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Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados - Especialista em Direito Imobiliário

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"Quantidade de Grãos" como preço no Arrendamento Rural: Questão polêmica

A questão da fixação do preço do arrendamento rural em produto pode ser citada como uma das questões mais polêmicas do direito agrário.


Nos contratos empresariais em geral, em conformidade com os princípios consagrados no Código Civil, prevalece a autonomia privada, sendo as partes livres para ajustarem as condições da contratação. No entanto, no que concerne aos contratos agrários, visando a proteção da função social da propriedade, bem como o equilíbrio na relação, há uma maior intervenção do Estado, limitando a liberdade contratual e estabelecendo cláusulas obrigatórias ou determinadas proibições às partes. Tais limitações são impostas pelo Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964) e pelo Decreto 59.566/1966.


No que concerne à fixação do preço no contrato de arrendamento, a limitação é imposta pelo art. 95, inciso XI, alínea a, do Estatuto da Terra e pelo art. 18, do Dec. nº 59.566/1966, sendo que este diz: “O preço do arrendamento só pode ser ajustado em quantia fixa de dinheiro, mas o seu pagamento pode ser ajustado que se faça em dinheiro ou em quantidade de frutos cujo preço corrente no mercado local, nunca inferior ao preço mínimo oficial, equivalha ao do aluguel, à época da liquidação.”


Conforme se depreende da leitura do mencionado art. 18, a lei só permite a fixação do preço do arrendamento em dinheiro, ou seja, em moeda corrente nacional. O mesmo dispositivo legal permite, por outro lado, que o pagamento se faça em dinheiro ou quantidade de frutos (grãos).


Portanto, poder-se-ia afirmar (e esse é o entendimento de alguns doutrinadores) que a fixação do preço do arrendamento em grãos importa em contrariedade ao texto expresso da lei e, em consequência, na nulidade da cláusula do preço.


Ocorre que, apesar da restrição legal, a fixação do preço do arrendamento rural em grãos encontra amplo suporte nos usos e costumes no nosso país, razão pela qual o tema vem ensejando grandes embates na doutrina e na jurisprudência.


A discussão se revela importante quando, tendo as partes do contrato de arrendamento fixado o preço em grãos (x sacos de arroz, por exemplo) ocorre o inadimplemento do arrendamento e o arrendador precisa se socorrer do judiciário para cobrar o crédito. Aí surge o questionamento: a contraprestação devida pelo arrendatário é líquida e certa? O contrato pode ser executado se a cláusula do preço contraria a lei?


O entendimento há muito consolidado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é no sentido de respeitar os usos e costumes, validando a cláusula que fixa o preço do arrendamento em quantidade de produto (grãos), sob o argumento de que ela não traz prejuízo às partes, ao mesmo tempo que, ao invalidá-la, estar-se-ia possibilitando o enriquecimento indevido do arrendatário.


Já no Tribunal de Justiça de Minas Gerais a questão segue bastante controvertida, encontrando-se tanto decisões que validam a cláusula do preço fixada em quantidade de produto quanto decisões que a julgam inválida por contrariar a lei. Nesse sentido pode-se citar a decisão recente, de maio do corrente ano (Apelação Cível 1.0433.12.017176-7/001), na qual a 16ª. Câmara Cível do TJMG julgou inválida a cláusula do preço, por ter sido fixada em quantidade de produto, entendendo que tal critério inviabilizaria a definição do valor do arrendamento. Nesse caso, para evitar que o arrendatário tenha um enriquecimento ilícito, a decisão determinou que o preço do arrendamento deveria ser fixado em liquidação de sentença.


Esse entendimento traz um grave prejuízo ao arrendador, que cumpriu sua obrigação, privou-se do uso da terra em favor do arrendatário e terá que se sujeitar a uma morosa etapa de liquidação de sentença para receber o que lhe é devido.


O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, tinha posição firmada no sentido da invalidade da cláusula do preço do arrendamento fixada em quantidade de produto, por afrontar o art. 18, parágrafo único, do Decreto nº 59.566, de 14/11/1966. Assim, na mesma linha do TJMG, o STJ não considerava exequível o contrato de arrendamento que contivesse tal cláusula, exigindo para a cobrança do crédito o processamento de liquidação de sentença por arbitramento para fixação do preço do arrendamento.


Esse foi o entendimento pacífico adotado tanto pela Terceira quanto pela Quarta Turma do STJ nas últimas décadas, de tal sorte que, sendo a questão levada ao exame do Tribunal Superior, o veredito seria pela invalidade da cláusula do preço do arrendamento, restando impedida a cobrança levada a efeito através do rito executivo.


Mas no ano de 2018 houve uma inovação no posicionamento do Superior Tribunal de justiça, verificada no julgamento, por maioria, do Recurso Especial n. 1.692.763/MT, no qual foi vencedor o voto da Ministra Nancy Andrighi, Relatora do Acórdão. Na mencionada decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que, mesmo estando o preço do arrendamento fixado em quantidade de sacas de soja, tal característica não retira do contrato as características de título executivo líquido e certo. A Turma manteve o entendimento do Tribunal Estadual de que basta uma operação aritmética para definir o valor efetivo da obrigação.


Importante ressaltar que, contrariamente ao que se poderia deduzir do resultado do julgamento, a Terceira Turma não decidiu pela derrogação das regras do Estatuto da Terra e do Decreto 59.566 pelos usos e costumes ou pelo advento do Código Civil, como alegado pela Recorrente.


A decisão pautou-se na boa-fé objetiva e na vedação à conduta contraditória (nemo potest venire contra factum proprium), em conformidade com o teor de decisões anteriores do Tribunal Superior, no sentido de que quem deu causa ao vício do negócio jurídico não pode postular sua invalidação, pois tal conduta constitui comportamento contraditório.


No caso em comento, o contrato de arrendamento, em que o preço foi fixado em sacos de soja, vigorou e foi cumprido por mais de uma década, sem qualquer insurgência das partes, sendo que o arrendatário apenas invocou a invalidade da cláusula do preço após o término da relação contratual, quando veio embargar a execução levada a efeito pelo arrendador.


Diante de tais circunstâncias, a Turma do STJ entendeu que decidir pela inexequibilidade do contrato importaria em premiar o comportamento contraditório e desleal do arrendatário, em detrimento do arrendador que cumpriu suas obrigações contratuais, razão pela qual foi mantida a higidez da execução no caso.


Essa decisão do STJ, embora não unânime, representa um marco importante no direito agrário, indicando o reconhecimento, pelos julgadores da necessidade de se harmonizar a lei e os usos e costumes e, o que é mais importante, de se buscar a adequação do sistema jurídico à realidade atual.


Com efeito, o desequilíbrio que se vislumbrava nas relações entre arrendadores e arrendatários, à época da promulgação do Estatuto da Terra, na década de sessenta), não mais persiste nos dias de hoje. Atualmente poder-se-ia afirmar, inclusive, que a situação se inverteu, ou seja, tendo em conta o alto grau de profissionalização dos produtores rurais, além do fato de que os proprietários das áreas já não se caracterizam como grandes latifundiários, como antigamente, os arrendatários, na maioria das vezes, se encontram em situação mais vantajosa que os arrendadores.


Portanto, não se justifica a permanência de uma norma que visou estabelecer proteção ao arrendatário, na época em que, dadas as circunstâncias de então, era a parte mais fraca da relação.


Até mesmo porque os negócios de natureza agrária são comumente calculados em produto (grãos), sendo praxe a utilização das expressões sacos, cabeças, quilos, arrobas, sem causar qualquer dificuldade na perfeita compreensão do conteúdo econômico de tais formas de precificação.


Ainda, importante apontar que tendo em vista a grande relevância que os negócios agrários têm na economia do país, representando considerável parcela do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, não se justifica, ao nosso ver, a permanência das regras intervencionistas na autonomia privada hoje existentes, que acabam por trazer dificuldades e embaraços ao agronegócio.


Assim como nos demais contratos empresariais, também no agronegócio, ao nosso ver, as partes devem ter autonomia para estabelecerem as condições do seu negócio, visando a obtenção da melhor rentabilidade e atendimento dos interesses, sendo mínima e excepcional a intervenção do Estado, a fim de que cada vez mais os negócios cresçam, beneficiando toda coletividade.


Renata Silva Fagundes

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