A franquia caracteriza-se pelo vínculo de interesses empresariais em que, por um lado, se faz presente a figura do franqueador, detentor de direitos de uso de sua marca, patentes e know-how relacionados ao desenvolvimento de uma atividade econômica específica e, por outro lado, a figura do franqueado, que adquire o direito à exploração do negócio que até então era de domínio do franqueador.
Trata-se de metodologia empresarial inteligente, que reduz o risco financeiro do empreendedor franqueado, na medida em que permite a aplicação do capital em estabelecimento comercial já consolidado no mercado, com marca e produtos já reconhecidos pelo consumidor, combinando a aplicação de técnicas de produção e prestação de serviços padronizadas e estáveis, elementos que conferem segurança e previsibilidade ao franqueado, bem como o ingresso de capital para a expansão do negócio ao franqueador.
Essa espécie de metodologia empresarial ganhou forma no Brasil e já se encontra bastante disseminada, circunstância que deu origem à criação de legislação específica para regular a matéria que, em um primeiro momento, veio disposta na Lei 8.955/94 e atualmente está prevista na recente Lei 13.966/19.
A regulação da matéria por meio de lei específica tem sua razão de ser: a relação jurídica entre franqueador e franqueado é dinâmica e complexa, pois envolve mais de um modo de estruturação contratual.
No cerne da relação jurídica, há cessão de direitos de utilização da marca ao franqueado, remunerada pelo pagamento de royalties franqueador. Em regra, a cessão de direitos vem acompanhada da prestação de serviços, caracterizada pela assessoria técnica prestada pelo franqueador ao franqueado e que se realiza das mais variadas formas.
É possível perceber, de forma nítida, o caráter misto que as prestações assumidas pelo franqueador podem apresentar nessa espécie de contrato, em que há tanto a cessão da marca, atividade-fim da relação contratual, quanto uma prestação de serviços, atividade-meio do vínculo contratual.
É usual que, no bojo dessa espécie de relação contratual, o franqueador conceda o uso da marca como atividade-fim, bem como participe da escolha do ponto comercial que entenda ser mais adequado para o desenvolvimento da atividade, que dê suporte à estruturação e organização interna do estabelecimento físico, bem como que atue de forma intensa nos processos de confecção e entrega do produto pelo franqueado, nesse caso como atividade-meio do nexo entre os contratantes. É fácil visualizar essa espécie de relação em uma franquia que explore o ramo alimentício, por exemplo.
Essa conclusão pode ser alcançada pela própria leitura da Lei 13.966/19, art. 2º, XIII, que exige estejam arrolados na Circular de Oferta de Franquia a descrição precisa dos serviços prestados pelo franqueador ao franqueado.
De outro lado, há que se destacar relação contratual semelhante à franquia, mas que dela se distingue por participação não ostensiva pelo proprietário da marca, em que as partes celebram contrato de licenciamento. Nesse caso, o escopo das partes está voltado unicamente à atividade-fim da relação jurídica, em que há cessão de direitos de um produto ou marca como, por exemplo, uma caneca de porcelana que estampe marca famosa, sem qualquer participação do franqueador quanto ao processo produtivo desse produto. Nesse caso, a remuneração também se dá pelo pagamento de royalties.
A distinção entre contrato de franquia e de licenciamento é importante, porque a Receita Federal do Brasil, como se verá, parece confundir as espécies contratuais, com reflexos tributários nocivos às empresas franqueadas.
Feita essa consideração, é certo afirmar que o empreendimento do franqueado depende, em última análise, do uso da marca cedida, remunerada por royalties, bem como pela prestação do serviço necessário para desenvolvimento do negócio. Por outra perspectiva, é possível afirmar: sem o pagamento de royalties, inviabiliza-se o desenvolvimento da empresa franqueada.
A Receita Federal do Brasil publicou em 20.07.2021, a Solução de Consulta n. 116/2021, oportunidade em que reafirmou o entendimento de que “Os dispêndios pagos a título de royalties pela franqueada à franqueadora não são considerados decorrentes da aquisição de bens ou de serviços, e por conseguinte, não podem ser tratados como insumos para efeitos da apuração de créditos da Contribuição para o PIS/Pasep”.
Em linhas gerais, o posicionamento adotado pela Fazenda parte do princípio de que nessa modalidade contratual, o franqueador não prestaria um serviço, tampouco transmitiria bens ao franqueado. Nesse contexto, a legislação que prevê possibilidade do contribuinte em realizar descontos com créditos de PIS e de COFINS não seria aplicável, já que a letra da lei (art. 3º, II, da Lei 10.637 e da Lei 10.833) faz referência a, tão somente, despesas com “bens e serviços”, fora do âmbito do contrato de franquia, portanto.
A conclusão adotada pela Receita Federal do Brasil mostra-se bastante frágil e não encontra respaldo em âmbito administrativo (CARF, Acórdão n. 9303-008.742, julgado 13.06.2019).
Além disso, toma como definitiva a conceituação jurídica do contrato de franquia, estabelecendo que não se trata de um contrato de prestação de serviços, tampouco de aquisição de bens do franqueado perante o franqueador, mas de simples cessão de uso de marca. Isto é, confunde espécies contratuais distintas: uma coisa é o contrato de franquia, outra é o contrato de licenciamento, que se assemelham, mas não se confundem.
Como visto, é certo que o contrato de franquia é dotado de natureza mista. A relação jurídica entre franqueador e franqueado pode ser objeto de diversas espécies de prestação, dentre elas, mas não só, há a prestação de serviços.
O Supremo Tribunal Federal[1] reconheceu a constitucionalidade da incidência de ISSQN pagos a título de royalties ao franqueador. Isto é, não há como se negar a existência de uma prestação de serviço no bojo da relação jurídica de um contrato de franquia. Vale destacar que a decisão abordou, inclusive, as franquias com a preponderância de atividade-fim e atividade-meio, com o reconhecimento de incidência, de forma indistinta, do ISSQN sobre valores pagos a título de royalties.
Em outras palavras, o Supremo Tribunal Federal entendeu que, se há franquia, há também a prestação de um serviço, para fins de incidência do tributo que abrange essa materialidade. Portanto, e essa é uma decorrência lógica da qual a Receita Federal do Brasil não pode se furtar, se o contrato de franquia pressupõe a prestação de um serviço para fins de incidência do ISSQN, não há como se dar interpretação distinta para fins de obtenção ao crédito do PIS e da COFINS.
O posicionamento da Receita Federal do Brasil perde ainda mais força após o julgamento do Tema 779, pelo Superior Tribunal de Justiça[2], que consignou ser insumo, para fins de obtenção de créditos de PIS e de COFINS, o item – bem ou serviço – que sejam imprescindíveis ou relevantes para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.
Dentre as teses firmadas pelo Superior Tribunal de Justiça, ficou assentado que a aferição da imprescindibilidade ou essencialidade está condicionada às consequências que a subtração do item traria ao produto. Se a subtração do item inviabilizar a atividade da empresa ou prejudicar de forma substancial a qualidade do produto ou do serviço, está-se diante de insumo.
De se destacar que o Superior Tribunal de Justiça não foi à minúcia sobre a forma de constituição do custo com o insumo. Isto é, não houve maiores digressões sobre se o insumo fora adquirido no bojo de um contrato de prestação de serviços, aquisição de bens etc. Em outras palavras, o Superior Tribunal de Justiça não deu à matéria o caráter formalista observado pela Receita Federal do Brasil. O que importa, na realidade, é o liame entre o custo da empresa com o insumo e a relação desse custo com a elaboração de um determinado produto ou com o próprio resultado da empresa. Ir além disso é, por outras palavras, não observar as razões de decidir adotadas por oportunidade do julgamento do Tema 779.
É possível visualizar, sem maiores dificuldades, que o pagamento de royalties é essencial e relevante para o desenvolvimento da atividade econômica, já que o pagamento de royalties significa, em última análise, a condição para que o franqueado possa exercer a atividade empresarial que foi especificamente projetada em um contrato de franquia celebrado entre as partes. Em uma palavra, sem o pagamento de royalties, cessa o tráfego comercial entre franqueador e franqueado, com a inevitável extinção da relação jurídica.
Conclui-se, portanto, pela total inadequação do entendimento apresentado pela Receita Federal do Brasil na Solução de Consulta n. 116/2021, que viola o direito à obtenção de créditos de PIS e de COFINS sobre os valores pagos a título de royalties pelo franqueado. A posição externada pelo fisco federal é manifestamente contrária ao ordenamento jurídico e, em especial, ao entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Tema 779.
Marcelo Czerner
Edmundo Cavalcanti Eichenberg
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