Em dezembro do ano passado, com o objetivo de revisar as normas atualmente aplicáveis às ofertas públicas de aquisição de ações (“OPA”), a Comissão de Valores Mobiliário (“CVM”) divulgou o edital de consulta pública SDM nº 05/23, com propostas de novas regras para essa oferta.
Inicialmente, cumpre destacar que a OPA é o procedimento pelo qual um ofertante manifesta o seu compromisso de adquirir uma quantidade específica de ações de companhias abertas ou até mesmo a sua totalidade, mediante condições, preço e prazo determinados. Atualmente, ela é disciplinada pela Resolução CVM nº 85, de 31 de março de 2022 (“Resolução CVM 85”), que substituiu, sem alteração de mérito, a Instrução CVM nº 361, de 5 de março de 2002 (“Instrução CVM 361”).
A consulta pública envolve duas minutas: “A” e “B”. Com o objetivo de agilizar o processo da OPA e reduzir os custos regulatórios, a minuta “A”, considerada a principal desse documento, modifica a Resolução CVM 85, trazendo como principais alterações: (i) novos critérios para a OPA por aumento de participação, (ii) estabelecimento de um quórum específico para a OPA que visa o cancelamento de registro, (iii) modificações relacionadas ao intermediário da OPA, e (iv) a previsão de dispensas automáticas de leilão e de elaboração do laudo de avaliação.
A minuta “B”, por sua vez, promove uma alteração no art. 8º, III, da Resolução CVM nº 77, de 29 de março de 2022, que dispõe sobre a negociação de ações e a aquisição de debêntures de própria emissão da companhia (“Resolução CVM 77”), para prever que a vedação à recompra de ações de própria emissão da companhia não seja válida quando se tratar de OPA formulada pela própria companhia.
Destacamos abaixo, de forma mais detalhada, as principais mudanças que estão sendo propostas:
I. Novos critérios para a OPA por aumento de participação
Atualmente, o acionista controlador, seus vinculados e quaisquer outras partes agindo em conjunto com o controlador ou seus vinculados, são obrigados a realizar uma OPA toda vez que excederem 1/3 (um terço) das ações em circulação da companhia aberta, conforme disposto pelo art. 30 da Resolução CVM 85.
Com o objetivo de simplificar o procedimento de controle, a CVM introduz, no art. 45 da Minuta “A”, novos cenários para serem aplicados a OPA por aumento de participação pelo acionista controlador. Segundo o novo texto, a OPA deverá ser sempre realizada quando o acionista controlador ou seus vinculados: (i) adquirir ações de companhia cujo free float seja inferior a 15% (quinze por cento); ou (ii) em um exercício social, adquirir mais de 1/6 (um sexto) do total das ações de cada espécie e classe em circulação.
II. Estabelecimento de um quórum específico para a OPA que visa o cancelamento de registro
A OPA para cancelamento de registro é obrigatória, sendo realizada como pré-requisito para o cancelamento do registro para negociação de ações nos mercados regulamentados de valores mobiliários.
Atualmente, a Resolução CVM 85 aborda o regime da OPA para o cancelamento de registro em seu capítulo IV, estipulando que mais de 2/3 (dois terços) das “ações elegíveis” devem aceitar a OPA ou consentir explicitamente com o respectivo cancelamento. Com o objetivo de simplificar esse procedimento, a CVM propõe reduzir o quórum de aceitação da OPA para maioria simples das ações elegíveis nos casos em que o percentual de ações em circulação da companhia seja inferior a 5% (cinco por cento).
Ainda, outra proposta trazida pela CVM, é que na ausência de acionistas habilitados no leilão da OPA, os quóruns de aprovação da OPA para cancelamento de registro sejam considerados como cumpridos.
III. Modificações relacionadas ao intermediário da OPA
Conforme disposto no art. 4º, IV, da Resolução CVM 85, “Na realização de uma OPA devem ser observados os seguintes princípios: (...); IV - a OPA deve ser intermediada por sociedade corretora ou distribuidora de títulos e valores mobiliários ou instituição financeira com carteira de investimento”.
Na Minuta “A”, a CVM traz a possibilidade de separar as funções de instituição garantidora da liquidação da oferta, que seria desempenhada por instituição financeira, e de coordenador da oferta, que seria assumida por entidades autorizadas à atividade de coordenador de ofertas, nos termos da Resolução CVM nº 161, de 13 de julho de 2022.
Ainda, de acordo com a proposta, não é permitido dispensar a contratação do intermediário, porém o ofertante pode optar por manter as funções do intermediário e da instituição financeira garantidora em uma só instituição, desde que atendidos todos os requisitos estabelecidos para o exercício de ambas.
IV. Previsão de dispensas automáticas de leilão e de elaboração do laudo de avaliação.
A Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei nº 6.404”), reserva ao laudo de avaliação um papel importante na definição do preço da OPA. Entretanto, a CVM, em diversos casos, decidiu que o preço da OPA poderia ser aferido de outras formas que possuíssem critérios igualmente válidos e sólidos para a aferição do preço da OPA.
Nessa proposta foram incluídas duas situações em o ofertante pode determinar o preço da OPA, sendo elas: (i) quando tiver sido realizado contrato de compra e venda de ações da mesma espécie e classe da OPA entre partes independentes e o preço a ser oferecido pelo ofertante for superior ao preço estabelecido no referido contrato, em período de até 6 (seis) meses anterior à realização da OPA, e desde que o contrato tenha envolvido quantidade de ações correspondente a pelo menos 20% (vinte por cento) do capital social da companhia objeto e que não haja associação a outro negócio jurídico que confira ou venha a conferir às partes algum tipo de contrapartida financeira; e (ii) quando as ações objeto da OPA tenham sido negociadas em todos os pregões dos 12 (doze) meses anteriores ao início do período da OPA e apresentado no período volume financeiro de negociação em montante médio diário igual ou superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). Entretanto, para que essa dispensa seja válida, a companhia objeto deve estar adimplente com a entrega de informações periódicas e eventuais.
Ressalta-se que, em ambos os casos de dispensa propostos, permanece válido o direito dos acionistas de pleitear a revisão do preço, nos termos do art. 4º-A da Lei nº 6.404.
Em casos em que a OPA for destinada a menos de 100 (cem) acionistas ou direcionada a menos de 1.000 (mil) acionistas e os custos associados ao leilão excederem 10% (dez por cento) do valor total da OPA, a dispensa da realização do leilão será automática. Nessas circunstâncias, caberá ao intermediário assumir o controle operacional da OPA, incluindo a verificação do quórum de sucesso, quando for o caso, e a comunicação do resultado da OPA à CVM.
O prazo de envio de sugestões encerrou em 07/03/2024, e atualmente a consulta pública se encontra em fase de análise.
Por fim, percebe-se que, apesar de ser regrada pela Resolução CVM 85, a OPA possui sua essência vinculada a Instrução CVM 361, do ano de 2002. Tendo em vista que o mercado de capitais brasileiro está em constante mudança, entendemos que essa nova norma será importante para acompanhar a evolução do mercado e das práticas corporativas, além de consolidar diversos entendimentos da CVM nos últimos anos.
Larissa Rocha Jorge
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