Levantamento da Abrasel aponta que 94% dos estabelecimentos do setor sentiram a calamidade impactar no faturamento; empreendedores aguardam auxílio do governo para voltar aos negócios
Uma incógnita. É desta maneira que o proprietário do restaurante Salton, na BR-386, entre as cidades de Canoas e Nova Santa, na grande Porto Alegre, define o retorno aos negócios. Os últimos oito dias foram de trabalho duro para tentar deixar o espaço, que foi completamente invadido pela água, minimamente limpo.
“A região onde fica o nosso empreendimento está toda destruída, então o amanhã é uma incógnita pra gente. Ainda não temos uma perspectiva de como vai funcionar daqui pra frente”, afirma o empresário João Henrique Salazar, de 33 anos.
A companheira de João, Tatiana Imich, que está na 26ª semana de gestação, tem auxiliado nos trabalhos de limpeza, quando não está trabalhando como cabeleireira no salão de beleza em Porto Alegre.
“Estamos no nono dia de faxina e vem sendo um serviço demorado, bem difícil mesmo, porque são muitas camadas, muita coisa mesmo pra limpar. A água subiu 1,5 metro dentro do prédio”, conta à reportagem.
Mobiliário, estoque de alimentos e bebidas, vidraças, câmaras frias, freezers e utensílios foram perdidos, não apenas na enchente, mas também com furtos. O casal notou que o estabelecimento foi arrombado, mas ainda não sabe o que foi levado e nem o tamanho do prejuízo.
“Devem ter levado coisas pequenas, pratos, talheres, bebidas, coisas assim. Aos poucos vamos nos dando conta de coisas que estão faltando e fica aquela dúvida: a enchente levou ou alguém pegou?”, questiona Tatiane.
A estimativa inicial é de que serão necessários cerca de R$ 70 mil para consertar os estragos materiais, fora o necessário para quitar questões trabalhistas.
Crédito extra será necessário para reconstrução dos negócios
O empreendedor conta que tem conversado com fornecedores para reajustar prazos e que as negociações têm sido bem sucedidas, mas acredita que outras medidas também serão importantes.
“Estamos entrando em contato com fornecedores e, como são daqui, eles entenderam a situação e postergaram alguns boletos que venceriam. Agora estamos no momento de acolher os desabrigados e manter essas pessoas em segurança. A parte de ajudar os empresários ainda não começou, está demorando um pouco”, pontua Salazar.
Na semana passada, o governo federal anunciou um crédito extraordinário de R$ 4,5 bi para o fundo de garantia (FGO) que irá permitir que bancos emprestem R$ 30 bilhões para a recuperação de MEIs, microempresas e empresas de pequeno porte, através do Pronampe.
Dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no Rio Grande do Sul apontam que 94% dos estabelecimentos gaúchos estão passando por algum problema causado pela enchente, e um quarto (23%) dos estabelecimentos foram total, ou parcialmente atingidos pela tragédia.
“É um cenário desafiador de retomada dos serviços e da qualidade básica dos insumos necessários para operar de forma plena. É o momento de observar o que pode ser feito”, define João Melo, presidente da Abrasel no RS.
Ajuda especializada é fundamental para tomada de decisão
Avaliar o cenário ao qual a empresa se encontra é o primeiro passo para uma retomada segura dos negócios, compreendendo quais são as obrigações, pendências e reservas financeiras existentes para os custos que se apresentam.
“Moldar as obrigações comerciais de acordo com o que pode ser feito neste momento, é fundamental. Os tributos federais foram prorrogados, bancos estenderam prazos, então há mecanismos que vão permitir o enfrentamento com flexibilidade, mas não sem dificuldades”, pondera o advogado empresarial, Lucas Braga Eichenberg.
Por se tratar de um evento adverso, empreendedores podem encontrar dificuldade na hora de definir as melhores estratégias para dar continuidade aos negócios, visto que nem todos poderão retomar as atividades a curto e médio prazo.
Diferentemente do que aconteceu na pandemia, quando houve apenas a suspensão temporária das atividades, desta vez os prejuízos são materiais e, em muitos casos, houve destruição total da estrutura física da empresa.
Contar com apoio de entidades de classe, contadores, advogados trabalhistas e empresariais, pode ser um fator decisivo para o empreendedor.
“O enfrentamento das consequências desta catástrofe pelo empresário vai depender, primeiro, se os impactos foram de efeitos transitórios, que podem ser recuperados; ou se foram permanentes, porque têm estabelecimentos que deixaram de existir”, avalia o especialista.
Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul) e outras associações já manifestaram solidariedade aos atingidos pela tragédia, disponibilizando serviços para auxiliar na retomada dos negócios.
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