No dinâmico contexto jurídico brasileiro, que testemunhou o mais significativo incremento em transações de fusões e aquisições, conforme registrado nos últimos dez anos pela Global M&A Report 2022, elaborada pela Bain & Company[1], a elaboração de contratos para a aquisição de participações societárias tem adquirido crescente complexidade. Isso se deve às peculiaridades - e principalmente aos riscos - inerentes ao mercado nacional, o que tem afastado uma simplificação contratual, comumente praticada em nações que desfrutam de níveis mais elevados de segurança jurídica em comparação ao Brasil, da realidade conjuntural nacional.
Com o intuito de confrontar quaisquer pontos relevantes nas operações de compra e venda de participação societária, é comum e praticamente obrigatório realizar uma análise preventiva abrangente da situação da empresa emissora da participação societária e do sócio vendedor, denominada due diligence. Essa análise visa examinar aspectos jurídicos, administrativos, contábeis, fiscais e outros considerados essenciais para a saúde financeira e reputacional dos envolvidos. Contudo, em uma economia marcada pela assimetria de informações e pela possibilidade de a due diligence não revelar todas as nuances de uma transação, especialmente devido à falta de integração entre os órgãos registrais, o Poder Executivo e o Poder Judiciário[2], a capacidade de buscar reparação por fatos não revelados à época da transação pode se tornar crucial para a parte compradora em uma eventual operação de fusões e aquisições.
Visando prevenir, por exemplo, perdas financeiras que poderiam desencadear uma necessidade de indenização contratual ou até mesmo resultar em disputas judiciais futuras, sobretudo por informações sensíveis não repassadas ao comprador pelo vendedor no momento da transação, na cláusula de Reps & Warranties (no Brasil igualmente conhecidas como “Declarações e Garantias”) uma última oportunidade para equilibrar a assimetria de informações e compartilhar elementos cruciais para a conclusão da operação de compra e venda. Tal disposição contratual, muitas vezes, acaba por inviabilizar negócios pretendidos, diante da vontade do alienante de, assinado o instrumento de compra e venda, não se tornar refém e responsável por informações eventualmente não transmitidas e das quais o mesmo, ao tempo da venda realizada, poderia nem mesmo ter conhecimento.
Para estes cenários tem espaço a cláusula de sandbagging, também conhecida como cláusula de knowledge ou admissibility, assumindo uma função crucial ao determinar se a parte compradora pode buscar reparação por fatos pré-existentes à venda, mesmo que essa parte já tenha conhecimento dessas violações no momento do fechamento do negócio. No contexto jurídico brasileiro, essa cláusula pode ser uma arma estratégica para as partes, proporcionando uma abordagem mais flexível na gestão de riscos.
A legislação brasileira relacionada ao tema, em geral, não possui previsão própria acerca da cláusula de sandbagging, porém admite-a, em respeito à autonomia das partes na negociação de contratos privados, incluindo naqueles relacionados a transações de M&A. Dessa forma, as cláusulas contratuais, como as de sandbagging, por exemplo, têm validade e são reconhecidas pelos tribunais, desde que estejam em linha com o princípio da boa-fé contratual.
No entanto, para que a cláusula de sandbagging possa ser efetivamente aplicada no Brasil, é necessário que a sua redação seja precisa e que se tenha uma compreensão aprofundada do contexto jurídico pátrio ao redigi-la. Não raras vezes redações de cláusulas de sandbagging frequentemente se misturam com disposições que deveriam estar atreladas a outras disposições em Reps & Warranties, criando um cenário dúbio e que certamente soprará para um desacordo – e um litígio - como indica estudo recente da Berkeley Research Group, que indicou que disputas relacionadas à cláusula de declarações e garantias (estritamente relacionadas à cláusula de sandbagging) estão entre as mais recorrentes[3].
Em síntese, a cláusula de sandbagging desempenha um papel significativo nos contratos de M&A atualmente firmados no Brasil e tem ganhado cada vez mais espaço, justamente pela sua capacidade de elucidar um limite sobre a responsabilidade do vendedor, inclusive temporal. Sua utilização estratégica pode proporcionar segurança jurídica às partes que transacionam, ao mesmo tempo em que respeita a autonomia contratual, requerendo, no entanto, uma abordagem cuidadosa na redação e na consideração das nuances jurídicas em conformidade com a legislação brasileira e com as singularidades de cada caso apreciado.
Marcus Von Mühlen
[1] Bain & Company. Global M&A Report 2022. Disponível em: https://www.bain.com/pt-br/insights/topics/mand-a-report.
[2] BUSCHINELLI, Gabriel Saad Kik. Compra e Venda de Participações Societárias de Controle. São Paulo: Quartier Latin, 2018, p.425.
[3] BRG. M&A Disputes Report 2022: Global Economic Headwinds Impact M&A Market and Drive Disputes. Disponível em: https://media.thinkbrg.com/wp-content/uploads/2022/11/08150114/BRG-MA-Disputes-Report2022.pdf.
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