Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1597084/SC, que uniformizou a jurisprudência da corte sobre o tema, definiu que a transferência de imóvel registrada durante o termo legal da falência, mas antes da decretação da quebra da entidade empresarial, só pode ser declarada ineficaz mediante comprovação de fraude. Ou seja, a decisão afastou a presunção de má-fé que havia quando a alienação do bem ocorria durante o termo legal de falência.
Segundo constou na ementa do acórdão dessa decisão, “a controvérsia” julgada cingiu-se “a verificar se o registro de transferência de propriedade imóvel no termo legal da falência, mas antes da decretação da quebra, se enquadra na hipótese do artigo 129, VII, da Lei nº 11.101/2005, dispensando a prova da fraude para declaração de sua ineficácia”. Isso porque, segue a ementa, “o artigo 129 da Lei nº 11.101/2005 elenca as hipóteses em que os atos do falido serão considerados ineficazes perante a massa, ainda que praticados de boa-fé”.
Dentro dessa polêmica, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “o ato do falido considerado objetivamente ineficaz pela Lei de Recuperação Judicial e Falência é o registro de transferência de propriedade após a decretação da quebra e não no termo legal da falência”.
Assim, antes da decisão proferida no REsp nº 1597084/SC, havia divergência sobre o tema, inclusive dentro do próprio STJ, existindo diversas decisões que decretavam a ineficácia dos atos de alienação, de forma objetiva, pelo simples fato de a mesma ter ocorrido dentro do período denominado como termo legal da falência, sem considerar a existência ou não de boa-fé das partes quando da formalização do negócio jurídico.
Poder-se-ia, inclusive, sustentar que tal entendimento seria uma afronta ao princípio da boa-fé do adquirente, porém o caminho dos Ministros da Terceira Turma para afastar a presunção de fraude em casos como o em apreço partiu de premissa diferente, e mais definitiva, ao entenderem que a alienação no período do termo legal de falência não se enquadra na hipótese do artigo 129, VII, da Lei 11.101/2005, cuja aplicação estará restrita àqueles atos registrados após a decretação da quebra, o qual determina que:
“Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores:
(...)
VII – os registros de direitos reais e de transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis realizados após a decretação da falência, salvo se tiver havido prenotação anterior.”
Não há dúvidas que o artigo 129 da Lei 11.101/2005 estabelece as hipóteses em que os atos do falido são considerados ineficazes perante a massa, ainda que praticados de boa-fé, naquele período compreendido como termo legal da falência, ante a retrotração dos seus efeitos. Todavia, o entendimento firmado pelo STJ é que a alienação no período do termo de legal da falência não se enquadra em qualquer das situações previstas no dispositivo legal, pois o ato do falido considerado ineficaz pelo artigo 129, VII, da Lei de Falência é o registro de transferência de propriedade APÓS a decretação da quebra.
Assim, consolida-se o entendimento de que o registro da transferência de propriedade ocorrido (ou prenotado) dentro do termo legal da falência, porém antes da decretação de quebra, não é capaz de, por si só, conduzir à ineficácia do registro, sendo necessário comprovar-se o conluio fraudulento entre o comprador e o vendedor em processo de falência.
Empresta-se, com esse entendimento, força e capacidade de geração de estabilidade ao registro de direitos reais e de transferência de propriedade, o que ganha contornos de extrema relevância quando se estiver diante de transações imobiliárias.
Importante ressaltar que não está afastada a possibilidade de declaração de ineficácia da venda no período do termo legal de falência. Todavia, para que tal ocorra, é necessária prova de má-fé do adquirente, situação que, na própria Lei de Falências, tem previsão contida no art. 130, que dispõe que “são revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida.”
Dessa forma, consolidando entendimento único no Superior Tribunal de Justiça, acerca do tema, reforça-se a segurança jurídica e, com isso, vai formando-se a base para a necessária recuperação econômica tão esperada após os efeitos da pandemia que assola o mundo e, particularmente, também o País.
Deve-se registrar, por relevante, que esse entendimento, por si só, não invalida as hipóteses de anulação e ineficácia de negócios jurídicos diante de fraude a credores ou à execução, sendo sempre relevante, para segurança dos negócios, a adoção de cautelas mediante a análise de certidões e informações em nome do proprietário alienante e dos antecessores na propriedade objeto de transferência ou da constituição de direitos reais.
No mesmo sentido do judiciário, que abordou e consolidou entendimento sobre tema relevante da Lei de Falências, andou o executivo que editou Lei nº 14.122 de 24 de dezembro de 2020 que altera a Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, aqui tratada, bem como às Leis nº 10.522, de 19 de julho de 2002, e nº 8.929, de 22 de agosto de 1994, para atualizar a legislação referente à recuperação judicial, à recuperação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária, buscando com isso também auxiliar na necessária retomada econômica do país, sustentada em segurança jurídica.
Pedro Eichenberg e Theodoro Focaccia Saibro