O planejamento sucessório, o qual determina como os bens de uma herança serão distribuídos entre os herdeiros, também deverá ser impactado pela reforma tributária. A nova redação estabelecida pela PEC 45/2019, já aprovada na Câmara dos Deputados, trará, dentre outros, impactos diretos no âmbito do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
Há que se atentar que houve a alteração do local em que o imposto é devido no que concerne à transmissão de bens móveis, título e créditos, em decorrência de falecimento (causa mortis). Atualmente, o imposto é recolhido no estado onde ocorre o processamento do inventário ou onde tiver domicílio o doador, e, no caso, de imóvel, no estado em que este bem está localizado. Para tanto, em relação à cobrança de ITCMD incidente sobre bens móveis, tais como participações societárias, investimentos ou aplicações financeiras e créditos, o texto da PEC 45 sugere que seja sempre competente o estado do domicílio do falecido ou do doador.
No ordenamento atual, tratando-se de inventário extrajudicial, os herdeiros podem escolher livremente o estado em que será processado, ou seja, o tabelionato de notas de sua preferência, independentemente da unidade federativa em que o falecido tinha domicílio, inclusive com a finalidade de diminuir a tributação, como já examinado em outra oportunidade (saiba mais). Com o novo texto, esta prática estaria vedada. Essa alteração merece atenção para os contribuintes que estão com planejamento sucessório em curso, pois cada ente federativo possui seus regramentos específicos para tratar a matéria.
Outra mudança se refere à previsão de não incidência de ITCMD sobre doações filantrópicas. O texto tem o intuito de ampliar a abrangência das instituições sem fins lucrativos que poderiam ser beneficiadas, sem limitar o benefício para algumas causas filantrópicas, exigindo-se, apenas, que se tenha uma “finalidade de relevância pública e social” e determinadas condições a serem estabelecidas em lei complementar. Há previsão, também, de não incidência de ITCMD nas doações recebidas e realizadas por estas instituições, desde que vinculadas ao cumprimento dos seus objetivos sociais.
Há também a previsão de autorização de cobranças de ITCMD sobre transmissões envolvendo partes residentes ou domiciliadas no exterior, mesmo antes de uma edição de Lei Complementar sobre o assunto. Já havia movimentação nesse sentido, porém o STF havia decidido que era inviável essa cobrança sem a existência de Lei Complementar que regulamentasse o assunto. Contudo, com a aprovação da PEC, se antecipou a possibilidade de haver essa cobrança, antes mesmo da promulgação de Lei Complementar que discipline a incidência do imposto.
Em se tratando de doação, se a PEC 45 for aprovada, mesmo que o doador resida no exterior, passará a incidir o imposto no estado em que reside o donatário, sendo o bem móvel, e, se ambos residirem no exterior, incidirá o ITCMD sobre a doação de bem imóvel no estado em que está situado o bem. No que tange à transmissão por herança, a nova regra propõe que, na hipótese dos bens móveis ou imóveis estarem localizados no exterior, o ITCMD será devido no estado em que residia ou era domiciliado o falecido. No caso de falecido residente ou domiciliado no exterior, o imposto será cobrado pelo estado de domicílio do herdeiro.
Por fim, o ponto mais incontroverso do texto acerca da presente matéria consiste na imposição de progressividade na alíquota de ITCMD. A rigor, a progressividade do ITCMD já era possível, por expressa autorização do STF, inclusive já em prática por diversos Estados. Contudo, o novo texto passa a impor a obrigação de progressividade às alíquotas de ITCMD, tornando de caráter obrigatório para todos os entes federados estaduais. Todavia, ainda que esta alteração específica tenha repercutido na mídia e tenha ganhado grande destaque dentre as mudanças propostas, nos parece que, no curto prazo, a mudança no texto constitucional não traga grandes efeitos práticos.
Isto, pois, a maioria dos Estados brasileiros já vinham optando por adotar a progressividade nas alíquotas de ITCMD, e, também, caso um Estado opte por manter a alíquota fixa, possivelmente, não haverá maiores consequências, considerando que a interferência federal na autonomia dos estados já cria atritos entre os entes federados.
Contudo, a mudança proposta dá ensejo para uma nova Resolução do Senado, a qual poderia aumentar a alíquota máxima do ITCMD, aproveitando o cenário político de grandes alterações tributárias. Hoje, em consonância ao disposto na Constituição Federal, a alíquota máxima do ITCMD deve ser fixada por Resolução do Senado, atualmente limitada a 8% (Resolução nº 9, de 05 de maio de 1992). Alterando-se esse percentual, os Estados poderão aumentar de forma significativa as suas alíquotas de ITCMD, trazendo um grande impacto para a população em geral.
A aprovação deste texto trará grande consequência para famílias de alto patrimônio, que deverão ser as principais afetadas, caso as novas normas sejam aprovadas. Herdeiros com direito a um patrimônio menor lidarão com um tributo menor, enquanto herdeiros com direito a um capital mais vasto serão taxados com alíquotas mais altas. Hoje, por exemplo, no estado de São Paulo está em vigor alíquota fixa de 4%, mais vantajosa que em outras localidades do nosso País.
Logo, neste momento de possibilidade de alteração da legislação tributária, a estruturação de planejamentos tributários, patrimoniais e sucessórios se mostra útil para evitar maior carga tributária.
Por fim, tem-se que as alterações envolvendo a alíquota de ITCMD não são tão drásticas para grande parte da população a curto prazo. Todavia, a aprovação do novo texto inaugura um contexto político que merece mais cuidado, pois dá margem à realização de mudanças significativas, merecendo atenção dos contribuintes, no que se refere ao imposto ora debatido, principalmente, no tocante a planejamento sucessório.
Lisie Neves Schreinert
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