A ferramenta da “retenção técnica” é usual em relações entre incorporadoras e empreiteiras contratadas para execução de determinados serviços em empreendimentos imobiliários. Trata-se de disposição contratual válida e aplicável às relações nas quais é enquadrada.
A dinâmica das retenções técnicas prevê — no curso da contratação e execução escopo da relação contratual — a retenção, pela incorporadora, na qualidade de contratante, de percentual do valor de cada fatura dos serviços de construção ou de cada medição realizada, nos termos do que prévia e negocialmente ajustado pelas Partes.
Os valores assim retidos somente serão exigíveis e, portanto, devidos se, após um determinado período (eg. 180 dias da conclusão das obras ou serviços), contratualmente estabelecido, for confirmada a correção e qualidade dos serviços realizados pela empreiteira e, por outro lado, a inexistência de danos ou prejuízos decorrentes desta prestação de serviços.
Vê-se, assim, que a liberação da retenção técnica ou a utilização dos valores pela incorporadora depende da demonstração da existência ou inexistência da (i) qualidade dos serviços prestados pela empreiteira; e/ou (ii) dos prejuízos suportados pela incorporadora em razão dos serviços contratados, sejam eles custos para refazimento de serviços que apresentaram problemas ou danos decorrentes de demandas judiciais ou administrativas.
Verificada qualquer inconformidade, dano, prejuízo ou necessidade de reparo/refazimento, se a própria contratada não providenciar espontaneamente a reparação, a incorporadora contratante estará, então, autorizada a buscar a reparação do prejuízo que vier a sofrer naquele valor retido a título de retenção técnica.
Entretanto, as relações entre incorporadores e empreiteiras não raras vezes terminam de forma unilateral, com o rompimento abrupto do contrato por uma das Partes. Em outras oportunidades, as prestadoras de serviço acabam falindo e deixando um passivo que atinge a contratante.
São inúmeras as demandas de cobrança de valores de retenção técnica por prestadoras de serviços e, muitas vezes, há falta de clareza e documentação para elaboração da defesa judicial da incorporadora contratante.
Com efeito, para que a incorporadora exerça com tranquilidade o direito de reter os valores das retenções técnicas realizadas, precisará demonstrar a ausência de qualidade dos serviços prestados, eventuais prejuízos enfrentados e, principalmente, os custos diretos e indiretos suportados para a solução dos problemas.
Necessário, então, para que se tenha um cenário favorável de negociação e, também, subsídios para eventual futura defesa judicial (373, II do CPC), que a incorporadora, tão logo identifique pontos que serão enfrentados com recursos das retenções técnicas realizadas, se cerque de todas as cautelas necessárias, (i) formalizando a situação perante a empreiteira (eg. registro no diário de obras, encaminhamento de notificação dando ciência dos problemas e requisitando intervenção corretiva, etc.) e, também, (ii) elaborando material técnico necessário, para controle interno, com o registro dos danos decorrentes da prestação de serviços (eg. patologias ou condenações), as intervenções realizadas e, após, os custos suportados para solução das questões.
Formalizar e documentar de forma rápida e abrangente a situação é de suma importância. Esta atuação, não há dúvida, precisa ser multidisciplinar e implica em atuação conjunta das áreas de engenharia, suprimentos e jurídica, tornando possível o imediato registro e formalização dos problemas assim que ocorridos.
Pensar em registrar os pontos positivos e negativos das relações contratuais nada mais é do que fazer a gestão responsável da relação contratual, pré-constituindo provas para possíveis passivos futuros, de forma a evitar a necessidade de reconstrução ou desconstrução futura de eventos passados, a partir da conexão de fatos e documentos que, talvez, por meio da atuação preventiva, já poderiam estar prontos e organizados.
Pedro Braga Eichenberg