A fiança constitui a modalidade de garantia menos custosa ao Locatário, e, por isso, é muito utilizada nas relações locatícias, tanto residencial quanto comercial. Tendo em conta os diversos interesses e direitos envolvidos, a questão da possibilidade de penhora do bem de família do fiador de contrato de locação vem sendo muito debatida nos Tribunais ao longo dos anos.
Recentemente, mais precisamente em 08/03/2022, o STF firmou novo entendimento sobre a questão, ao encerrar o julgamento virtual do Recurso Extraordinário 1307334, com repercussão geral (Tema 1127), firmando o entendimento pela penhorabilidade do imóvel residencial do fiador nas locações comerciais. Essa decisão tem grande relevância no setor imobiliário por trazer maior segurança jurídica aos locadores e, por consequência, fomentar as locações empresariais.
A Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, que instituiu a impenhorabilidade do imóvel residencial do fiador é clara ao excepcionar de tal vedação, entre outros créditos, o crédito decorrente de fiança em contrato de locação (art. 3º, inciso VII). Entretanto, a partir da vigência da Emenda Constitucional no. 26/2000, que incluiu o direito à moradia dentre os direitos sociais constitucionalmente assegurados, a constitucionalidade do inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009 passou a ser questionada judicialmente.
A controvérsia foi enfrentada pelo pleno do STF, pela primeira vez, em 08/02/2006, no julgamento do Recurso Extraordinário 407.688/SP, tendo a Corte Suprema decidido pela Constitucionalidade do inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/90. Em 2010, o entendimento foi reafirmado no julgamento do Recurso Extraordinário 612.360, já sob a sistemática da Repercussão Geral (Tema 295), com a relatoria da Ministra Ellen Gracie, tendo sido firmada a seguinte tese pelo Tribunal Pleno: “É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, em virtude da compatibilidade da exceção prevista no art. 3º., VII, da Lei nº 8.009/1990 com o direito à moradia consagrado no art. 6º. da Constituição Federal., com redação da EC 26/2000.”
Em que pese o RE 612.360, que foi o leading case do Tema 295, tivesse por objeto relação locatícia de natureza comercial, a 1ª Turma do STF acabou inovando no julgamento do Recurso Extraordinário 605.709/SP, em 12/06/2018. Ao julgar o referido RE, a Turma decidiu pela impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação comercial, restringindo o entendimento firmado no enfrentamento do Tema 295 às locações residenciais
E, a partir dessa decisão, novamente a questão passou a ser controvertida no STF, havendo decisões admitindo a penhora do bem de família do fiador de locação comercial ao mesmo tempo que outras eram proferidas no sentido inverso, o que passou a gerar muita insegurança no setor imobiliário.
Tal dicotomia ensejou o reconhecimento da repercussão geral do Recurso Extraordinário 1307334, o que propiciou o enfrentamento, pelo STF, do Tema 1127, que versou sobre a penhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação comercial.
O julgamento virtual teve início em agosto de 2021 e foi concluído neste mês, tendo sido vencedora, por maioria, a tese do Relator Ministro Alexandre de Morais, o qual foi acompanhado pelos Ministros Roberto Barroso, Nunes Marques, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, André Mendonça e Luiz Fux (vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Carmen Lúcia e Ricardo Lewandowski).
De acordo com o voto do Relator, a possibilidade de penhora do bem do fiador não viola o seu direito à moradia, uma vez que ele exerce seu direito à propriedade ao oferecer seu imóvel como garantia contratual de livre e espontânea vontade, com plena consciência dos riscos decorrentes de eventual inadimplência. Conforme também referido no seu voto, a Lei nº 8.009/1990, que trata da impenhorabilidade do bem de família, excepciona o instituto da fiança (artigo 3º, inciso VII) e não faz distinção entre a garantia dada à locação comercial ou à residencial.
Em face disso, de acordo com o voto do ministro, a criação, por decisão judicial, de uma distinção entre os fiadores de locação residencial e comercial (na primeira se admite a penhora do imóvel do fiador) ofende o princípio da isonomia. Ainda, completou o julgador, a imposição dessa restrição representaria uma afronta, também, aos princípios da boa-fé objetiva e da livre iniciativa.
A decisão ainda destaca o caráter espontâneo do oferecimento do bem de família em garantia no contrato de aluguel. "Em contrato escrito, que não deve deixar margem de dúvidas, o fiador oferece não só o seu bem de família, mas também todo o patrimônio que lhe pertence, em garantia de dívida de terceiro, e o faz de livre e espontânea vontade".
O resultado do julgamento, em favor da penhorabilidade do imóvel residencial do fiador nas locações comerciais merece ser festejado, principalmente por gerar segurança jurídica aos locadores e, também, por propiciar o aquecimento do mercado de locações, tendo em visa que a fiança é uma modalidade de garantia que não traz custos ao locatário, diferentemente de outras, como o seguro-caução. A solução favorece especialmente os pequenos empreendedores que normalmente constam como fiadores (pessoas físicas) de sua própria empresa (pessoa jurídica) fugindo de formas mais gravosas de garantia, evitando, assim, diminuir seu capital. O novo posicionamento do STF, portanto, traz confiança aos proprietários e, em consequência, favorece os empresários que dependem da locação de imóvel de terceiro para desenvolverem suas atividades comerciais.
Renata Silva Fagundes