O Superior Tribunal de Justiça, na recente decisão proferida no bojo do REsp n. 1.569.609/SP[1], reconheceu que é válida a cobrança de taxa de manutenção de loteamento, quando fundada em manifestação de vontade do adquirente perante o loteador, ao assumir a obrigação de contribuição para a manutenção do Loteamento prevista expressamente no contrato de venda do lote. Assim, a despeito da ausência de previsão legal à época, a aquiescência do adquirente em relação ao encargo prevista no contrato de aquisição mostra-se suficiente para que seja válida a sua cobrança.
O dever de contribuição para as despesas de manutenção de loteamentos é uma das principais polêmicas envolvendo o dia-dia de loteamentos. Há muito se discute sobre a existência ou não de tal dever.
Quando a Lei Federal n. 13.465/17 encarregou-se de tipificar o tema[2], a concepção de loteamentos com a premissa de serem mantidos por seus moradores já se tratava de um fato social relevante e extensamente praticado no desenvolvimento urbano do país.
Ainda assim, o advento da supracitada norma e a tipificação de tal taxa não foram suficientes para apaziguar os debates sobre a matéria.
Diante da repetitiva judicialização sobre o assunto, e reconhecendo a sua relevância, o Supremo Tribunal Federal (STF) o julgou sob o rito da repercussão geral, cunhando a tese objeto do Tema 492, transitada em julgado em 07 de maio deste ano, in verbis:
“É inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei nº 13.465/17, ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a partir da qual se torna possível a cotização dos proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso controlado, que i) já possuindo lote, adiram ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou (ii) sendo novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação esteja registrado no competente Registro de Imóveis.”
Em outras palavras, o STF reconheceu o marco normativo prescritivo como elemento intrínseco à legalidade da cobrança de tais despesas.
Nesse sentido, evidencia-se a relevância da supracitada decisão do STJ ao reconhecer outro elemento autorizativo da validade da cobrança: a previsão contratual. Eis trecho do acórdão que evidencia este posicionamento: “os recorrentes manifestaram expressa vontade de assumir, perante o loteador, a obrigação de pagar a taxa de manutenção, sendo certo que houve expressa autorização contratual para a cobrança das despesas administrativas e que, no ato da aquisição do imóvel, tiveram ciência de que lhes seria exigido o pagamento de uma taxa de manutenção.”
Aplicando-se o distinguishing em relação ao precedente do STF, a Terceira Turma do STJ levou em consideração que o fato de que, desde a concepção do loteamento, foi estabelecido contrato-padrão com a previsão de que haveria serviços de conservação cujo custeio seria rateado entre os proprietários, e que, durante vários anos, os autores da ação – que estariam agora questionando a validade da cobrança – pagaram a mensalidade sem qualquer oposição, tendo os serviços sido efetivamente prestados.
A modalidade de loteamentos com manutenção custeada por seus moradores tem se tornado cada vez mais popular. São concebidos com mecanismos que propiciam maior segurança e mais eficiente manutenção das suas respectivas áreas – se comparado com loteamentos ordinários. Contudo, igualmente é da concepção deste tipo de empreendimento que tais diferenciais sejam mantidos por serviços a serem suportados pelos respectivos moradores, na forma de cotização das despesas necessárias para tanto.
Assim, entendemos como acertada a posição do STJ, na medida em que confere justa medida à vontade manifesta dos contratantes e da estruturação do empreendimento, que tem um fim comum: a alienação do bem e a preservação das características e funções que dele se espera.
Como efeito, tal decisão confere maior segurança jurídica a este produto, beneficiando não só as empresas loteadoras, mas também aos adquirentes / moradores.
Inobstante as decisões acima tenham ao fundo loteamentos de acesso controlado, nosso entendimento é de que a exegese de tais paradigmas aplica-se também aos loteamentos abertos, sem controle de acesso, na medida em que parágrafo único do art. 36-A da Lei de Loteamentos não traz distinção entre as modalidades de loteamento.
Por fim, menciona-se que a referida decisão do STJ não transitou em julgado, na medida em que contra ela foram opostos embargos de declaração pelos moradores/autores da ação, razão pela qual acompanharemos os seus desdobramentos.
Pedro Villeroy
[1]REsp n. 1.569.609/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 5/8/2022. [2] Art. 78. A Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979 , passa a vigorar com as seguintes alterações: (...) “Art. 36-A. As atividades desenvolvidas pelas associações de proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos ou empreendimentos assemelhados, desde que não tenham fins lucrativos, bem como pelas entidades civis organizadas em função da solidariedade de interesses coletivos desse público com o objetivo de administração, conservação, manutenção, disciplina de utilização e convivência, visando à valorização dos imóveis que compõem o empreendimento, tendo em vista a sua natureza jurídica, vinculam-se, por critérios de afinidade, similitude e conexão, à atividade de administração de imóveis. Parágrafo único. A administração de imóveis na forma do caput deste artigo sujeita seus titulares à normatização e à disciplina constantes de seus atos constitutivos, cotizando-se na forma desses atos para suportar a consecução dos seus objetivos.
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