Como já vem sendo amplamente divulgado, a Pandemia de COVID-19 e suas consequências econômicas decorrentes das medidas de distanciamento social ordenadas pelos Governos Federal, Estadual e Municipal, vem trazendo impactos às relações contratuais, em especial aos Contratos de Locação Comercial.
Dito impacto não atinge somente uma das Partes, ou seja, não é capaz de, por si só, desequilibrar quaisquer contratos, em favor de um ou outro lado. Isso, basicamente, porque não implica ônus demasiado para uma parte ao mesmo passo em que gera benefício exagerado para outra parte, como previsto no Código Civil (artigos 478 a 480) e mesmo no Código de Defesa do Consumidor (artigo 51, §1º, II e §4º).
Não há assim, a nosso ver, necessariamente um imediato desequilíbrio na relação contratual, mas, sim, impactos negativos para ambas as partes contratantes, em força e proporção que devem ser analisados caso a caso. E, importante constar e apontar desde já, esses impactos negativos são temporários.
Pois bem, nos casos em que o impacto inviabiliza o cumprimento do contrato nos termos em que foi firmado há, portanto, possibilidade de o locatário ajuizar ação buscando esse redimensionamento/isenção dos alugueres, por meio de Ação de Reequilíbrio Contratual, visando adequação momentânea da execução do contrato por período certo e determinado de tempo.
O requisito a ser atendido pelo Locatário seria a demonstração de queda do lucro líquido que impossibilite o cumprimento do contrato nos termos ajustados e tal ação teria fundamento nos arts. 317 e 480 do Código Civil e seria, então, utilizada para os casos onde, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução.
Assim, entendemos que tal ação pode ser utilizada pelos locatários cabendo ao judiciário analisar detidamente cada caso concreto, tendo especial atenção ao fato de que a crise decorrente do vírus COVID-19 traz impactos severos também aos Locadores. A análise deve ser cuidadosa de forma que, ao tentar reequilibrar a execução temporária do contrato, não gere desequilíbrio ao mesmo.
Registre-se que entendemos que essa ação de reequilíbrio contratual não pode servir para que ocorra suspensão do cumprimento da obrigação de pagar o aluguel, mas apenas para readequar, se o caso concreto justificar, o valor da prestação temporariamente. Considerando o momento vivido (artigo 317 CC), na mais elástica das hipóteses, caberia ao Locatário buscar a resolução do contrato (artigo 478 do Código Civil), se comprovar que não tem condição de cumprir nem com parte do quanto ajustado.
Vê-se, então, que a ação adequada para ajustar o valor da prestação ao momento atual não seria aquela ação revisional do aluguel clássica prevista na lei das locações, mas uma ação de reequilíbrio da execução do contrato por período certo e determinado de tempo fundamentada no Código Civil.
E por que não seria a Ação Revisional prevista na Lei das Locações (art. 68 e seguintes da lei 8245/91) adequada para reajustar os contratos diante dos efeitos da Pandemia?
Ora, a ação Revisional de Aluguel prevista na Lei do Inquilinato é autorizada a ser utilizada para casos onde já tenham decorrido 3 (três) anos de vigência do contrato e visa adequar o aluguel ao valor de mercado do Imóvel. Não tem por fundamento o equilíbrio temporário da execução do contrato pela perda de lucro líquido ou impossibilidade de utilização do Imóvel, como ocorre em razão da pandemia.
Dessa forma, a Ação Revisional da Lei das Locações tem por objetivo alterar as bases contratuais por longo período de tempo, com efeitos futuros, se estendendo por pelo menos mais três anos de contrato, não sendo razoável que a revisão tenha por base uma situação de exceção, temporária e com reflexos ainda desconhecidos e incertos.
A pandemia não reclama a revisão das bases contratuais, do contrato, mas sim e temporariamente, a adequação da forma do cumprimento das obrigações, através da concessão de descontos, diferimento nos pagamentos, dentre outras alternativas. Enfim, não é correto se valer da pandemia para buscar estabilizar uma relação para o futuro e por anos!
Como exemplo imagine-se se eventualmente seja fixado, hoje, o aluguel considerando a pandemia (aluguel COVID-19) e, após um mês, surge a vacina para conter a propagação do vírus. Neste caso, por óbvio, o contrato terá um longo período de desequilíbrio e a sentença, imediatamente ou rapidamente, se tornará inadequada, justamente porque teve como base da revisão situação de exceção, temporária e com efeitos não dimensionados.
Então, caso o judiciário tenha que enfrentar uma ação dessa natureza, entendemos que o aluguel deva ser fixado/revisado sem considerar os temporários efeitos da pandemia, sendo possível ao locatário, se demonstrar ter sido economicamente impactado pela crise, buscar redução ou diferimento no pagamento do aluguel pelo período em que esteja impactado pelos efeitos da pandemia, mas, jamais, revisar o valor da locação por longo período de tempo com base no cenário atual que é excepcional e passageiro.
Não sendo esse o entendimento a saída, visando não desequilibrar por anos a relação, seria a de fixar um aluguel provisório (que nos termos da lei não pode ser inferior a 80% do valor contratado) e postergar a perícia que visa fixar o valor do aluguel para período posterior à pandemia, quando as relações estiverem mais estáveis e o cenário futuro mais claro.
Perícia posterior poderia fixar o valor do aluguel somente durante a pandemia, conferindo maior segurança e assertividade na estabilização da relação contratual para o futuro.
Fato é que não nos parece adequada a utilização dessa ação no momento atual, pois estar-se-ia buscando, ao fim e ao cabo, definir novas bases contratuais para serem cumpridas por longo período de tempo com base em uma situação temporária e excepcional, cujas consequências e efeitos ainda não estão definidos e nem são passíveis de serem contabilizados em sua totalidade.
Pedro Eichenberg
Theodoro Focaccia Saibro