Recentemente, o regime de tributação de rendimentos auferidos no exterior, por pessoas físicas residentes no Brasil, foi objeto de profundas alterações, com a publicação da Lei nº 14.754, de 12 de dezembro de 2023. A legislação também alcança a tributação de entidades controladas e trusts no exterior. As novas regras, quanto à tributação de rendimentos no exterior, entram em vigor a partir de 1º de janeiro de 2024.
Em linhas gerais, quanto aos rendimentos gerados por aplicações financeiras realizadas diretamente por pessoas físicas no exterior, houve uma simplificação do regime de tributação, na nova legislação. Até 2023, os rendimentos auferidos por pessoas físicas residentes no Brasil, em decorrência de investimentos em aplicações financeiras no exterior, estavam sujeitos à tributação como ganho de capital, em moeda estrangeira, com alíquotas progressivas de 15% (ganhos até R$ 5.000.000,00) até 22,5% (ganhos acima de R$ 30.000.000,00). A tributação era apurada a cada liquidação ou resgate de aplicações financeiras realizadas em moeda estrangeira, estendendo-se também às situações de crédito de rendimentos gerados por essa aplicações (juros creditados em conta, desde que disponíveis para saque). Ou seja, o contribuinte residente no Brasil, pessoa física, precisava apurar o ganho de capital verificado em cada operação realizada no exterior e sujeitá-lo à tributação. Para o pequeno ou médio investidor, pessoa física, o alívio na necessidade de apuração reiterada da tributação de seus rendimentos no exterior, ao longo do ano, era alcançado pela concessão de isenção aos ganhos de capital inferiores a R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), compreendido o limite como mensal, a exemplo do método adotado para as operações com ações em bolsa de valores. Em se tratando, porém, de rendimentos decorrentes não de juros de aplicações financeiras, mas de dividendos pagos por ações no exterior, a tributação, no Brasil, era tratada como rendimentos recebidos do exterior, sujeitos ao recolhimento mensal obrigatório (“carnê-leão”), segundo a tabela progressiva do imposto de renda da pessoa física (alíquotas de 7,5% a 27,5%). Embora também houvesse o limite de isenção da própria tabela progressiva (atualmente, no montante de R$ 2.112,00 por mês), a sujeição ao carnê-leão exigia a soma desses dividendos com quaisquer outros rendimentos recebidos de pessoas físicas ou mesmo do exterior, para fins de verificação do cabimento, ou não, da isenção, e do próprio cálculo do recolhimento mensal obrigatório respectivo, segundo as alíquotas da tabela progressiva do imposto.
A partir de 1º de janeiro de 2024, os investidores, pessoas físicas, residentes no Brasil, que mantenham aplicações financeiras no exterior, somente sujeitarão os rendimentos auferidos à tributação quando do encerramento do próprio ano-calendário. A apuração e o pagamento do imposto correspondente serão realizados na declaração de ajuste anual do imposto de renda da pessoa física, a ser entregue em 2025. Os rendimentos auferidos no exterior, sejam decorrentes de juros, sejam originados de dividendos, serão tributados em separado dos demais rendimentos auferidos pela pessoa física. E será aplicada uma alíquota única, de 15%. Como regra, não será aplicada nenhuma dedução de base de cálculo. Mas será permitido deduzir o imposto sobre a renda pago no país de origem dos rendimentos, desde que esteja prevista a compensação em acordo para evitar a dupla tributação, da qual o Brasil seja signatário, ou haja reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no Brasil, pelo país de origem.
Em síntese, a vigente apuração mensal do ganho de capital (para juros) ou de carnê-leão (para dividendos), quanto aos rendimentos auferidos no exterior, foi substituída por uma apuração anual, na declaração de ajuste anual do exercício seguinte, com uma alíquota unificada de 15%. Perde-se a isenção, seja do ganho de capital (R$ 35.000,00/mês), seja do carnê-leão (R$ 2.112,00/mês), mas simplificam-se a apuração e o recolhimento.
Porém, a Lei nº 14.754/2023 promove também outra profunda alteração na tributação dos rendimentos auferidos no exterior, por pessoa física residente no Brasil, ao revogar o art. 24 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001. Esse último dispositivo era a base legal para a distinção entre aplicações financeiras, no exterior, adquiridas com rendimentos auferidos originalmente em reais, e aplicações financeiras, também no exterior, adquiridas originalmente com rendimentos auferidos originalmente em moeda estrangeira.
Para aplicações financeiras adquiridas com rendimentos auferidos originalmente em reais, o ganho de capital a ser tributado sobre os rendimentos gerados era calculado, segundo o art. 24 da MP nº 2.158-35/2001, com base na diferença positiva, em reais, entre o valor de alienação, liquidação ou resgate da aplicação, e o seu custo de aquisição, também em reais. Com isso, tributava-se, nessas operações, não apenas o ganho em moeda estrangeira alcançado na liquidação do ativo, mas também o ganho gerado pela variação cambial, calculada pela diferença entre o valor, em reais, do custo de aquisição do ativo e o valor, também em reais, da sua alienação, considerando a cotação do real nas datas de aquisição e de alienação do ativo (pelo valor do dólar, para compra, do Banco Central).
Porém, em se tratando de aplicações financeiras adquiridas com rendimentos auferidos originalmente em moeda estrangeira, quando da alienação, liquidação ou resgate da aplicação, o ganho de capital a ser tributado no Brasil, pelo residente pessoa física, era calculado pela diferença positiva, em dólares americanos, entre o valor da alienação e o seu custo de aquisição, convertida então essa diferença positiva para reais, com o dólar de compra, do Banco Central, para a data da operação. Com isso, não era reconhecido, nem tributado nenhum ganho por variação cambial, situação perfeitamente racional e lógica, já que o ativo negociado já havia sido adquirido com rendimentos auferidos originalmente em moeda estrangeira.
Ao revogar o art. 24 da MP nº 2.158-35/2001, a Lei nº 14.754/2023 aponta para o fim da distinção entre ativos adquiridos no exterior com rendimentos auferidos originalmente em reais e com rendimentos auferidos originalmente em moeda estrangeira. Como regra, portanto, haverá a tributação da variação cambial, em toda alienação, liquidação ou resgate de aplicações financeiras mantidas no exterior, por pessoas físicas residentes no Brasil. Apenas excepcionalmente a tributação da variação cambial não será tributada, como na concessão de isenção do imposto sobre a variação cambial de depósitos em conta corrente não remunerada, ou em cartão de débito ou de crédito no exterior, bem como na isenção da variação cambial de moeda estrangeira mantida em espécie, até o limite de US$ 5.000.
Para as pessoas físicas residentes no Brasil que mantêm, no exterior, investimentos adquiridos com rendimentos auferidos originalmente em moeda estrangeira, o novo regime criado pela Lei nº 14.754/2023 suscita dúvidas. Qual a cotação deverá ser adotada como custo de aquisição do investimento, para fins de apuração do ganho por variação cambial? Como regra geral, o art. 15 da nova lei determina a adoção da cotação de fechamento da moeda estrangeira (não mais do dólar americano), divulgada, para venda, pelo Banco Central, para a data do fato gerador, ressalvadas as disposições específicas previstas na própria lei. Mas o emprego de uma cotação para a “data do fato gerador” apenas esclarece a taxa de conversão do valor da alienação, não a do seu custo de aquisição.
Tratando-se de aplicações financeiras no exterior mantidas há anos ou mesmo há décadas, muitas delas apenas regularizadas no Brasil a partir de 2016, através da adesão ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), instituído pela Lei nº 13.254/2016, a determinação da “data do fato gerador”, para fins de fixação da cotação a ser empregada como custo de aquisição dos ativos é tarefa no mínimo complexa, senão impossível.
O novo regramento da tributação da variação cambial de ativos no exterior, trazido pela Lei nº 14.754/2023, deve ser objeto ainda de diversos questionamentos e debates entre fisco e contribuintes, a iniciarem com a própria regulação a ser emitida pela Secretaria da Receita Federal, conforme previsto no art. 45 da nova legislação. O regramento a ser emitido é aguardado com ansiedade pelos investidores, mas as dúvidas e as discussões não devem encerrar com a sua emissão.
Edmundo Cavalcanti Eichenberg
Comments