O calendário de vacinação dos brasileiros está sendo divulgado e aos poucos a sociedade está sendo vacinada contra a COVID-19.
Em meio a isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou, em 17.12.2020, no julgamento das ADIs 6.586 e 6.587 e do ARE 1.267.897, a possibilidade de vacinação obrigatória, afirmando ser “constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina registrada em órgão de vigilância sanitária”. Foi também afirmado e esclarecido que “a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes”.
Dessa forma, após o STF legitimar a obrigatoriedade da vacina, esclarecendo que tal não significa a vacina ser aplicada nos indivíduos de forma compulsória, começam a surgir dúvidas aos empregadores sobre a possibilidade de existir dos empregados que se vacinem e, se não se vacinarem, se é possível demiti-los por justa causa. Assim, tais questões serão abordadas no presente artigo.
Primeiramente, há de se relembrar que o art. 7º, XXII, da Constituição Federal (CF) determina como direito dos trabalhadores a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança", bem como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que é dever dos empregadores proporcionar um ambiente seguro e saudável aos seus empregados.
Dessa forma, é importante e também dever do empregador que oriente os empregados a tomar a vacina por meio de campanhas, palestras, informativos em murais visíveis, entre outros meios e ainda que demonstre a importância da vacinação para que se tenha um meio ambiente de trabalho seguro. Contudo, caso o empregado se recuse a tomar vacina de forma injustificável, poderão ser aplicadas sanções a ele, ou a depender do motivo, outras medidas podem ser tomadas, como por exemplo, colocar esse empregado em home office, se for possível.
Alguns empregados podem não querer tomar vacina por ideias filosóficas, religiosas, convicções pessoais ou políticas, o que para muitos não seriam motivo suficiente para não tomar a vacina. O motivo que seria aceito para o empregado não tomar a vacina seria por recomendação médica, nos casos de gravidez, alergia a algum dos compostos ou algo nesse sentido.
Desse modo, alguns defendem que por se tratar de direito coletivo, de saúde pública e segurança da sociedade e dos trabalhadores, seria possível dispensar o empregado por justa causa, conforme art. 482, da CLT. Contudo, existe outra corrente que defende que tal dispensa por justa causa ofende o Princípio da Legalidade, na medida em que não há previsão legal para esta hipótese, e que portanto, tal dispensa poderia ser considerada discriminatória, podendo inclusive haver a determinação de reintegração posteriormente.
Por sua vez, o Ministério Público do Trabalho (MPT) publicou, em fevereiro desse ano, um guia de orientação, nomeado “GUIA TÉCNICO INTERNO DO MPT SOBRE VACINAÇÃO DA COVID – 19”. Nele, o MPT externa o entendimento de que é possível a dispensa por justa causa dos empregados que se recusarem injustificadamente a tomar a vacina, dizendo que “Persistindo a recusa injustificada, o trabalhador deverá ser afastado do ambiente de trabalho, sob pena de colocar em risco a imunização coletiva, e o empregador poderá aplicar sanções disciplinares, inclusive a despedida por justa causa, como ultima ratio, com fundamento no artigo 482, h, combinado com art. 158, II, parágrafo único, alínea “a”, pois deve-se observar o interesse público, já que o valor maior a ser tutelado é a proteção da coletividade.”
Nesse sentido foi o julgamento[1] recente do E. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em que o Desembargador Roberto Barros da Silva, ao analisar os recursos, frisou que “a vacinação em massa da população contra a COVID19 se constitui como medida emergencial que vem sendo adotada pelas autoridades de saúde pública de todo o mundo, no claro intuito de proteger a população em geral, evitar a propagação de novas variantes, bem como reduzir o contágio, diminuir as internações e óbitos e possibilitar o retorno da sociedade para as suas atividades laborativas, comerciais, empresariais, acadêmicas e familiares”.
Além disso, destacou que “o C. STF já se manifestou no sentido de que a vacinação obrigatória se afigura como conduta legítima, desde que as medidas profiláticas observem os critérios constantes do regramento supracitado, em especial o direito à informação, ao tratamento gratuito, entre outros, conforme se infere da decisão transcrita pelo magistrado de origem na fundamentação da sentença prolatada no primeiro grau”. E ainda considerou que “a reclamada traçou estratégias para a prevenção da COVID19, divulgou informações e elaborou programa de conscientização para assegurar a adoção de medidas protetivas e a vacinação de seus colaboradores, não se mostra razoável aceitar que o interesse particular do empregado prevaleça sobre o interesse coletivo, pois, ao deixar de tomar a vacina, a reclamante realmente colocaria em risco a saúde dos seus colegas da empresa, bem como os demais profissionais que atuam no referido hospital, além de pacientes, e seus acompanhantes.”
Dessa forma, o acórdão manteve a justa causa aplicada sob o fundamento de que em nenhum momento ex-empregada tentou justificar o motivo que teria ensejado a sua recusa em tomar a vacina disponibilizada de forma emergencial e prioritária ao grupo de trabalho ao qual ela pertencia, de modo que a conduta adotada pela reclamada, aplicação da justa causa, não se revelou abusiva ou descabida, mas sim absolutamente legítima e regular, porquanto, para todos os efeitos, a reclamante não atendeu à determinação da empresa.
Um outro ponto importante a ser abordado e que ainda encontra-se em discussão é a possibilidade de não contratar empregados que não tenham tomado a vacina. Entende-se que seria possível pedir aos empregados que apresentem a carteira de vacinação quando do processo seletivo, e optar por escolher empregados que tenham se vacinado, visando não colocar em risco a saúde dos demais trabalhadores.
Dessa forma, ainda não há nada regulamentado sobre o tema, e caberá às empresas, quando a vacina for disponibilizada para todas as idades, elaborarem informativos e orientarem expressamente todos os empregados sobre a obrigatoriedade e a importância da vacinação, tanto para um ambiente de trabalho seguro, como para toda a sociedade, com o intuito de frear o avanço dessa doença.
Giovanna Tawada
[1] Processo 1000122-24.2021.5.02.0472
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