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Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados - Especialista em Direito Imobiliário

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Adjudicação Compulsória Inversa

As transações imobiliárias são procedimentos complexos, permeados por diversos atos, alguns dos quais indispensáveis para a efetiva transmissão da propriedade do bem. Dentre eles, destaca-se a manifestação de vontade de ambas as partes – quem o transmite e quem o recebe – por meio da celebração de instrumento de título translativo, apto para a perfectibilização do competente registro imobiliário.[1] Por vezes, verificam-se situações problemáticas, quando uma das partes se recusa a celebrar o referido instrumento, inviabilizando a conclusão da transmissão de propriedade do bem imóvel.


Nesse contexto, a adjudicação compulsória emerge como solução para suprir a falta da manifestação de vontade do promitente vendedor (transmitente), configurando-se como uma ação que tem como objetivo o registro de propriedade em favor de quem adquiriu os direitos de propriedade sobre um determinado bem.


O instrumento é expresso no Decreto-Lei nº 58/1937, que dispõe sobre o loteamento e a venda de terrenos para pagamento em prestações. O seu artigo 16 prescreve a possibilidade de que o compromissário comprador proponha “ação de adjudicação” para o cumprimento da obrigação da outorga da escritura definitiva, caso, verificadas as condições para a transmissão da propriedade, o compromitente vendedor se recuse a praticar o ato.[2] Em termos gerais, o Código Civil regulamenta o instituto, por meio do seu artigo 1.418, facultando ao promitente comprador, “titular de direito real”, ajuizar ação de adjudicação do imóvel em face do promitente vendedor, ou de quem exerça os direitos de propriedade, para a outorga definitiva de compra e venda, caso haja recusa por parte deste.[3]


Uma abordagem menos convencional do tema surge com a expressão "adjudicação compulsória inversa". Essa variante aparenta inverter o papel tradicional das partes envolvidas. A compreensão desse conceito exige uma análise mais aprofundada da dinâmica subjacente às transações imobiliárias e das circunstâncias que podem levar a uma adjudicação compulsória com uma perspectiva inversa. Nesse caso, o vendedor, e não o comprador, é quem busca a intervenção judicial para forçar a transferência da propriedade. Assim, alega-se que o vendedor cumpriu suas obrigações contratuais, mas o comprador, por razões diversas, recusa-se a praticar o ato necessário a desoneração do vendedor.


É de amplo e geral conhecimento que o exercício da propriedade envolve suportar diversos ônus, seja perante terceiros, respondendo pela manutenção do bem, seja perante o poder público, por meio do pagamento de tarifas e tributos ou por inúmeras outras obrigações ou restrições administrativas. Sendo assim, diante da ausência de instrumento expresso para que o promissário vendedor possa liberar-se do ônus da propriedade, é de extrema relevância a construção e a evolução do instituto da adjudicação compulsória inversa.


A outorga da escritura representa, em um primeiro momento, uma obrigação de fazer do promitente vendedor, quando verificado o pagamento integral do preço pelo promissário comprador. Mas, também, deve ser considerada um direito do promitente vendedor de liberar-se da obrigação e, consequentemente, das diversas obrigações de natureza propter rem decorrentes do domínio sobre o bem imóvel.


O instituto da adjudicação compulsória inversa, embora relativamente novo, tem sido encaminhado ao apreço dos tribunais brasileiros, que já apresentam decisões que têm auxiliado a moldar as suas características. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul apresenta um importantíssimo precedente, vinculado por meio da decisão proferida em 13 de julho de 2016, pela Vigésima Câmara Cível, nos autos da Apelação Cível nº 70069985117, da relatoria do Desembargador Dilso Domingos Pereira.[4]



No caso, foi intentada uma ação cominatória, exigindo-se, portanto, uma obrigação de fazer em face do promissário comprador. Contudo, o deslinde da situação culminou com a determinação judicial de que o título judicial, a sentença, substitua a manifestação de vontade do réu, o que se depreende do seguinte trecho da ementa: “O promitente-vendedor de imóvel tem direito de exigir do promitente-comprador a efetivação da transferência da propriedade para o seu nome e, em caso de negativa, de fazer uso da ação de adjudicação compulsória inversa, cuja sentença supre a manifestação de vontade negada.” Mais adiante, no desfecho da decisão, esse encaminhamento é reforçado: “apesar da inexistência de cláusula específica in rem suam, deve ser julgada procedente a demanda, em estrita observação ao princípio da boa-fé, substituindo-se a declaração de vontade omitida pelo réu (diante de sua injustificada recusa em cumprir a obrigação) pelo provimento jurisdicional equivalente.” Logo, no caso em análise, aplicou-se, inequivocamente, a adjudicação compulsória inversa, nos mesmos moldes da convencional adjudicação compulsória.


Diante dos elementos expostos, resta evidente que os tribunais devem considerar a equidade das situações, para, avaliando os detalhes de cada transação imobiliária, interceder favoravelmente ao promitente vendedor, quando este se encontrar desprovido de outros meios para liberar-se do ônus do exercício do domínio sobre bem imóvel. À medida que a jurisprudência evolui, e que as práticas comerciais se adaptam, a adjudicação compulsória inversa pode-se tornar uma ferramenta jurídica mais proeminente, exigindo do Judiciário – diante da ausência de previsão legal expressa – a crescente formatação do instituto por meio da análise pormenorizada dos casos concretos.


André Maciel

[1] O ordenamento jurídico brasileiro prescreve que a transmissão de bem imóvel se concretiza por meio do registro do título translativo no Registro de Imóveis. É o que aduz da redação do art. 1.245, do Código Civil, verbis: “Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.” [2] “Art. 16. Recusando-se os compromitentes a outorgar a escritura definitiva no caso do artigo 15, o compromissário poderá propor, para o cumprimento da obrigação, ação de adjudicação compulsória, que tomará o rito sumaríssimo.” [3] “Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.” [4] “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO COMINATÓRIA PARA TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE DE BEM IMÓVEL (ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA INVERSA). OMISSÃO DO COMPRADOR. POSSIBILIDADE. O promitente-vendedor de imóvel tem direito de exigir do promitente-comprador a efetivação da transferência da propriedade para o seu nome e, em caso de negativa, de fazer uso da ação de adjudicação compulsória inversa, cuja sentença supre a manifestação de vontade negada. No caso concreto, transcorridos mais de 24 (vinte e quatro) anos desde a celebração e o adimplemento do negócio jurídico, o promitente comprador (réu) permanece inerte, evitando a transferência da propriedade registral do bem para si, situação que ensejou, inclusive, a propositura de execução fiscal (relacionada ao imóvel objeto do litígio) em desfavor da ora apelante Hipótese dos autos em que, apesar da inexistência de cláusula específica in rem suam, deve ser julgada procedente a demanda, em estrita observação ao princípio da boa-fé, substituindo-se a declaração de vontade omitida pelo réu (diante de sua injustificada recusa em cumprir a obrigação) pelo provimento jurisdicional equivalente. Ante o resultado do julgamento, considerando-se o decaimento do requerido, devem ser redistribuídos os ônus sucumbenciais fixados em primeira instância. Apelação cível provida. Unânime. (Apelação Cível, Nº 70069985117, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em: 13-07-2016).

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