encarada como uma revogação, já que os critérios estabelecidos nas leis eventualmente extintas não deixariam de existir no CBI. Segundo o deputado, o que há, na verdade, é um “apego emocional” à LBI. Para preservar seu caráter simbólico, Duarte afirma que pretende formalizar o código com uma lei de mesmo número (13.146).

 

— Vamos preservar o número por um caráter simbólico. (A LBI) É um símbolo da luta dos movimentos sociais, uma referência mundial — afirma o parlamentar, que também ressalta: — Não se cria direitos, muito menos se retira.

 

Na avaliação de Gabrilli, contudo, não se substitui “um pacto dessa magnitude” por um texto que “sequer passou pelo mesmo processo participativo". Assim como Izabel Maior, a parlamentar também defende que o ideal seria fortalecer as normas já em vigor.

 

— Discutir uma revogação ampla das leis que garantem esses direitos soa, no mínimo, deslocado da realidade. Em vez de aperfeiçoar o que falta aplicar, propõe-se voltar ao início, como se tudo o que foi construído até agora fosse descartável — lamenta.



'Aventura legislativa'


Pelas regras da Câmara, o processo de unificar leis não pode modificar o alcance nem interromper a “força normativa dos dispositivos consolidados”, e deve se ater a ações como reunir disposições repetitivas, eliminar ambiguidades ou atualizar termos antiquados. Após a apreciação em um grupo de trabalho, a proposta que cria o CBI irá para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, depois, será submetida ao plenário da Casa.

 

Ainda de acordo com o Regimento Interno da Câmara, eventuais acréscimos formulados pelos deputados durante a tramitação devem se restringir apenas aos "aspectos formais". Apesar disso, há um temor que novas discussões possibilitem a adoção de medidas capazes de suprimir ou amenizar direitos já assegurados. Até mesmo uma simples modificação na linguagem, por exemplo, poderia ocasionar interpretações jurídicas "mais restritivas", como defende Ana Claudia Figueiredo, membro do Comissão da Pessoa com Deficiência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e líder da Rede Brasileira de Inclusão (Rede-In).

 

— Tais restrições podem ocorrer também em face de forças políticas e lobbies dos mais diversos setores, que foram e continuam sendo bem presentes na tentativa de suprimir direitos consagrados — diz Figueiredo, que definiu a proposta como uma "aventura legislativa" que "desconsidera os legados históricos do movimento".


O argumento também é defendido por Izabel Maior. Segundo ela, por não depender apenas do autor ou do relator e ser “passível da interpretação de qualquer parlamentar", a proposta poderia interessar a grupos que já se posicionaram contra medidas de inclusão, acessibilidade e combate à discriminação.

 

— Ainda que no Regimento da Câmara haja proteção contra emendas, o risco é enorme. E o ganho em direitos, orçamento e aplicabilidade é inexistente — afirma.

 

Advogada especialista em Direito Público, Daiana Mallmann explica que o princípio jurídico da "vedação ao retrocesso" impede a revogação ou relativização de direitos já conquistados sob pena de inconstitucionalidade. No entanto, Mallmann destaca que os receios de eventuais retrocessos são questões "sempre presentes" quando se trata de retomar debates no Congresso Nacional.

 

— Sempre que estamos diante de um novo texto legal, estaremos diante de novas interpretações possíveis. Só a atualização e reorganização do texto, dependendo de como será realizada, já é capaz de provocar novas interpretações, novas dúvidas e novos questionamentos — ressalta.

 

Ao assumir a presidência da CPD, em março, o deputado Duarte Jr. defendeu "transformar essa comissão em um verdadeiro motor de mudanças" em busca de fomentar novas garantias de inclusão. O parlamentar garante que a supressão de direitos é "impossível", já que a tramitação é "muito simples".

 

— Não há alteração. Esse projeto é de consolidação das leis. Ele não pode, pelo Regimento da Câmara, alterar ou revogar (direitos conquistados) — garante o deputado. — A consolidação é fundamental para que a gente possa ter tudo em um único texto. Para as pessoas exigirem seus direitos, elas precisam conhecê-los.

 

Audiência pública


No dia 6 de maio, a pedido de Duarte Jr., foi realizada uma audiência pública na Câmara dos Deputados para discutir a criação do código e a possibilidade de incorporar mudanças no texto original. Na ocasião, César Achkar, pessoa com deficiência visual e representante da organização Retina Brasil, afirmou que, apesar do receio inicial com a proposta — em um momento definido por ele como sendo de ataque aos direitos dessa população —, a demanda por unificar as leis é antiga.

 

“A gente tem que olhar para isso com atenção. Não é porque contraria vaidades ou interesses institucionais e partidários, que são legítimos, que a gente pode simplesmente dizer que uma proposta de avanço de repente virou um retrocesso”, argumentou Achkar durante o encontro.

 

Já Maria Aparecida Gugel, que representou a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas Idosas e Pessoas com Deficiência (AMPID), alegou que a organização é contra o código e a favor da vigência da LBI, classificada como “um exemplo para o mundo”.

 

O presidente da comissão prometeu avaliar os questionamentos e apresentar, até o fim deste mês, um novo texto. Além disso, Duarte Jr. afirmou que a CPD irá promover audiência públicas em todas as capitais brasileiras.

 

— Todos tiveram direito à fala, sem limitação de tempo. Foram mais de seis horas de escuta. Esse perfil (do diálogo) é o que sempre busco ter. Destaquei que todas as observações serão levadas em consideração — pontua o parlamentar.

 

Em 2024, na 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, realizada em Brasília, uma das moções aclamadas abordava a necessidade de atualizar textos de legislações vigentes, “especialmente no que tange aos termos referentes às pessoas com deficiência”. O argumento é utilizado pelo deputado Duarte Jr. — que é pai de um menino de 2 anos com síndrome de Down e milita desde o período como deputado estadual no Maranhão — como um dos fundamentos para a criação do código. A senadora Mara Gabrilli, entretanto, sustenta que tais mudanças poderiam ocorrer via "projetos simples de lei”.

 

No mês passado, a Rede-In criou um abaixo-assinado para se posicionar contra o projeto. Até o momento, o documento conta com mais de 3 mil assinaturas, entre cidadãos e associações representativas. Em abril, em reunião com Duarte Jr. e Gabrilli, a entidade apresentou um pedido de retirada e arquivamento da proposta.


Daiana Mendes Mallmann 

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